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10:13, sáb nov 23

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Artigo


Placas cerâmicas contendo lodo de eta e cinza de casca de arroz: correlação de suas propriedades físico-químicas com sua microestrutura
Ceramic plates containing sludge from a water treatment plant and the rice husk ash: relation between physical-chemistry properties and microstructure

Antônio R. PetterleI; Gustavo G. SantiagoI; Wang ChongI; Luciani SomensiII; Sílvia M. TamborimI,III,*

I. Universidade Federal do Pampa, 97546-550 Alegrete - RS, Brasil
II. Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 90650-001 Porto Alegre - RS, Brasil
III. Departamento de Físico-Química, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 91501-970 Porto Alegre - RS, Brasil

Recebido em 22/04/2018
Aceito em 13/08/2018
Publicado na web em 18/09/2018

Endereço para correspondência

*e-mail: silvia.tamborim@ufrgs.br

RESUMO

Pressed ceramic plates were made from mixtures with different proportions containing kaolinite clay, silica extracted from the rice husk ash after controlled burning at controlled temperature and sludge from a water treatment plant. Physical properties such as density, water absorption and porosity, mechanical properties such as compressive strength, and thermal characteristics such as thermal conductivity of the ceramic plates after burning (DIN EN12667) were evaluated. The silica when inserted in the kaolinite clay can have a gradual increase of its performance, be reduced in the porous phase, with reduction of the thermal conductivity and increase of the mechanical resistance. The use of the sludge from a water treatment plant when incorporated to the ceramic mass is a great number of peaks of charge and of crystallization, expressive increase of porosity and decrease of the thermal and mechanical resistances. As ceramic plates with a trace 72% kaolinite clay, 18% rice husk and 10% sludge from a water treatment plant show lower thermal conductivity 0.2574 W m-1K-1, and a higher compressive strength of 172.12 MPa when compared to the other plates tested where the substitutions for sludge from a water treatment plant occurred.

Palavras-chave: rice husk ash; sludge from a water treatment plant; ceramic plates.

INTRODUÇAO

Em princípio, toda atividade industrial e agroindustrial produz resíduos, classificados conforme normas específicas para cada atividade, que podem ser tóxicos e perigosos. O descarte destes produtos com prejuízo ao meio ambiente e à sociedade como um todo nao é permitido e é definido como crime ambiental.1

Diversos estudos estao sendo desenvolvidos para avaliar os efeitos da adiçao e/ou substituiçao de resíduos na produçao de cerâmicas.

O estado do Rio Grande do Sul é o principal produtor de arroz irrigado do Brasil. Conforme dados do IRGA safra 2016/17, a produçao foi de 8.746.825 t do cereal.2

Desta produçao, 23% em peso corresponde à casca de arroz (CA), um resíduo que possui alto poder calorífico (16720 kJ kg-1) e, portanto, apresenta alto potencial como fonte alternativa de energia térmica. Em razao disto, indústrias de beneficiamento utilizam a mesma para a secagem do próprio cereal.3

De acordo com dados da Aneel, existem no Rio Grande do Sul nove unidades termoelétricas produtoras de energia que utilizam como fonte de calor a biomassa da casca do arroz, entre essas, duas no Município de Alegrete: A GEEA - Geradora de Energia Elétrica Alegrete Ltda empresa do grupo Pilecco Nobre e a UTECAAL - Unidade Termoelétrica Empresa da Cooperativa Agroindustrial Alegrete Ltda.

Como resultado do aproveitamento da CA, tem-se também a geraçao de um novo resíduo, a cinza da casca do arroz (CCA), que, quando queimada com temperatura de combustao controlada, apresenta grande quantidade de sílica amorfa e elevado grau de pureza.4 Desta forma, e também considerando os efeitos nocivos ao meio ambiente no ato de simplesmente descartar este material a céu aberto, ocorrem inúmeros esforços para o reaproveitamento desses resíduos gerados como, por exemplo:5-15

• Inserçao no traço do concreto armado para fins de aumento da resistência mecânica em substituiçao ao cimento6,7 ou até mesmo para fins anticorrosivos;4

• Reagente para a síntese de filamentos de SiC;8

• Precursor para a produçao de zeólitas;9

• Adsorventes para chumbo e mercúrio em água residuárias;10,11

As indústrias de tratamento de água do Brasil transformam a água bruta, normalmente inadequada para o consumo humano, em água potável através de estaçoes de tratamento de água (ETAs).

As ETAs podem ser vistas como mini-fábricas de resíduos, na faixa de 5% do volume total de água tratada, que corresponderia à geraçao de 5 milhoes de toneladas de lodo residual por ano.16

Os principais processos utilizados em ETAs sao: coagulaçao, floculaçao, decantaçao e filtraçao. Durante esses processos, adicionam-se vários produtos químicos, como: sulfato de alumínio, sulfato de ferro, hidróxido de cálcio e cloro. Esses sistemas de tratamento de água geram um resíduo denominado lodo de estaçao de tratamento (LETA), e é originado, na maioria das vezes, na fase de decantaçao e filtraçao.17

O LETA gerado no decantador é um material rico em SiO2, Al2O3 e Fe2O3.

Do ponto de vista mineralógico, é constituído de caulinita, mica, sílica e gibsita, com predominância de caulinita. O resíduo apresenta morfologia irregular das partículas e larga distribuiçao de tamanho de partículas, entre 1 até 425 µm.

Segundo a Norma ABNT NBR 10004/87,18 o lodo de ETA é um material classificado como rico em argilominerais, silte e areia, sendo classificado como resíduo classe IIA nao inerte por possuírem normalmente contaminantes químicos e concentraçoes de sólidos maiores que 2,5 µm.

Devido à sua composiçao química, o LETA é considerado um resíduo sólido nao inerte que necessita de uma disposiçao final adequada, porém, o seu destino na maioria das vezes sao os corpos d'água mais próximos.19

O reaproveitamento do LETA tem sido desenvolvido nas mais diversas áreas, principalmente na fabricaçao de cimentos e na produçao de cerâmicas, em funçao de altas concentraçoes de aluminio, sílica e óxido de ferro.

Neste sentido, as indústrias de construçao civil têm auxiliado bastante no reaproveitamento destes materiais, como, por exemplo:

• Reaproveitamento do LETA na produçao de tijolos cerâmicos;20

• Produçao de cerâmica vermelha com LETA;21

• Reaproveitamento do LETA na produçao do cimento Portland;22

Entretanto, dependendo das quantidades de alguns metais, como cobre, zinco, níquel, chumbo, cádmio, cromo, manganês e, em especial, alumínio presentes no LETA, que possuem açoes tóxicas, podem apresentar efeitos nocivos ao homem e até impedir a sua reutilizaçao.22,23

Considerando todos os esforços e pesquisas contemplando o reaproveitamento de materiais a fim de minimizar os impactos ambientais a partir de fontes inócuas, o objetivo do presente trabalho é aliar às propriedades da sílica amorfa, como sua baixa condutividade térmica e estabilidade dimensional, o efeito estabilizador de fase do LETA que apresenta na composiçao química elevados teores de alumina. Desta forma, propoem-se o desenvolvimento de placas cerâmicas visando o estudo do desempenho termomecânico baseado no desenvolvimento das fases em equilíbrio formadas nos diferentes traços das misturas: argila caulim: CCA: LETA.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Como matérias-primas, foram utilizadas a argila caulim, adquirida da empresa Helager Indústria e Comércio Ltda, a sílica da casca de arroz, fornecida pela empresa Sílica Verde do Arroz LTDA, e o lodo de ETA, coletado na estaçao de tratamento de águas da cidade de Alegrete/RS.

Caracterizaçao das Matérias-primas

Sílica da casca de arroz

A sílica utilizada no desenvolvimento deste trabalho foi produzida pelo processo de geraçao de energia através da queima casca de arroz com temperatura controlada. Essa sílica é obtida através da combustao da casca de arroz em leito fluidizado e seu processo de obtençao conta com um sistema de automaçao no intervalo de temperatura entre 600 °C e 700 °C, que permite a extraçao da sílica da casca de arroz com estrutura predominantemente amorfa.

Análises de fluorescência de raios X da sílica extraída da casca de arroz foram realizadas em um equipamento Philips, modelo PW 2400, com tubo de 3 kW e alvo de ródio. Foram usados os procedimentos de operaçao do equipamento e as normas NBR 964424 e NBR 128601.25

A Tabela 1 mostra que o principal constituinte da sílica da casca de arroz utilizada é o óxido de silício (91,48%) e óxidos fundentes, tais como os óxidos de cálcio (0,36%) e potássio (1,40%), os quais ocorrem em quantidades extremamente baixas, mas que possibilitam durante a sinterizaçao a formaçao de fase vítrea. O valor de perda ao fogo de 3,50% se deve ao elevado carbono residual presente. Tal situaçao indica a necessidade de observaçao da temperatura de obtençao das cinzas tendo em vista que estas definem a quantidade de carbono residual, além de estudos prévios indicarem uma reduçao considerável deste a 1100 °C.26

 

 

Análises de CHN da sílica da casca de arroz do lote utilizado apresentaram uma quantidade média (% massa) de 2,05% de carbono, 0,02% de hidrogênio e 0,06% de nitrogênio.

O equipamento utilizado para realizaçao de difraçao de raios X foi um difratômetro Rigaku, modelo Ultima IV, com radiaçao Kα, potência de 45 kV e corrente de 40 mA. As análises foram realizadas em amostras na forma de pó, sem nenhum tipo de preparaçao prévia, no intervalo de medida de 2θ entre 0 e 75º. Conforme a Figura 1, o difratograma da SCA indica uma estrutura tipicamente amorfa. Os picos associados à presença de espécies cristalinas (20,85° e 36,01°) sao atribuídos a contaminaçoes do material inerte utilizado, ou seja, areia, sílica cristalina na forma de quartzo, necessária para desenvolver o processo de fluidizaçao da casca de arroz.

 


Figura 1. Difratograma da sílica da casca de arroz

 

Angel et al.,27 Armesto et al.28 e Rozainee et al.29 também atribuíram a presença de cristais de quartzo, na cinza, ao arraste da areia para fora do reator na combustao de cinza da casca de arroz em leito fluidizado borbulhante e atmosférico.

Os resultados da distribuiçao granulométrica da sílica da casca de arroz foram obtidos por granulometria a laser e estao mostrados na Figura 2. Os constituintes apresentam tamanhos de graos muito variados, com um diâmetro médio de graos em torno 13 mm, predominando a presença de grandes graos.

 


Figura 2. Distribuiçao granulométrica da sílica da casca de arroz

 

A Figura 3 mostra a imagem de microscopia eletrônica de varredura da sílica da casca de arroz utilizada, a qual apresenta uma polidispersao bastante variada tanto na geometria quanto no tamanho dos graos.

 


Figura 3. Microscopia eletrônica de varredura da sílica da casca de arroz utilizada

 

Argila caulim

A argila caulim utilizada foi analisada por fluorescência de raios X e a análise mostrada na Tabela 2, segundo a classificaçao da NBR 10237,30 a classifica como silicoaluminosa. A argila caulim utilizada é constituída basicamente por óxido de silício (57.83%), alumina (27.52%), por óxidos fundentes, como óxido de ferro (2.25%) e óxido de potássio (1.87%), o qual é um bom formador de fase vítrea. Apresenta perda ao fogo de 8.63%, provavelmente pela presença de compostos orgânicos. Análises de CHN da argila caulim utilizada apresentaram quantidades mássicas médias de 0,24% de carbono, 0,49% de hidrogênio e 0,12% de nitrogênio.

 

 

A análise de infravermelho da argila caulim mostrada na Figura 4 confirma a composiçao com bandas referentes à presença de sílica, alumina, caulinita e ilita, conforme as vibraçoes especificadas na Tabela 3.

 


Figura 4. Espectroscopia do infravermelho da argila caulim

 

 

 

A análise da composiçao mineralógica da argila caulim por difraçao de raios X na Figura 5 mostra que o quartzo se destaca como o principal constituinte (2θ = 27,5°), a caulinita como constituinte secundário (2θ = 12° e 25°) e um pequeno pico de montmorilonita (2θ = 18°), mineral provavelmente resultante das reaçoes entre os componentes químicos Ca, Mg, Al e Na de origem sedimentar.

 


Figura 5. Difratograma da argila caulim utilizada

 

O ensaio granulométrico da argila caulim, Figura 6, foi realizado por peneiramento e sedimentaçao seguindo as orientaçoes da NBR 7181.31

 


Figura 6. Distribuiçao granulométrica da argila caulim

 

A distribuiçao granulométrica da argila caulim apresentou aproximadamente 3,2% de areia, formada por minerais e/ou partículas de rochas com diâmetros compreendidos entre 0,06 mm e 0,8 mm. Observa-se a predominância do silte (75,67%), formado por partículas com diâmetros compreendidos entre 0,002 mm e 0,06 mm, e a argila (21,13%) possui graduaçao fina constituída por partículas com dimensoes menores que 0,002 mm.

As imagens de microscopia eletrônica de varredura da argila caulim mostrada na Figura 7 confirmam o perfil arenoso de granulometria fina apresentado pela curva granulométrica.

 


Figura 7. Microscopia eletrônica de varredura da argila caulim

 

Lodo de estaçao de tratamento de água

A análise de fluorescência de raios X mostrada na Tabela 4 confirma que o lodo de ETA é um composto sílicoaluminoso constituído basicamente por de óxido de silício (36,11%), na forma de quartzo, alumina (32,31%), óxido de ferro (18,58%), óxido de magnésio (0,48%), óxido de cálcio (0,42%), formadores de fase vítrea além de constituintes residuais que despertam interesse da indústria cerâmica. Apresenta perda ao fogo de aproximadamente 16,88% pela presença da caulinita e matéria orgânica. As análises de CHN do lodo utilizado apresentaram 6,77% de carbono, 2,21% de hidrogênio e 0,58% de nitrogênio.

 

 

A análise de espectroscopia na regiao do infravermelho com transformada de Fourier (FT- IR) do lodo ETA indicou picos característicos das fases cristalinas referentes à caulinita (Al2O3.2SiO2.2H2O), sílica (SiO2), gibsita (Al(OH)3), hematita (Fe2O3), goethita (FeO(OH)), moscovita (KAl3Si3O10(OH)2) e rutilo (TiO2), dentre outros.

A Figura 8 mostra a espectroscopia de infravermelho do lodo do ETA com os grupamentos mineralógicos destacados.

 


Figura 8. Espectroscopia do infravermelho do lodo de estaçao de tratamento (LETA)

 

A granulometria do lodo de ETA, Figura 9, foi realizada por peneiramento e sedimentaçao, seguindo orientaçoes da NBR 7181.31 O resultado de granulometria do lodo de ETA permitiu concluir que a areia (71,12%) é formada por minerais ou partículas de rochas com diâmetros compreendidos entre 0,02 mm e 0,8 mm, o silte (22,15%) é formado por partículas com diâmetros compreendidos entre 0,002 mm e 0,06 mm e a argila (6,73%) possui graduaçao fina constituída por partículas com dimensoes menores que 0,002 mm.

 


Figura 9. Distribuiçao granulométrica do lodo de ETA

 

Conforme do diagrama de Winkler31 podemos observar que o lodo de ETA utilizado pode ser classificado como um lodo arenoso.

A morfologia de granulaçao bastante refinada comparada a outros lodos de estaçao de tratamento32 é perceptível também pela imagem de microscopia eletrônica de varredura mostrada na Figura 10 com 10000 (A) e 20000 (B) vezes de aumento.

 


Figura 10. Microscopia eletrônica de varredura do lodo de estaçao de tratamento

 

A perda ao fogo do lodo de ETA é de 16,88% (Tabela 4) e, portanto, o somatório de perda ao fogo dos constituintes é bastante elevado, chegando a 29,01%, uma vez que a sílica da casca de arroz e a argila caulim apresentam perda ao fogo de 3,5% (Tabela 1) e 8,63% (Tabela 2), respectivamente. Este dado é compatível com as prováveis baixas temperaturas na obtençao e beneficiamento destas matérias primas. Nesse sentido, quando adicionados e/ou substituídos na massa cerâmica e submetidos a tratamento térmico, proporcionam a formaçao de poros, provavelmente, pela presença de argilominerais, hidróxidos e matéria orgânica.

Procedimento experimental

As placas cerâmicas foram obtidas por prensagem uniaxial, a partir de diferentes percentuais de mistura da sílica obtida a partir da queima com temperatura controlada da casca de arroz, lodo de ETA e argila caulim.

Os critérios básicos determinantes para a escolha do desenvolvimento das placas cerâmicas com o objetivo de avaliar o desempenho térmico foram investigados. Os melhores resultados no desempenho de propriedades mecânicas e térmicas foram obtidos quando utilizados diversos traços de substituiçao desses resíduos em uma massa cerâmica.

As seis formulaçoes testadas para as massas cerâmicas (Tabela 5) foram: 100% argila caulim (AC) e 80% de argila caulim e 20% de sílica (AC20), sendo esta ultima considerada como uma mistura de referência. As demais formulaçoes testadas foram realizadas através de substituiçoes parciais na mistura de referência por lodo de ETA em teores de 10% (AC20/10), 20% (AR20/20) e 30% (AR20/30), sendo essas quantidades determinadas em massa. Uma mistura na ausência da argila caulim contendo 50% de sílica e 50% de lodo de ETA foi testada para fim de ensaios comparativos, sendo denominada como SL 50/50.

 

 

Todos os constituintes foram previamente secos em estufa na temperatura de 110 ± 10 °C por 24 h e, após, foram realizadas as misturas pré-determinadas para cada uma das massas cerâmicas. As mesmas foram homogeneizadas por um período de 10 min com auxílio de um misturador mecânico tipo planetário, ocorrendo a adiçao de 12% de água em relaçao ao valor total de massa. Posteriormente, o material foi acondicionado em recipientes plásticos vedados por um período de 24 h para assegurar uma hidrataçao homogênea.

As placas cerâmicas foram prensadas no formato quadrado por uma matriz macho-fêmea com dimensoes de 135 mm x 135 mm através da aplicaçao de uma pressao de compactaçao de 300 kg cm-2. A quantidade de massa requerida para cada molde foi determinada para que as placas tivessem espessura aproximada de 15 mm. Para o ensaio de resistência à compressao foi moldado bloco cúbico com dimensoes aproximadas de 25 mm.

Após conformaçao, os corpos-de-prova foram lavados e secos em estufa na temperatura de 110 ± 10 °C por 24 h.

Após a secagem, os corpos de prova foram sinterizados à temperatura de 1300 °C. Definiu-se o ciclo de queima com três patamares: no primeiro patamar foi utilizada uma taxa de aquecimento de 5 °C min-1 até a temperatura de 150 °C, onde permaneceu por 10 minutos para eliminaçao da umidade superficial. No patamar seguinte a taxa de aquecimento foi de 3 °C min-1 até a temperatura de 500 °C, onde permaneceu por mais 10 minutos para eliminaçao dos gases originados da combustao e reaçoes do material. No terceiro patamar a taxa de aquecimento foi de 5 °C min-1 até a temperatura de 1300 °C, permanecendo neste patamar por 30 minutos. O resfriamento foi feito de forma natural dentro do forno após o seu desligamento.33

Os ensaios para caracterizaçao física do material foram realizados por procedimentos laboratoriais de acordo com a normativa NBR 6220/11,34 densidade de massa aparente, porosidade aparente e absorçao de água. O ensaio de resistência à compressao foi realizado seguindo as orientaçoes da NBR 6224/01.35 A investigaçao da microestrutura das placas cerâmicas obtidas foi realizada através da microscopia eletrônica de varredura (MEV).

O método de difraçao de raios X foi utilizado para identificar as fases existentes e as transformaçoes ocorridas após os materiais serem submetidos ao processo de sinterizaçao.

Para determinaçao da condutividade térmica das placas cerâmicas foi utilizado o método de fluxo de calor em regime estacionário, norma DIN EN12667,36 usando-se equipamento da LaserComp modelo 304. A média do fluxo de calor é usada para calcular a condutividade térmica (λ) e resistência térmica (R), de acordo com a Lei de Fourier conforme a Equaçao 1.

λ = condutividade térmica [W m-1 K-1]; Q = quantidade de calor transmitida [J]; A = área [m2]; L = espessura [m]; ΔT = diferença na transferência de temperatura entre as placas [K].

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

Propriedades físicas e mecânicas

A Tabela 6 apresenta os resultados dos ensaios de absorçao de água, porosidade aparente, densidade de massa aparente, resistência à compressao e condutividade térmica das placas cerâmicas estudadas. A adiçao de sílica da casca de arroz proporciona uma diminuiçao na absorçao de água (de 4,92% ± 0,37 para 3,93% ± 0,32%), na porosidade aparente (de 11,31% ± 5,2 para 8,9% ± 3,1%) e na condutividade térmica (de 0,2368 ± 0,006 W m -1 K-1 para 0,2258 ± 0,002 W m -1 K-1).

 

 

A substituiçao na mistura AC20 por 10% lodo de estaçao de tratamento (AC20/10) gerou um acréscimo de 19,10% na porosidade e de 20,10% na absorçao de água, enquanto na substituiçao por 20% lodo de ETA (AC20/20) o aumento na porosidade foi de 49,66% e a absorçao de água de 59,03%, enquanto que a placa cerâmica com 30% de lodo ETA (AC20/30) mostrou um aumento de 58,53% na porosidade e de 69,21% na absorçao de água. Estes resultados sao compatíveis com a quantidade de matéria orgânica elevada no lodo de estaçao de tratamento (Tabela 4). A placa cerâmica AC50/50 apresentou problemas de falta de estabilidade microestrutural, degradaçao espontânea e se tornou muito suscetível à erosao, impossibilitando que a mesma fosse estudada nas mesmas condiçoes que as demais placas. As placas cerâmicas AC20/10 e SL50/50, conforme Tabela 6, apresentaram resultados de condutividade térmica com valores bastante semelhantes: 0,2574 W m-1 K-1 e 0,2544 W m-1 K-1, respectivamente, entretanto, desenvolveram propriedades microestruturais totalmente diferentes. A resistência média à compressao variou de 172,12 MPa na mistura AC20/10 para 4,92 MPa na mistura SL50/50, assim como a densidade média variou de 2,23 g/m3 para 1,09 g/m3, respectivamente, conforme Tabela 6.

A condutividade térmica dos materiais cerâmicos ocorre basicamente pela vibraçao da rede cristalina (transporte de calor por fônons). O coeficiente de transmissao térmico de um corpo cerâmico está relacionado diretamente com as fases presentes em sua microestrutura.

A reduçao de 4,87% nos índices de condutividade térmica nas placas AC20 provavelmente é devido à composiçao química destas placas. É possível visualizar pelos gráficos de difraçao de raios X da Figura 11 (a) e (b) que as placas AC20 mostram uma intensificaçao da fase vítrea referente a presença de cristobalita (2θ = 21,75), mulita (2θ = 50,00) e quartzo (2θ = 25,50) comparadas à placa 100% argila caulim AC.

 


Figura 11. Difratograma das placas cerâmicas (a) AC, (b) AC20, (c) AC20/10, (d) AC20/20 e (e) AC20/30

 

A Figura 11 também exibe os perfis de pico para posiçao angular entre 10,0 e 80,0 para o quartzo, a mulita e a cristobalita para todas as misturas.

A Figura 11 exibe a composiçao mineralógica de todos os traços de mistura contendo de cristobalita (JCPAS 39-1425) e quartzo (JCPAS 46-1045). A presença da mulita (JCPAS 15-0776), que é resultado da reaçao ocorrida entre a alumina e a sílica presente na mistura, mostra um aumento proporcional à adiçao de LETA nas misturas conforme a estequiometria dessa fase cristalina, a qual corresponde a 3Al2O3.2SiO2.

A inserçao de lodo de estaçao de tratamento nas substituiçoes no traço da mistura AC20 por 10%, 20% e 30% de lodo de ETA (AC20/10, AC20/20 e AC20/30) gerou um acréscimo de condutividade de 8,69%, 30,32% e 38,30% respectivamente (Tabela 6). Este aumento na condutividade foi acompanhado de um aumento de porosidade e absorçao de água.

A fase "poro" desempenha um papel fundamental no comportamento da irradiaçao de calor. Em temperaturas abaixo de 800 °C apresenta comportamento específico. A conduçao térmica é o mecanismo principal, e os grandes vazios dos poros maiores atuam como barreira ao transporte de calor. Por esta razao, a placa AC20 com a menor absorçao de água, dificultando a passagem de calor, apresenta o menor coeficiente de condutividade térmica.

Os ensaios de resistência à compressao mostram um aumento de resistência média à compressao de 171,01 MPa na mistura AC para 189,97 Mpa na mistura AC20 com variaçao de, aproximadamente, 11,08%. Este aumento se deve também à presença da sílica da casca de arroz, que tem um efeito significativo no aumento da resistência de materiais cerâmicos em geral, proporcionando uma menor porosidade aparente de 3,93%.37

Conforme ocorreram as substituiçoes na mistura de AC 20 por lodo de estaçao de tratamento, as placas AC20/10, AC20/20 e AC20/30 mostraram perdas da resistência à compressao de aproximadamente 10,37%, 50,84% e 89,51%, respectivamente.

Neste sentido, mais estudos se fazem necessários na investigaçao e caracterizaçao da fase "poro" a fim de complementar a interpretaçao dos dados obtidos, correlacionando os resultados das propriedades físicas, mecânicas e térmicas desenvolvidas das placas cerâmicas em estudo.

Propriedades químicas

A sílica apresenta-se sob três formas cristalinas: quartzo, tridimita e cristobalita. A cristobalita possui dois arranjos estruturais: fase α (entre 170 °C e 270 °C) e fase β acima de 1470 °C. A cristobalita β possui menor coeficiente de expansao térmica do que as outras formas de sílica cristalina, além de baixa condutividade térmica e pequeno valor de constante dielétrica. Estes fatores justificam as várias pesquisas que fazem uso da inserçao da casca de arroz para estabilizar a temperatura ambiente da fase β da cristobalita sem passar para a fase α, ou seja, desta forma atuar como um agente dopante de estabilizaçao desta fase.38

Este fato justifica o decréscimo de condutividade térmica devido à composiçao mineralógica à base de cristobalita, bastante intensa nas placas AC20, (Figura 11), que se atribui possivelmente à cristalizaçao da sílica livre proveniente da casca de arroz.

Além disso, apesar da tridimita sofrer transiçao de fase para cristobalita a 1470 °C (Figura 12), a açao de óxidos fundentes presentes na mistura possivelmente fomentou a reaçao de transiçao de tridimita em cristobalita em temperaturas menores que 1470 °C, proporcionando um aumento ainda maior na fase de cristobalita, mesmo na temperatura de queima das placas de 1300 °C.

 


Figura 12. Diagrama de equilíbrio do SiO38

 

Um aumento significativo nos picos de mulita foi verificado nas placas que sofreram substituiçoes de lodo de estaçao de tratamento na mistura AC20 de 10% (AC20/10), 20% (AC20/20) e 30% (AC20/30) devido à incorporaçao de alumina residual.

O traço com 30% de substituiçao de lodo de estaçao de tratamento (AC20/30) apresenta o pico mais expressivo de formaçao da fase cristalina de mulita (3Al2O3.2SiO2) nas posiçoes angulares entre 25,5 e 27,0°, mais especificamente na posiçao angular de 26,5 °C, devido aos microconstituintes do lodo de estaçao de tratamento.

A transformaçao química da caulinita em diferentes temperaturas pode ser representada pelas reaçoes químicas a seguir:38

Chen et al.39 estudaram a obtençao de mulita pela reaçao de sinterizaçao entre a caulinita e a alumina, e observaram que a alumina permanece inerte até a temperatura de 1200 °C. Já entre 1300 °C a 1500 °C a quantidade de mulita aumenta rapidamente pela diminuiçao da quantidade de alumina.

Além das propriedades químicas, a porosidade específica dos materiais cerâmicos pode exercer influência significativa sobre as propriedades mecânicas e térmicas destes materiais.37 A proporçao de poros abertos e/ou fechados proporciona mudanças nas propriedades em geral, uma vez que poros fechados mostram-se inativos quanto ao fluxo de líquidos e de gases, exercendo grande influência sobre as propriedades térmicas.

A presença de poros pode resultar da remoçao de elementos da estrutura original, chamado de subtrativo, uma vez que tem lugar quando da saída de gases, durante o aquecimento de um material, ou com a dissoluçao seletiva de componentes de sólidos multifásicos, que ocorrem na preparaçao de vidros, vitrocerâmicas e cerâmicas porosas.40

Nesse sentido, mais estudos se fazem necessários na investigaçao e caracterizaçao da fase "poro" a fim de complementar a interpretaçao dos dados obtidos, correlacionando os resultados das propriedades físicas, mecânicas e térmicas desenvolvidas das placas cerâmicas em estudo.

Microestrutura

As imagens da microestrutura interna das placas AC20 (Figura 13-B) mostram uma fase matriz com predominância de uma fase vítrea quando comparada as placas AC (Figura 13-A). Uma maior fase vítrea em presença de óxidos fundentes colabora para o desempenho mecânico do material em funçao de menor porosidade e menor fissuramento entre os graos de quartzo,38 que justifica que a AC20 possui a menor absorçao de água. As principais fases encontradas foram o quartzo e a fase vítrea. A porosidade tende a diminuir no momento em que a matriz vítrea tende a aumentar.40,41 Sugere-se que essa menor porosidade aparente ocorre pela facilidade na eliminaçao dos gases formados na fase líquida durante a sinterizaçao.

 


Figura 13. Microscopia eletrônica de varredura da superfície de ruptura: (a) AC (100% argila caulim); (b) AC 20 (80% argila caulim e 20% sílica da casca de arroz)

 

As substituiçoes em AC20 por 10% e 30% com lodo de ETA, conforme Figura 14, mostra uma menor fase vítrea, um volume maior de poros relacionado com a elevaçao da taxa de substituiçao. Nota-se também a presença de poros alongados, distribuiçao irregular e uma maior concentraçao de poros interligados aprisionados na fase vítrea. Sugere-se que essa maior porosidade aparente ocorre pela queima dos argilominerais e da matéria orgânica durante a sinterizaçao. Estas placas apresentam as fases cristalinas predominando o quartzo, a mulita e a cristobalita, além de uma a microestrutura com uma fase porosa bastante disseminada com poros maiores e mais alongados.

 


Figura 14. Fotomicrográficas em MEV da superfície de ruptura: (a) AC 20/10 (10% LETA); (b) AC 20/30 (30% LETA)

 

CONCLUSOES

Com base nos resultados obtidos a partir dos ensaios realizados nas placas cerâmicas produzidas, as principais conclusoes sao:

a) Placas cerâmicas prensadas podem ser obtidas a partir da sílica residual da casca de arroz e do lodo de ETA, valorizando e direcionando o descarte desses resíduos, contemplando o reaproveitamento de resíduos e geraçao de novos produtos de engenharia;

b) As placas cerâmicas contendo 80% argila caulim e 20% sílica de casca de arroz (AC20) apresentaram maior fase vítrea, menor condutividade térmica, menor concentraçao de poros e maior resistência mecânica devido aos tamanhos das partículas de sílica e argila caulim que propiciam o acomodamento irregular destas, conforme imagens obtidas por microscopia eletrônica de varredura;

c) As placas cerâmicas contendo 64% argila caulim, 16% sílica de casca de arroz e 20% ETA (AC20/10) foram as que contemplaram todos os itens de reaproveitamento dos resíduos do lodo de estaçao de tratamento e sílica da casca de arroz, simultaneamente às boas propriedades termomecânicas com 172,12 Mpa de resistência à compressao e 0,2574 W m-1 K-1 de condutividade térmica.

d) Nas análises obtidas através da difraçao de raios X observou-se um aumento expressivo na formaçao da fase cristalina da mulita (3Al2O3.2SiO2) nas placas cerâmicas com substituiçao de lodo de ETA em sua mistura (AC20/10, AC20/20, AC20/30) provavelmente devido à presença de alumina residual na composiçao química do lodo de ETA. O traço AC20/30 apresentou o pico mais expressivo de mulita, além das fases cristalinas de quartzo e de cristobalita, provavelmente em funçao da maior quantidade dos microconstituintes do lodo de ETA.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ pelo suporte financeiro Projeto 423453 2016-5 e ao LEME - Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais.

 

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