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Metodologia para detecção eletroquímica qualitativa de compostos orgânicos em interfaces petróleo/água Methodology to promote the qualitative detection of organic compounds in petroleum/water interfaces |
Roberval A. Silva; Rejane M. P. Silva; Keyla T. Santos; Tatiana S. Araujo; Alexandre C. Alcântara; Hugo B. Suffredini*
Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, 09210-580 Santo André - SP, Brasil Recebido em: 20/06/2018 *e-mail: hugo.suffredini@ufabc.edu.br The possibility of detecting some organic compounds directly in a petroleum/water interface was described. Aqueous phase was composed by 1 x 10-3 mol L-1 NaCl solution and the oil phase was carried out using crude oil forming an oil/water interface. Carbon based screen-printed electrodes was used in conjunction with square-wave voltammetry technique, constituting the main tools of this technical note. Petroleum was contaminated with phenol, naphthalene and cyclohexane. The oxidation potentials for these three molecules were 0,72, 0,81 and 0,87 V vs. Ag, respectively. Phenol was chosen to study the stability of currents during the process. After 15 minutes, the currents of this process were stable. Although the formation of a passivation film, the qualitative detection of the molecules was possible. Finally, the main advantage of this methodology is the possibility of detecting contaminants in oil without the necessity of complicated pre-treatment steps. INTRODUÇAO O petróleo apresenta uma composiçao química complexa, sendo formado por hidrocarbonetos saturados, insaturados, naftênicos e aromáticos. Em sua constituiçao, impurezas de compostos sulfurados, nitrogenados, oxigenados, organometálicos, sais dissolvidos, areia e água, sao frequentemente identificados. Estas impurezas podem estar presentes em sua composiçao, ou serem oriundas dos processos produtivos, como a exploraçao, transporte e refino, elevando o grau de corrosividade dos materiais que constituem os "toners" de armazenamento.1,2 A indústria do petróleo dispoe de diferentes tipos de óleos crus para o processamento, tornando necessárias avaliaçoes técnicas e econômicas para que o mercado consumidor possa ser atendido. Estas avaliaçoes, realizadas por procedimentos analíticos, trazem informaçoes das suas características físicas e químicas como o teor de hidrocarbonetos saturados e aromáticos, de resinas e asfaltenos, acidez, teor de contaminantes, densidade, viscosidade, pressao de vapor, ponto de fluidez, entre outros. Estas informaçoes sao essenciais para a determinaçao da qualidade do petróleo bruto. A densidade reflete, em termos médios, o conteúdo de fraçoes leves e pesadas do óleo cru. A acidez, definida como a quantidade de KOH em miligramas necessários para neutralizar 1 grama de amostra, referidos como número de acidez total, é uma das responsáveis pela corrosao em equipamentos utilizados ao longo dos processos de produçao do petróleo. Normalmente, a acidez é provocada pela presença de compostos oxigenados no petróleo cru.2,3 Além disso, é interessante para a indústria petrolífera a utilizaçao de metodologias qualitativas simples e de baixo custo para classificar a presença de moléculas em petróleo. Neste contexto, esta nota técnica descreve a utilizaçao de uma nova metodologia qualitativa em que uma gota de petróleo contaminada com diferentes moléculas orgânicas é adicionada a um eletrodo impresso de carbono. Esta gota foi recoberta com soluçao de NaCl 1x 10-3 mol L-1, constituindo, portanto, uma interface do tipo óleo/água. Importante salientar neste ponto que o nao é possível realizar medidas eletroquímica diretamente em petróleo, a nao ser que se realizem etapas complicadas de extraçao ou pré-tratamento das amostras. Neste contexto, surge a importância da nota técnica, pela possibilidade de detectar compostos orgânicos a partir de uma metodologia simples, sem necessidade de pré-tratamento das amostras, conforme descrito a seguir. A Figura 1 mostra uma descriçao experimental da metodologia proposta, o que se considera a parte mais importante desta nota técnica:
Figura 1. Descriçao resumida da técnica experimental proposta, mostrando: a) célula eletroquímica limpa, mostrando a descriçao dos eletrodos; b) eletrodo de trabalho com adiçao da fase oleosa (petróleo); c) adiçao do eletrólito de suporte (NaCl) sobre a gota de óleo recobrindo todo o eletrodo
O interesse no estudo eletroquímico entre a interface de dois líquidos tem gerado publicaçoes que descrevem em detalhes as aplicaçoes de técnicas eletroquímicas nesse meio anisotrópico,4-11 e trabalhos recentes foram desenvolvidos em interfaces do tipo óleo/água para estudos de compostos lipossolúveis diretamente em uma fase oleosa sem a necessidade de pré-tratamento das amostras. A fase oleosa, nestes casos, foi composta por biodiesel,12,13 óleo de soja,14 limoneno,15 óleo mineral,16 e 1-undecanol.17 Sensores eletroquímicos têm sido utilizados com a finalidade de a caracterizar líquidos complexos, apresentando respostas satisfatórias.4,5 Estes estudos podem ser direcionados à caracterizaçao dos constituintes de líquidos, na identificaçao de contaminantes e no estudo da corrosao, que tais fluidos podem vir a trazer a equipamentos utilizados em seu manejo na indústria. Relacionado ao petróleo, estudos de eletroquímica aplicada a este tipo de constituinte sao relativamente comuns na literatura.1,6 Durante todas as etapas da cadeia produtiva do petróleo há o frequente contato entre o petróleo cru e a água salina, favorecendo o surgimento de uma interface entre os líquidos imiscíveis, em que podem ser aplicadas técnicas eletroquímicas.6 Neste contexto, estudos eletroquímicos em interfaces do tipo petróleo/água permitem detectar contaminantes e, desta forma, estudar o controle da corrosao ou de contaminantes no petróleo. Este trabalho visa estudar uma interface modelo do tipo petróleo/água para a detecçao de alguns compostos orgânicos escolhidos, como fenol, ciclohexano e naftaleno, diretamente na gota de petróleo. Além das questoes de equilíbrio e formaçao de partiçao, questoes como adsorçao de produtos podem causar diminuiçao do sinal analítico. As anisotropias causadas pela diferença de potencial químico causado pela formaçao de interfaces podem ser descritas conforme itens a seguir: 21 - Transferência de um íon "M" com carga "Z" diretamente da fase água para a óleo, ou da fase óleo para a água, representada de maneira simplificada pela reaçao no equilíbrio: - Transferência de elétrons entre pares redox do tipo O1/R1 na fase água e O2/R2 na fase óleo: Estas representaçoes simplificadas, na realidade, podem ser seguidas por processos heterogêneos de transferência de carga, de decomposiçao química, de desproporcionamento, dentre outros processos paralelos, tornando a análise do sistema mais complicada. No caso do fenol, a reaçao é acompanhada da formaçao de um filme de passivaçao, além dos processos descitos na Eq. 2. A intensidade do campo elétrico difere de zero na regiao interfacial entre água e óleo vegetal e a diferença de potencial "ΔΦtotal" pode ser representada como: A condiçao de equilíbrio para o íon na interface entre dois líquidos imiscíveis pode ser representada a partir de seus respectivos potenciais eletroquímicos () que resultam em suas respectivas expressoes de potencial eletroquímico expandidas: onde representa os potenciais eletroquímicos padroes, "Φ" representa a diferença de potencial gerada nas proximidades das fases óleo e água e "aM" é a atividade dos íons. Combinando-se as equaçoes 3, 5 e 6, é possível conhecer a diferença de potencial no equilíbrio entre as duas fases: Assim, a diferença de potencial galvânico entre as duas fases pode ser escrita como: Desta forma, após o entendimento dos processos de formaçao da partiçao no equilíbrio e da movimentaçao de massa e carga das espécies envolvidas na interface, novas e interessantes aplicaçoes podem ser realizadas, conforme comentado anteriormente. A aplicaçao desta proposta passa por esta questao de formaçao das partiçoes e de processos que podem prejudicas o sinal analítico, como adsorçao de produtos de oxidaçao/reduçao (como é o caso do fenol), dentre outros parâmetros, como aumento da resistividade do material e ativaçao do eletrodo. No entanto, a avaliaçao qualitativa pode ser realizada, embora existam todas estas barreiras a serem vencidas.
PARTE EXPERIMENTAL Nos testes realizados, utilizou-se um sistema composto um potenciostato Autolab PGStat®, conector e eletrodo de carbono impresso da marca DropSens® modelo 110. O eletrodo de carbono impresso é uma célula eletroquímica completa miniaturizada, com dimensoes 3,4 x 1,0 x 0,05 cm. Nessa estrutura tem-se a presença de um contra eletrodo e um eletrodo de trabalho compostos por carbono e de um eletrodo de pseudo-referência composto por prata metálica. Esse tipo de célula tem sido muito utilizado nos últimos anos devido ao seu baixo custo de produçao e a reduçao de reagentes e amostras utilizados. Além disso, por ser descartável, minimiza os riscos de contaminaçao.19 Inicialmente adicinou-se, com uma micro-pipeta, 1µL da fase oleosa no centro do eletrodo de trabalho. Em seguida, adicionou-se o eletrólito de suporte NaCl 1x10-3 mol L-1, recobrindo toda a extensao da célula eletroquímica. A escolha do eletrólito de suporte basseado em NaCl se justifica pelo fato de ser o sal presente em maior quantidade na água do mar. As concentraçoes salinas sao bastante superiores na água do mar, mas este problema pode ser contornado com o tratamento e diluiçao da amostra, conforme protocolo a ser estabelecido em estudo analítico completo. Desta forma, a concentraçao de 1 x 10-3 foi escolhida como ponto de partida. A esse sistema de interface, formado pela superfície do eletrodo, fase óleo e fase aquosa, aplicou-se a voltametria de onda quadrada nas seguintes condiçoes de f = 30 s-1 ; a = 30 mV; ΔEs = 2 mV. Os testes foram repetidos utilizando como fase oleosa o petróleo bruto pré contaminado ora com fenol, ora com cliclohexano e ora com naftaleno, ambos com concentraçao de de 1x10-2 mol L-1 em petróleo. Estas concentraçoes também foram escolhidas como ponto de partida e devem ser melhor estudadas em uma avaliaçao analítica mais completa.
RESULTADOS E DISCUSSAO Depois de montada a metodologia descrita nesta nota técnica, foi possível realizar a detecçao de moléculas orgânicas introduzidas artificialmente no petróleo diretamente em uma interface do tipo petróleo/água, conforme mostrado na Figura 2.
Figura 2. Voltametrias de onda quadrada para as respostas obtidas na fase aquosa NaCl 1 x 10-3 mol L-1 (curva 1),na interface petróleo/NaCl 1 x 10-3 mol L-1 (curva 2) e no sistema interfacial petróleo/eletrólito de suporte (NaCl 1 x 10-3 mol L-1) contendo os compostos orgânicos : fenol (curva 3), naftaleno (curva 4) e ciclohexano (curva 5) ambos os analitos foram preparados em petróleo cru, com concentraçoes iguais a 1 x 10-2 mol L-1, f = 30 s-1, a = 30 mV e ΔEs = 2 mV
Observa-se que a detecçao de fenol, naftaleno e ciclohexano foi possível diretamente em uma interface do tipo óleo/água, em potenciais de oxidaçao diferentes (0,72, 0,81 e 0,87 V vs Ag para fenol, naftaleno e ciclohexano, respectivamente). Importante salientar aqui que a detecçao das moléculas ocorreu nos instantes iniciais da medida, para evitar problemas com adsorçao de orgânicos ou produtos de reaçao na superfície do eletrodo de trabalho. Observou-se ainda nos perfis voltamétricos apresentados na Figura 2 que nao ocorrem processos de oxidaçao importantes no eletrólito puro (curva 1) e no petróleo bruto (curva 2) na janela de potencial adotada. A pequena protuberância dos brancos é referente à inerente corrente capacitiva dos eletrodos de carbono, que apresentaram resposta nao significativa para os propósitos deste trabalho. A Figura 2 representa apenas um exemplo do que a metodologia propoe, enfatizando que a importância da nota técnica está relacionada à montagem experimental apresentada na Figura 1. Como o perfil voltamétrico de oxidaçao do fenol foi o mais bem definido, escolheu-se esta molécula para as análises posteriores. Além de tudo, o fenol conhecidamente apresenta problemas de passivaçao de eletrodo, pela formaçao de filmes poliméricos ou adsorçao da molécula original. Desta forma, acredita-se que seja um bom candidato para as análises qualitativas. Estudos de detecçao de fenol e derivados em eletrodos impressos ou modificados foram recentemente apresentados nos trabalhos de Talarico et al.,20Arabali et al.,21 Piovesan et al.,22 e Yaman et al.,23 todos em meios aquosos. Em praticamente todos os casos, o fenol adsorve fortemente na superfície dos materiais, causando perda de sensibilidade nas análises eletroquímicas. De fato, a Figura 3 mostra que ocorre uma diminuiçao constate na corrente de pico de oxidaçao do fenol, tornando útil que se realize a análise qualitativa em instantes iniciais, caso o objetivo principal seja o de detectar esta molécula.
Figura 3. Voltametrias de onda quadrada representando os picos de oxidaçao do fenol, com o tempo de varredura variando de 3 em 3 minutos. Demais condiçoes: f =30 s-1; a = 30 mV e ΔES = 2 mV
De acordo com a Figura 3, é possível observar que ocorre a diminuiçao da corrente em intervalos de 3 a 15 minutos. Neste caso, o fenol causa a formaçao de um filme de passivaçao na superfície eletródica, com consequente diminuiçao da resposta de corrente.24 Um mecanismo de reaçao para a reaçao de oxidaçao do fenol pode ser encontrado a seguir, na Figura 4:
Figura 4. Mecanismo de oxidaçao do Fenol para meios com pKa < 9,89, com formaçao de produtos de polimerizaçao a partir da formaçao de radicais fenoxil. Os testes deste trabalho foram realizados em meio neutro
Por meio do gráfico da Figura 5, foi possível constatar a corrente de oxidaçao do fenol diretamente na interface petróleo/água, atingiu o equilíbrio depois de aproximadamente 15 minutos.
Figura 5. Correntes de pico de oxidaçao (Ip) mostrando a estabilidade de corrente de oxidaçao, atingida depois de cerca de 15 minutos de operaçao
Apesar da produçao de um filme de passivaçao, causando diminuiçao nas correntes de oxidaçao, verificou-se que após 15 minutos nao ocorreram variaçoes significativas de corrente, o que indica um equilíbrio entre filme de passivaçao e oxidaçao da molécula de fenol original, conforme mostrado na Figura 5, referente ao monitoramento da corrente de oxidaçao do fenol em funçao do tempo. Este fator mostra que, ainda que ocorram problemas causados pela diminuiçao da corrente, o eletrodo se mantém ativo para a detecçao qualitativa nestas condiçoes. Do ponto de vista qualitativo, o eletrodo deve ser utilizado em seus instantes iniciais para que a formaçao do filme de passivaçao nao influencie a detecçao das outras moléculas, como mostrado na Figura 2. Como ocorrem processos de particionamento entre as fases água e óleo, tempos de estabilizaçao de corrente ocorrem com frequência. Como exemplos, em trabalho publicado por Maynart et al.,12 que estudaram a oxidaçao do ferroceno diretamente na interface biodiesel/água utilizando eletrodos de diamante dopado com boro, foram observadas correntes de pico de oxidaçao relativamente constantes após 15 minutos. Silva et al.13 estudaram também o monitoramento da corrente de oxidaçao do ferroceno na fase aquosa, em uma interface biodiesel/água, na qual ocorria a migraçao da molécula eletroativa da fase óleo para a fase água, nessa condiçao o sistema atingiu o equilíbrio após aproximadamente 175 minutos de operaçao.
CONCLUSAO Nesta nota técnica, procurou-se mostrar que um sistema constituído por eletrodo impresso de carbono pode ser utilizado para a realizaçao de estudos em interfaces água/petróleo, sem a necessidade de pré-tratamento das amostras. Para tanto, uma gota de petróleo (fase óleo) foi inserida na superfície do eletrodo, que posteriormente foi recoberto com soluçao salina. Este protótipo foi utilizado para a detecçao qualitativa de três moléculas orgânicas distintas, mostrando a viabilidade da metodologia, apesar dos mecanismos de oxidaçao do fenol promoverem a formaçao de um filme de passivaçao em meio neutro. Nos estudos com a molécula de fenol, foi possível verificar o comportamento da corrente de oxidaçao na interface petróleo/água e monitorar o tempo de equilíbrio da molécula na regiao interfacial, atingido em aproximadamente 15 minutos, mostrando que o eletrodo funciona em instantes iniciais de maneira adequada. Mesmo após 15 minutos e depois de formado um filme de passivaçao, o sistema detectou o fenol nas condiçoes de estudo.
AGRADECIMENTOS FAPESP (procs. 2018/06677-6, 2017/10381-2, 2014/13602-1) e CNPq (proc. 304797/2017-0)
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