JBCS



9:17, sáb nov 23

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Artigo


Imobilização de peroxidase de raiz forte em bagaço de cana-de-açúcar
Immobilization of horseradish peroxidase on sugarcane bagasse

Monna Lisa B. QueirozI,II; Kennedy C. da ConceiçaoI,II; Micael Nunes MeloI,II; Osmar Calderón SánchezIII; Heiddy M. AlvarezIV; Cleide M. F. SoaresI,II; Alini T. FricksI,II,*

I. Laboratório de Engenharia de Bioprocessos, Instituto de Tecnologia e Pesquisa, Av. Murilo Dantas, 300, 49032-490 Aracaju - SE, Brasil
II. Universidade Tiradentes, Av. Murilo Dantas, 300, 49032-490 Aracaju - SE, Brasil
III. Laboratorio de Síntesis Orgánica, Facultad de Química, Universidad de La Habana, 10400, La Habana, Cuba
IV. Departamento de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Feira de Santana, km 03 BR 116, 44031-460 Feira de Santana - BA, Brasil

Recebido em: 10/05/2018
Aceito em: 25/07/2018
Publicado em: 22/08/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: alinitf@yahoo.com.br

RESUMO

The immobilization of horseradish peroxidase (HRP) on raw and alkaline pre-treated sugarcane bagasse by physical adsorption (ADS) and covalent bond (LC) methods was studied. The saturation of the support with 2 mg of HRP/g of support by LC immobilization reached 35% of immobilization efficiency and 39 units of the immobilized enzyme (U). Regarding the HRP immobilization on sugarcane bagasse without pretreatment and using the same HRP loading, it was observed a reduction in the efficiency of immobilization and in the number of immobilized units for both methods, ADS (13.98% and 15.46 U) and LC (15.79% and 17.46 U). The sugarcane bagasse with alkaline pretreatment experiment, on the other hand, exhibited higher potential for HRP immobilization by LC. The supports and biocatalysts were characterized by Fourier transform infrared spectroscopy (FTIR), showing greater availability of hydroxyl groups in the pretreated support and the typical amide I and amide II bands that corroborate the effectiveness of the enzyme immobilization on sugarcane bagasse. In the same way, the thermogravimetric analysis (TGA) confirmed a higher weight loss in the region I for the derivative immobilized by LC, suggesting the presence of water favored enzymatic activity.

Palavras-chave: sugarcane bagasse; immobilization; horseradish peroxidase.

INTRODUÇAO

No Brasil a produçao de cana-de-açúcar é tradicional e vem aumentando continuamente, atingindo aproximadamente 768.678.382 milhoes de toneladas em 2016, o que representa 40,7% de produçao mundial.1,2 Esse volume produzido gera aproximadamente 2,5 mil toneladas por dia de bagaço da cana,3 portanto, estudos que focam na utilizaçao dos resíduos agroindustrial em diferentes aplicaçoes promovem uma reduçao de custos de produçao e obtém novos compostos de valor agregado para o setor industrial.4 Neste sentido destacam-se as rotas biotecnológicas para utilizaçao destes resíduos,5 como por exemplo, a utilizaçao para a produçao de bioetanol (2ª geraçao)6,7 e a utilizaçao de resíduos agroindustriais como suporte para imobilizaçao de enzimas.8 O bagaço de cana-de-açúcar apresenta na sua composiçao celulose (38,3%), hemicelulose (20,1%) e lignina (29,0%)9 o que torna este tipo de suporte atrativo para imobilizaçao de enzimas em virtude da vasta possibilidade de pontos reativos. Tais alternativas, portanto, apresentam grande relevância do ponto de vista ambiental e econômico, pois propicia a reutilizaçao destes resíduos e a geraçao de produtos de alto valor agregado.10

Os estudos avaliando a imobilizaçao de horseradish peroxidase (HRP) em resíduo lignocelulósico indicam o potencial do uso de biomassa de diferentes origens, como por exemplo, a fibra de la.11 Na maioria dos suportes de material lignocelulósico faz-se necessário seu pré-tratamento com o objetivo de quebrar/desestruturar a lignina e hemicelulose, permitindo uma melhor acessibilidade a celulose.12-14 Dentre os diversos métodos de pré-tratamentos destaca-se o método alcalino, no qual sao aplicadas condiçoes menos severas quando comparadas a outros métodos como, por exemplo, os pré-tratamentos ácidos.13,14

A literatura relata com sucesso a imobilizaçao de enzimas em material lignocelulósico,8,10,15 entretanto ainda nao foi verificada a utilizaçao de bagaço de cana-de-açúcar para a imobilizaçao de peroxidases. Dentre as oxidorredutases, as peroxidases vegetais constituem enzimas de interesse para imobilizaçao devido à versatilidade em oxidar diversas substâncias, tornando-as aplicáveis tanto do ponto de vista ambiental, para controle e monitoramento de poluentes, como do ponto de vista sintético com a transferência seletiva de oxigênio.11 A peroxidase de raiz forte ou horseradish peroxidase (HRP) é a peroxidase vegetal das oxidorredutases e apresenta diversificadas aplicaçoes, tais como: a remoçao de fenóis de efluentes, descoloraçao de corantes sintéticos, desenvolvimento de biossensores, análises e kits de diagnósticos, imunoensaios enzimáticos e síntese orgânica.16,17

Deste modo, o objetivo deste trabalho foi avaliar a imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar previamente tratado pelo método alcalino e caracterizar os biocatalisadores imobilizados por FTIR e termogravimetria (TG).

 

EXPERIMENTAL

Enzima e materiais

Peroxidase de raiz forte, isoenzima C (HRP) (RZ = 3.0) (98,15±7,38 U/mg - oxidaçao do guaiacol, pH 6,0, 25 °C), glutaraldeído 2,5% (v/v) e aminopropiltrietoxisilano (APTS) foram adquiridos da Sigma-Aldrich (Aldrich, Milwaukee, WI, USA). Fosfato de sódio (Na2HPO4.2H2O), hidróxido de sódio (NaOH), guaiacol e peróxido de hidrogênio 30% (soluçao aquosa) (Vetec Química, RJ, Brasil).

Pré-tratamento do suporte orgânico

O suporte foi preparado conforme metodologia proposta por Santos et al.,18 com pequenas modificaçoes. O bagaço da cana-de-açúcar foi adquirido no mercado local, armazenado, transportado à temperatura ambiente e triturado em moinho de facas. Em seguida, o bagaço da cana-de-açúcar foi lavado com água destilada e seco a 100 °C até atingir massa constante. Para o tratamento alcalino, 5 g de bagaço seco foram transferidos para frascos Erlenmeyer contendo 250 mL de NaOH (0,5 mol L-1) e mantidos sob agitaçao rotativa a 120 rpm durante 24 horas. Posteriormente, o bagaço da cana-de-açúcar foi lavado com água destilada até neutralizaçao do pH e seco a 100 °C até a massa constante. Por fim, o tamanho das partículas do suporte orgânico foi reduzido em peneira padrao de 16 mesh.

Imobilizaçao da peroxidase

Peroxidase de raiz forte foi imobilizada por adsorçao física (ADS) e ligaçao covalente (LC) em bagaço de cana-de-açúcar pré-tratado e nao tratado. Em todas as metodologias a imobilizaçao foi conduzida em tampao fosfato (Na2HPO4.2H2O) 100 mmol L-1 pH 8,0, meio que propicia maior eficiência de imobilizaçao conforme a literatura.19 O efeito do carregamento de HRP na faixa de 0,125-2,5 mg de HRP/g de suporte foi avaliado. Na adsorçao física foi utilizado 1 g de suporte previamente seco, que foram suspensos em tampao fosfato e mantidos sob agitaçao mecânica por 15 minutos. Em seguida, adicionou-se a soluçao de HRP (0,1 mg/mL) preparada em tampao fosfato de sódio 100 mmol L-1 pH 8,0 de forma a atender o carregamento de enzima desejado, e posteriormente adicionou-se tampao até o volume final de 10 mL. O sistema foi mantido sob agitaçao por 3 horas a 25 °C, em seguida, armazenado a 4 °C em condiçao estática, durante 24 horas. Posteriormente, o biocatalisador imobilizado foi filtrado e lavado com tampao para retirada de enzimas nao adsorvidas e o filtrado foi reservado para quantificaçao da atividade enzimática.

Para a metodologia de imobilizaçao por ligaçao covalente inicialmente o suporte (1 g) foi silanizado com aminopropiltrietoxisilano (APTS) 0,5% (v/v), em seguida foi ativado com 4,6 mL de uma soluçao de glutaraldeído 2,5% (v/v). A mistura foi mantida em banho-maria por 1 hora a 25 °C, em seguida, foi filtrada a vácuo e lavada com 3 porçoes de 10 mL de água destilada. O procedimento utilizado para a imobilizaçao por LC foi o mesmo adotado para a adsorçao física. A determinaçao da umidade do biocatalisador imobilizado foi realizada por titulometria (Karl Fisher) em equipamento Metrohm.

Determinaçao da atividade peroxidásica

A atividade enzimática de peroxidase de raiz forte (HRP) foi determinada por método colorimétrico, baseado na mudança de absorvância a 470 nm devido à formaçao do produto de oxidaçao do guaiacol, o tetraguaiacol durante três minutos (εtetraguaiacol: 26,6 mmol-1 L cm-1).20 O ensaio contém 2,76 mL de tampao fosfato de sódio 100 mmol L-1 (pH 6,0); 0,04 mL da soluçao enzimática diluída 200 vezes em tampao pH 6,0; 0,1 mL de soluçao de guaiacol 100 mmol L-1 e 0,1 mL de peróxido de hidrogênio (H2O2) 2,0 mmol L-1 a 25 °C. Uma unidade de enzima (U) foi definida como a quantidade de enzima capaz de fornecer 1 μmol de produto em 1 minuto a 25 °C em pH 6,0.

A eficiência de imobilizaçao (%) e o número de unidades de enzima imobilizada (U) foram determinados pela diferença entre número de unidades de atividade peroxidásica oferecidas (Uo) e o número de unidades de enzima remanescente no filtrado (Uf), conforme Eq. 1.19

Caracterizaçao físico-química do suporte e biocatalisador imobilizado

As curvas termogravimétricas (TG) foram obtidas para o suporte de bagaço de cana-de-açúcar (BC) e para os biocatalisadores imobilizados (ADS e LC), utilizando o equipamento TG-IRIS Netzsch, sob atmosfera de nitrogênio, na faixa de 35 - 600 °C/10 °C/min-1 e sob atmosfera de ar sintético na faixa de 800 - 900 °C min-1. O suporte e os biocatalisadores imobilizados foram submetidos à análise de Espectroscopia de Infravermelho com transformada de Fourier - FTIR no intervalo de comprimento de onda de 400 - 4000 cm-1 em equipamento FTIR BOMEMMB-100.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar

O efeito do carregamento de HRP (0,125 - 2,5 mg de HRP/g de suporte) na imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar por adsorçao física (ADS) e por ligaçao covalente (LC) em suporte ativado com glutaraldeído 2,5% (v/v) é mostrado nas Figuras 1 e 2.

 


Figura 1. Eficiência de imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar por adsorçao física (ADS) e por ligaçao covalente (LC)

 

 


Figura 2. Efeito da variaçao do carregamento (0,125 - 2,5 mg de HRP/g de suporte) no número de unidades de HRP imobilizadas em bagaço de cana-de-açúcar por adsorçao física (ADS) e ligaçao covalente (LC)

 

A Figura 1 mostra que no método de imobilizaçao por adsorçao física (ADS) a eficiência de imobilizaçao foi constante, em torno de 30%, com carregamento entre 0,125 e 2 mg de HRP/g suporte, e que em carregamento superior (2,5 mg de HRP/g suporte) ocorre uma diminuiçao na eficiência para 19%. Utilizando-se outro método de imobilizaçao, a ligaçao covalente (LC), verificou-se o aumento na eficiência de imobilizaçao com o aumento no carregamento no intervalo de 0,125 a 2 mg de HRP/g de suporte (aumento de 22 para 35% na eficiência de imobilizaçao). Os dados indicam que a ativaçao do suporte na imobilizaçao por LC disponibiliza grupamentos reativos para a ligaçao da enzima ao suporte e por isso observa-se um perfil crescente na eficiência de imobilizaçao com o aumento do carregamento de enzima. Ambas as metodologias de imobilizaçao empregadas, ADS e LC, forneceram baixos números de unidades de enzima imobilizadas e eficiência de imobilizaçao com menores carregamentos de enzima, o que pode ser atribuído ao efeito da concentraçao de enzima que, em baixa concentraçao, acarreta em menor número de unidades de enzima imobilizadas. Os resultados mostram que o carregamento de 2 mg de HRP/g suporte é considerado ideal para imobilizaçao de HRP por ADS e LC em bagaço de cana-de-açúcar pré-tratado (eficiência de imobilizaçao: ADS - 31% e LC - 35,3%; número de unidades imobilizadas: ADS - 34 U e LC - 39 U) (Figuras 1 e 2). Na Figura 2 mostra que carregamento superior a 2 mg de HRP/g de suporte promove uma diminuiçao na eficiência de imobilizaçao e no número de unidades imobilizadas. Este resultado é atribuído provavelmente à sobrecarga de enzima no suporte que leva à limitaçoes difusionais para o substrato.11

A imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar sem tratamento alcalino (carregamento de 2 mg de HRP/g de suporte) forneceu eficiência de imobilizaçao e número de unidades imobilizadas cerca de 50% inferior à obtida quando utilizou-se o bagaço de cana-de-açúcar pré-tratado em ambas metodologias de imobilizaçao (ADS - 13,98% e 15,4 U e por LC - 15,79% e 17,4 U). Portanto, o resultado indica que o pré-tratamento alcalino possivelmente desorganiza as estruturas de hemicelulose e lignina, disponibilizando os grupamentos hidroxila presentes na estrutura do suporte.13,14

Menores valores para o número de unidades imobilizadas e eficiência de imobilizaçao na adsorçao física, 34 U e 31% respectivamente, comparada à LC (39 U e 35,3%) pode ser justificado pela presença de forças fracas de ligaçao entre o suporte e a enzima. Deste modo, o biocatalisador imobilizado por LC possui maior potencial de aplicaçao baseado nos dados de eficiência de imobilizaçao e número de unidades imobilizadas.

Poucos estudos relatam a imobilizaçao de oxidase por ADS em material lignocelulósico. Lacase comercial foi imobilizada por ADS em fibra de coco verde utilizando carregamento de enzima inferior ao utilizado no presente trabalho (0,67 mg de enzima/g suporte). O biocatalisador foi imobilizado com eficiência de imobilizaçao (38±9%), similar à obtida no presente trabalho. A imobilizaçao da lacase mostra a potencialidade de utilizaçao de oxidases para os processos de imobilizaçao em resíduos lignocelulósicos.21

No método de imobilizaçao por ligaçao covalente os biocatalisadores sao ligados covalentemente ao suporte e sao geralmente mais estáveis e resistentes às mudanças das condiçoes do ambiente (intervalo de pH e temperatura), características de grande interesse para a indústria.10 A literatura descreve a utilizaçao de materiais lignocelulósicos ativados por grupos funcionais orgânicos que reagem com grupos hidroxila presentes na superfície, propiciando a ligaçao covalente da enzima a esse tipo de material.10 Desta forma, a utilizaçao de grupos funcionais orgânicos, por exemplo, o aminopropiltrietoxisilano, seguido do uso de agentes funcionalizantes, possibilitam uma forte interaçao por ligaçao covalente entre a enzima e o suporte.22

Métodos de imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar até o momento nao foram descritos na literatura. No presente estudo a eficiência de imobilizaçao máxima foi de cerca de 35%, na LC, o que equivale a aproximadamente 0,7 mg de enzima imobilizada/g suporte. A literatura relata a imobilizaçao de peroxidase de raiz forte, pré-purificada por precipitaçao com sulfato de amônio, por ligaçao covalente em resíduo de fibra de la ativada com cloreto cianúrico na concentraçao de 2%.11 Foram recuperados 72% da atividade oferecida com carregamento de aproximadamente 0,1 mg de enzima/g de suporte, ou seja, o biocatalisador imobilizado continha 0,07 mg de proteína imobilizada/g de suporte, um resultado 10 vezes inferior ao obtido neste trabalho, salientando que no estudo foi utilizada enzima nao totalmente purificada. O menor valor para eficiência de imobilizaçao pode estar associado à natureza do suporte, que ao contrário da fibra de la que é composta por celulose e proteína, o bagaço de cana-de-açúcar apresenta além de lignina, majoritariamente a celulose, estrutura complexa em que a disponibilizaçao dos grupamentos reativos hidroxilas é dificultada, diminuindo a possibilidade de interaçao dos grupamentos hidroxilas do suporte ao agente bifuncional glutaraldeído e por fim aos grupos amino da enzima. Segundo Aditiya et al.,6 o pré-tratamento alcalino submetido em material lignocelulósico promove a degradaçao da lignina, resultando na exposiçao dos grupamentos hidroxila presentes na estrutura da celulose possibilitando a interaçao entre a enzima e o suporte nos diferentes métodos de imobilizaçao.10

Caracterizaçao físico-química do suporte de bagaço de cana-de-açúcar e dos biocatalisadores imobilizados

A utilizaçao da caracterizaçao físico-química confirma a imobilizaçao selecionada neste estudo. A análise de Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR) indica a presença de bandas de absorçao características de grupos funcionais presentes na enzima livre, no suporte e nos biocatalisadores imobilizados. A partir da comparaçao destes espectros de FTIR pode-se confirmar a presença da proteína no suporte.23 Os espectros de FTIR referentes ao suporte com prévio tratamento alcalino (BC), o suporte sem tratamento alcalino (BCS), à enzima (HRP livre) e aos biocatalisadores imobilizados (ADS e LC) sao mostrados na Figura 3. Em todos os espectros observa-se banda característica de vibraçao referente à hidroxila (O-H). Para BC a banda em 3400 cm-1 é atribuída às vibraçoes das hidroxilas presentes no suporte.24 Além disso, para os suportes e biocatalisadores imobilizados (ADS e LC) esta banda está associada às vibraçoes das hidroxilas (O-H) provenientes da umidade residual do bagaço e também à água estrutural da proteína, que possivelmente se liga aos grupamentos hidroxila do suporte por meio de ligaçoes de hidrogênio.24

 


Figura 3. Espectro de FTIR: HRP livre, bagaço de cana-de-açúcar (BC), bagaço de cana-de-açúcar sem tratamento alcalino (BCS), biocatalisadores imobilizados por adsorçao física (ADS) e ligaçao covalente (LC)

 

O espectro de BC mostra banda em 1640 cm-1 referente à vibraçao C=C dos anéis aromáticos.25 Nos derivados imobilizados observa-se o deslocamento da banda para a regiao de 1650 cm-1, o que indica a presença da enzima em ADS e LC. O espectro de FTIR da HRP livre apresenta bandas intensas em 1658 cm-1 (amida I) e 1536 cm-1 (amida II), características da ligaçao peptídica da enzima (estiramento C-O da carbonila, deformaçao N-H e vibraçao C-N da amida).11,26,27 Estas bandas aparecem também nos derivados imobilizados. Nos espectros de BC, BCS e biocatalisadores imobilizados a banda de absorçao em 897 cm-1 é atribuída ao alongamento (C-O-C) característico de ligaçoes glicosídicas entre as unidades de açúcar presentes na estrutura da celulose.28 Esta banda nao aparece no espectro da enzima livre. Além disso, os espectros de BC, BCS e biocatalisadores imobilizados (ADS e LC) apresentaram bandas entre 1030-1064 cm-1, também características da celulose.29 Observaram-se bandas de absorçao entre 1100 e 1300 cm-1 de vibraçoes em grupos fenólicos (C-O-H). Bandas características nos espectros de BC, BCS e biocatalisadores imobilizados foram atribuídos às vibraçoes de anéis (C-O-C) de hemicelulose (1165 cm-1) e bandas em 1375 cm-1 de grupos metil (CH3).24,30 Observaram-se nos espectros dos suportes BC, BCS e biocatalisadores imobilizados banda de absorçao em 2908 cm-1 que está associada a deformaçao axial de grupos C-H presente no bagaço de cana-de-açúcar. Além disso, o suporte BCS apresentou maior intensidade das bandas sugerindo que a estrutura do material foi alterada com o tratamento alcalino.30 No espectro do suporte sem tratamento alcalino (BCS) observam-se bandas mais intensas que sao características da lignina (1426, 1462 e 1511 cm-1)29 quando comparados ao suporte BC e biocatalisadores imobilizados, confirmando que o tratamento alcalino foi eficiente para a desestruturaçao da lignina presente no material lignocelulósico e permitiu uma maior disponibilidade de hidroxilas reativas no suporte. A análise de FTIR possibilitou a confirmaçao da eficiência de imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar com tratamento alcalino, utilizando os métodos por ADS e LC, além da presença de bandas características do suporte e da enzima permite propor os mecanismos de imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar por ADS e LC.

A adsorçao física baseia-se na bioafinidade enzima-suporte e constitui uma das metodologias mais utilizadas na obtençao de biocatalisadores insolúveis.21 A imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar (material lignocelulósico) por ADS é proposta na Figura 4. Na imobilizaçao por adsorçao a enzima interage com o suporte por meio de interaçoes intermoleculares fracas. Os grupamentos hidroxila dos anéis piranosídicos do suporte podem interagir por meio de ligaçoes de hidrogênio com grupamentos carboxilatos livres da enzima conforme sugerido na Figura 4.31

 


Figura 4. Proposta de imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar por adsorçao física (ADS)

 

A imobilizaçao de HRP por ligaçao covalente é proposta na Figura 5. Inicialmente o suporte é silanizado com o agente aminopropiltrietoxisilano (APTS) (Figura 5A), seguido da ativaçao com o glutaraldeído (2,5%) (Figura 5B). O grupamento aldeído do glutaraldeído liga-se covalentemente ao suporte e posteriormente o grupo amino da enzima ataca nucleofilicamente a carbonila do suporte ativado, possibilitando ligaçao estável entre a enzima e o suporte (Figura 5C).32-34

 


Figura 5. Proposta de imobilizaçao de HRP em bagaço de cana-de-açúcar por ligaçao covalente. (A) silanizaçao, (B) ativaçao do suporte com glutaraldeído 2,5 % (v/v) e (C) ligaçao covalente

 

A termogravimetria (TG) é utilizada para caracterizar materiais por meio de alteraçoes das propriedades físicas e químicas como a mudança de fase, a desidrataçao e decomposiçao do material em funçao do aumento da temperatura. Para biocatalisadores imobilizados é observada a degradaçao da proteína e do suporte com o aumento da temperatura, por meio da perda de massa com a evaporaçao destes componentes.23 A fim de complementar os resultados referentes à imobilizaçao, foi realizada análise termogravimétrica. As perdas de massa em funçao da temperatura foram verificadas por TG para HRP livre, bagaço de cana-de-açúcar (BC) e para os biocatalisadores imobilizados por ADS e LC (Tabela 1). Constata-se que a perda de massa na regiao I é possivelmente atribuída à água, que para HRP livre (9,5%) foi maior comparada ao biocatalisador imobilizado por LC (8,5%), ADS (7,9%) e BC (6,9%). Verificou-se maior perda de massa para o biocatalisador imobilizado por LC comparado à ADS o que indica que a presença de água favoreceu a atividade catalítica de HRP. Portanto, a imobilizaçao de HRP por LC pode estar associada à maior conservaçao da camada de hidrataçao da enzima que é reconhecidamente relacionada à manutençao da atividade catalítica da enzima.35,36

 

 

A Figura 6 mostra um termograma típico referente ao biocatalisador imobilizado por LC. Em todos os termogramas referentes ao suporte (bagaço de cana-de-açúcar pré-tratado) e aos biocatalisadores imobilizados, observou-se na regiao I (25-200 °C) perda de massa referente à desidrataçao. A regiao II (200-600 °C) está vinculada à decomposiçao de compostos orgânicos (C, H, O e N)35 que incluem HRP livre, BC e os biocatalisadores imobilizados. Nessa regiao as curvas termogravimétricas de materiais lignocelulósicos mostram a degradaçao térmica da celulose na faixa de 240 a 400 °C, conforme preconiza a literatura.29 Os materiais lignocelulósicos que apresentam a hemicelulose mostram a degradaçao entre 200 a 300 °C e a lignina entre 280 a 700 °C.37,38 De acordo com a literatura, elevadas temperaturas (regiao III) quando aplicadas em materiais orgânicos, promove decomposiçao térmica do material lignocelulósico, formando cinzas constituídas de material inorgânico rico em carbono e minerais.24,25

 


Figura 6. Curva Termogravimétrica de HRP imobilizada por ligaçao covalente (LC)

 

CONCLUSAO

O bagaço de cana-de-açúcar pré-tratado pelo método alcalino apresentou potencial para a utilizaçao em novos processos, como por exemplo, suporte orgânico para imobilizaçao de enzimas. A maior eficiência foi observada utilizando 2 mg de HRP/g de suporte para a imobilizaçao por ligaçao covalente (35%). A caracterizaçao por FTIR confirmou a presença de bandas características de HRP e as bandas presentes em materiais lignocelulósicos. Os termogramas confirmaram regioes de degradaçoes de HRP, celulose e a presença de água. A maior perda de massa na regiao I foi verificada para o derivado imobilizado por LC, confirmando que a presença de água possivelmente favoreceu a atividade de HRP imobilizada no bagaço de cana-de-açúcar.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado pelas agências de fomento brasileiras: CAPES, CNPq e FAPITEC/SE.

 

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