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Educação


Determinação de Al3+, Fe3+ e Cu2+ presentes em sombras de maquiagem por espectrofotometria UV-VIS: uma proposta de experimento contextual em nível superior de ensino
Determination of metals present in make-up shadows by UV-VIS spectrophotometry: a contextual experiment in higher education

lex Magalhaes AlmeidaI; Ivani Pose MartinsI; Paula Maira Pinheiro AmaralI; Viviane Araújo BorgesI; Leonardo Augusto Silva PintoI; Elias Yuki IonashiroII; Nyuara Araújo da Silva MesquitaII; Márlon Herbert Flora Barbosa SoaresII;*

I. Centro Universitário de Formiga, 35570-000 Formiga - MG, Brasil
II. Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás, 74690-900 Goiânia - GO, Brasil

Recebido em 01/09/2018
Aceito em 17/12/2018
Publicado na web em 30/01/2019

Endereço para correspondência

*e-mail: marlon@ufg.br

RESUMO

Metallic oxides are used in cosmetic shadows formulations in order to highlight the area around the eyes, with different colors. Due to the close proximity to the eye mucosa, these products are a potential source of metal intoxication in human body. Based in this fact, several analytical methods to quantify metals in cosmetic shadows have been proposed in the literature. This paper, propose a contextual experiment to investigated the presence of Al3+, Fe3+ and Cu2+ using UV-VIS spectrophotometric and complexation reactions in solvent mixtures to generate cromophore species. These experiments have the potential to insert a contextual discussion in chemistry and pharmaceutical graduation courses, making a meaningful experimentation in the formative attribute of these courses.

Palavras-chave: makeup; complexation reaction; cosmetic shadows.

INTRODUÇAO

Os materiais denominados cosméticos apresentam constituiçao natural ou sintética e sao utilizados desde a antiguidade na higiene pessoal, proteçao, odorizaçao ou embelezamento. Diversos materiais orgânicos e inorgânicos sao utilizados para proteger e/ou destacar traços de beleza, e tais compostos sao comumente denominados por cosméticos ou por maquiagens. A origem da palavra cosmético vem do grego kosmetikós, que significa "habilidade em adornar". Existem inúmeras evidências arqueológicas quanto ao uso de cosméticos para embelezamento e um destaque para a higiene pessoal datados de 4000 a.C.1

No livro sagrado dos cristaos, a Bíblia, é possível encontrar relatos do uso de cosméticos pelo povo israelita e por outros povos que habitavam a regiao hoje denominada por Oriente Médio, como: a pintura dos cílios (de Jezebel) com um produto à base de carvao; os tratamentos de beleza e banhos com bálsamos que Ester tomava para amaciar sua pele; e a lavagem com vários perfumes e óleos de banho dos pés de Jesus, por Maria - irma de Lázaro. Óleos e essências de flores, juntamente com tinturas para os cabelos, foram as primeiras formas de maquiar o corpo.2

Os primeiros registros da utilizaçao de cosméticos sao encontrados em escritos do Egito antigo. Os egípcios tinham por costume pintar os olhos para evitar a contemplaçao direta do deus Sol. Para tanto, recorriam à gordura animal e vegetal, cera de abelhas, mel e leite, para realizar o preparo de cremes que iriam recobrir a pele. Na antiga Grécia, ocorria o uso do blush, que era feito com amoras e algas marinhas, substâncias naturais e sua cor era obtida com o uso do cinabre (sulfeto de mercúrio), um mineral de coloraçao avermelhada. Esse produto era muito usado nos lábios, como o batom é usado hoje. Essa atitude tornava fácil a ingestao do blush, o que provavelmente causava envenenamento.2

A alta sociedade de Roma tinha, por costume, tomar banhos com leite de jumenta, buscando uma forma de embelezar a pele.

Os gregos e romanos foram os primeiros povos a produzir saboes, que eram preparados a partir de extratos vegetais muito comuns no Mediterrâneo, como o azeite de oliva e óleo de pinho, e também a partir de minerais alcalinos obtidos da moagem de rochas. Atores do teatro romano eram grandes usuários de maquiagem para poderem incorporar diferentes personagens ao seu repertório. Pastas eram produzidas misturando óleos com pigmentos naturais extraídos de vegetais (açafrao ou a mostarda) ou de rochas. Mortes por intoxicaçao eram comuns entre os atores, pois muitos dos pigmentos minerais da época continham chumbo ou mercúrio em sua composiçao.3

De acordo com Vita,2 o costume de pintar as unhas é proveniente da China do século III a.C. As cores do esmalte indicavam a classe social do indivíduo. Os imperadores pintavam as unhas com as cores preta e vermelha, posteriormente, essas cores foram substituídas pelo dourado e pelo prateado.

Na Idade Média, o açafrao (usado como tempero nos dias de hoje) servia para colorir os lábios. Nessa mesma época, o negro da fuligem (extraído das lareiras e chaminés), era usado para escurecer os cílios, assim como a sálvia era utilizada no intuito de clarear os dentes e a clara de ovo juntamente com o vinagre, era empregada para se conseguir uma pele aveludada.4

Entretanto, os cosméticos enfrentaram vários obstáculos ao longo da história. Uma lei grega do século II proibia as mulheres de esconder sua verdadeira aparência com maquiagem antes do casamento. O parlamento britânico, em 1770, permitia a anulaçao do casamento se a noiva estivesse de maquiagem, dentadura ou cabelo falso. No entanto, nos anos subsequentes, a maquiagem pesada tomou conta da Inglaterra e da França. Na França, a utilizaçao desse modo de maquiar somente cessou após a revoluçao francesa, admitindo-se que apenas pessoas mais velhas e artistas de teatro a usassem.5

Em 1880, a maquiagem reconquistou as pessoas e essa data é dada como a de nascimento da moderna indústria de cosméticos. Foi somente no século XX, com os avanços da indústria química fina, que os cosméticos se tornam produtos de uso geral. Na década de 70, as cores de maquiagem tornaram-se populares, acompanhando as coleçoes de alta-costura francesa, italiana e inglesa. Cada vez que um costureiro famoso da época lançava uma nova coleçao de cores e formas para as roupas, especifico para os olhos e uma nova cor para boca. Mas apenas no final da década de 80 que entram em lançamento as fórmulas evoluídas para cosméticos pigmentados.6

Os cosméticos pigmentados usam óxidos metálicos insolúveis para gerar cor e a grande exposiçao do organismo a estes materiais levou a diversos estudos acerca dos malefícios destes materiais no corpo humano.7 Produtos utilizados perto dos olhos e nas regioes próximas a genitália podem entrar em contato com a mucosa, resultando na absorçao destes devido à fina camada epitelial destas áreas. Por causa desse tipo de exposiçao, existe um controle dos metais constituintes das maquiagens. Porém, sempre pode existir contaminaçao de metais tóxicos e bioacumulativos como Cd, Co, Cr, Ni, As, Hg e Pb, provenientes dos aparatos metálicos utilizados na manufatura do produto.8 Existem diversos estudos acerca da segurança do uso de cosméticos tópicos pelos seres humanos, que indicam que a alergia causada pela exposiçao de maquiagens está associada a presença de níquel, cromo e cobalto,9 e do potencial perigo da presença de nanopartículas de óxidos metálicos que causam a absorçao destes materiais, mesmo eles sendo inertes e insolúveis.9

No Brasil, a ANVISA é o órgao responsável pela legislaçao dos cosméticos. Cosméticos no Brasil sao controlados pela Câmara Técnica de Cosméticos da ANVISA (CATEC/ANVISA) e pela Resoluçao RDC nº. 211, de 14 de julho de 2005. A definiçao oficial de cosméticos adotada por essa câmara compreende todos os produtos de uso pessoal e perfumes que sejam constituídos por substâncias naturais ou sintéticas para uso externo nas diversas partes do corpo humano – pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgaos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral – com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência, corrigir odores corporais, protegê-los e/ou mantê-los em bom estado. A ANVISA ainda regula que Cd, Cr e Pb nao podem ser utilizados para a produçao de cosméticos e o teor máximo de impurezas em colorantes cosméticos é 500 mg L-1 para Ba, 3 mg L-1 para As, 20 mg L1 para Pb e 100 mg L-1 para outros elementos.10

Na literatura existem diversos trabalhos acerca da determinaçao de metais contaminantes em diversos itens cosméticos,8-12 o que torna essa abordagem muito promissora acerca da contextualizaçao entre os conceitos relacionados às técnicas e a determinaçao de metais. Baseado nisso, este trabalho propoe a análise do teor de alguns metais presentes em sombra de olhos, a partir do uso de medidas espectrofotométricas em equipamento de UV-Vis, disponíveis em uma grande parte dos laboratórios de instrumentaçao para a graduaçao nas universidades brasileiras. As técnicas de UV-Vis utilizam-se da Lei de Lambert-Beer, que relaciona a concentraçao das espécies absorventes da radiaçao eletromagnética com a sua concentraçao.13 Para a determinaçao de metais sao utilizadas reaçoes de complexaçao específicas a fim de gerar espécies cromóforas. Diversas reaçoes específicas podem ser utilizadas, como por exemplo, a formaçao da neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina) para a análise do íon Cu2+,14,15 o tiocianato para a reaçao do Fe3+ 15 e a 8-hidroxiquinolina (hydroxibenzopiridina) para a reaçao do Al3+.16

Nessa perspectiva, o trabalho propoe uma contextualizaçao entre os conceitos relacionados à determinaçao dos metais e uma realidade muito presente para os estudantes de graduaçao no que se refere à grande quantidade de cosméticos que se utiliza no dia a dia, seja na forma de propagandas e mídias diversas, seja na dependência de uma série desses produtos em seu consumo.

De acordo com Wartha, Silva e Bejarano,17 o conceito de contextualizaçao é, de alguma forma, bastante discutido na literatura, mas nao necessariamente bem definido. Os autores descrevem uma série de outros trabalhos sobre o termo contextualizaçao e discutem que uma parte considerável deles apresenta o conceito em três principais vertentes e entendimentos: a) contextualizaçao como estratégia para facilitar a aprendizagem; b) contextualizaçao como descriçao científica de fatos e processos do cotidiano do aluno e; c) como desenvolvimento de atitudes e valores para a formaçao de um cidadao crítico.

Assim, além da determinaçao propriamente dita dos metais nos cosméticos, deseja-se, com essa estratégia de laboratório, que a aprendizagem seja facilitada a partir de um tema próximo aos estudantes, além de possibilitar a reflexao sobre o produto que esse sujeito consome diariamente e o que ele pode ou nao trazer de vantagens ou desvantagens. Tais aspectos sao relevantes na medida em que uma parte considerável dos experimentos realizados em laboratórios de graduaçao é distante da realidade em que o estudante atua e que pode dificultar o seu pensamento crítico.

Importante salientar, e os alunos também devem entender tal aspecto, que a experimentaçao em ciências é diferente da experimentaçao para o ensino de ciências. A primeira busca a construçao efetiva do conhecimento científico e a segunda tem o intuito de propiciar alternativas que possam fazer o estudante discutir e refletir sobre o conceito científico pretendido.18 A proposta de um experimento de laboratório é importante para o aprendizado, no entanto, ela é realizada a partir de técnicas e procedimentos já existentes, como é o caso.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Para esse experimento foram selecionadas três sombras cosméticas, de uma mesma marca, do mesmo fabricante, de cores diferentes, a saber: uma sombra laranja, uma sombra marrom e uma sombra roxa, na perspectiva de presença de diferentes tipos de metais.

Abertura de amostras

A abertura de amostras foi baseada no trabalho de Nibras.19 As sombras cosméticas foram pulverizadas em almofariz com pistilo de louça e o pó obtido foi colocado em frascos devidamente identificados. Do material pulverizado pesou-se para cada tipo de sombra em cadinhos de porcelana, o valor de 1,0 g, sendo realizadas as pesagens em triplicata para cada amostra. Com o intuito de dissolver os óxidos metálicos presentes nas amostras foram adicionados 50 mL de ácido clorídrico 37%(m/m) sob aquecimento e com agitaçao magnética. Após a fervura e reduçao do volume em aproximadamente 50%, desligou-se o aquecimento e, sob agitaçao magnética, foi realizada a adiçao de 20 mL de água deionizada. Para a remoçao da matéria orgânica, a amostra foi filtrada e a soluçao resultante transferida para baloes volumétricos de 100,0 mL, que tiveram seus valores completados com água deionizada.

Determinaçoes espectrofotométricas

Para a construçao da curva de calibraçao e para a determinaçao do comprimento de onda máximo foram utilizadas soluçoes padrao de Fe3+, Al3+ e Cu2+. Podem ser utilizadas outras soluçoes de outros metais. No entanto, para este trabalho, optou-se por estas soluçoes, considerando-se a disponibilidade delas quando da proposiçao da estratégia didática.

As reaçoes de complexaçao sao específicas para cada íon metálico, para gerar uma espécie absortiva. As metodologias das reaçoes foram baseadas em trabalhos presentes na literatura.20-23 Vale ressaltar que para os compostos de cobre e alumínio foram utilizados sistemas ternários, com a finalidade de aumentar a absorvância da espécie de interesse.24 Os procedimentos detalhados estao descritos a seguir.

Reaçao para o alumínio

Foi utilizado o sistema ternário homogêneo de solventes águaetanol-clorofórmio cuja composiçao volumétrica é respectivamente 1,0:10,0:5,0 mL. A fase aquosa corresponde ao volume de analito. O etanol, por ser um cossoluto, promove a miscibilidade entre a fase aquosa e o clorofórmio com 8-hidroxiquinolina (hydroxibenzopiridina) na concentraçao de 1,85x10-3 mol L-1.20

Reaçao para o cobre

Os complexos coloridos de cobre foram preparados utilizando o sistema ternário água/etanol/clorofórmio com neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina).21,22 A soluçao do agente complexante foi preparada a partir de mistura de uma soluçao etanol-água 50% (v/v) com a neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina hidroclorada). As amostras solubilizadas constituem a fase aquosa do sistema ternário composto por água:etanol:clorofórmio nas proporçoes v/v 5,0:10,0:5,0, respectivamente. A montagem do sistema ocorreu adicionando-se ao analito solubilizado em etanol, 5,0 mL da soluçao de neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina) de concentraçao de 1,6x10-3 mol Lem clorofórmio e, após a formaçao do complexo, adicionaram-se 50 mL de água deionizada para promover a quebra de fases. A leitura foi realizada na fase orgânica, em que se encontra o complexo metálico.

Reaçao para o ferro

A presença de ferro nas sombras cosméticas foi avaliada pela reaçao de complexaçao do ferro com o tiocianato. Nao foi necessário uso da metodologia do sistema ternário de fases devido ao complexo resultante apresentar coloraçao intensa. A reaçao entre o ferro e o tiocianato foi realizada adicionando-se 5,0 mL da amostra solubilizada em 10,0 mL da soluçao de tiocianato de potássio na concentraçao 0,1 mol L-1 .23

Determinaçao do comprimento de onda de absorçao

Para a determinaçao do comprimento de onda máximo de absorçao, foram preparadas, para cada metal de interesse, soluçoes padrao dos complexos metálicos com concentraçao de 20 mg L-1. Foi realizado um procedimento de varredura dos comprimentos de onda no intervalo de 320 a 700 nm em um espectrofotômetro monocanal. Foi escolhido o comprimento de onda de absorçao máximo para cada analito estudado.

Construçao da curva de calibraçao

As curvas de calibraçao foram construídas para cada analito, utilizando o comprimento de onda de absorçao máximo para cada complexo metálico formado (λ = 400 nm para o complexo de alumínio, λ = 454 nm para o complexo de cobre e λ = 455 nm para o complexo de ferro). As curvas foram construídas a partir da diluiçao das soluçoes padrao de 1000 mg L-1, para os complexos de Al3+ e Cu2+, e a partir de uma soluçao padrao de concentraçao 800 mg L-1 para os complexos de Fe3+.

Foram utilizados intervalos de análise entre 0-7,5 mg L-1 para os complexos de alumínio, entre 0-28 mg L-1 para os complexos de cobre e entre 0-30 mg L-1 para os complexos de ferro. Foram escolhidos cinco valores de concentraçao conhecida entre os intervalos estabelecidos e a leitura de cada ponto foi realizada em triplicata. As curvas obtidas estao dispostas nas Figuras 1-3. Essa metodologia está de acordo com a literatura clássica.13,15

 


Figura 1. Curva de calibraçao com λ = 400 nm, utilizada na determinaçao de alumínio em sombras cosméticas

 

 


Figura 2. Curva de calibraçao com λ = 454nm utilizada na determinaçao de cobre em sombras cosméticas

 

 


Figura 3. Curva de calibraçao λ = 455 nm utilizada na determinaçao de ferro em sombras cosméticas

 

Equaçao da reta

A partir das curvas de calibraçao foi obtida a equaçao da reta que está de acordo com a lei de Lambert-Beer: A = ε x b x c, em que A = Absorvância, ε = Absortividade molar, b = caminho ótico (1 cm) e c = concentraçao do analito. Os valores de concentraçao versus absorvância constituem um par ordenado do tipo (x, y), que permitem o uso de um sistema cartesiano para representar a posiçao de cada par ordenado em um plano.

Colocando-se todos os pontos, nota-se uma tendência entre eles de formar uma reta e apresenta uma equaçao do tipo y = ax + b. Utilizando uma regressao linear, com uma calculadora ou um programa gráfico, tendo os dados de concentraçao (x) e absorvância (y), obtêm-se os valores do coeficiente angular (a) e do coeficiente linear (b), desta forma, tem-se a equaçao que permite obter os valores de concentraçao a partir dos valores de absorvância.

Determinaçao dos metais

Uma vez de posse dos dados da equaçao da reta e da curva de calibraçao para cada complexo metálico foram realizadas as medidas das soluçoes das amostras de maquiagem, e as concentraçoes de cada metal nas soluçoes e os teores de óxidos metálicos presentes na maquiagem foram determinadas.

Público alvo

Essa estratégia pode ser aplicada em cursos de Química (Licenciatura ou Bacharelado), em disciplinas de Química Analítica Experimental ou, ainda, em cursos como Farmácia e outros que tenham disciplinas de química analítica.

 

RESULTADOS E DISCUSSAO

A partir dos comprimentos de onda máximo obtidos (λ = 400 nm para o complexo de alumínio, λ = 454 nm para o complexo de cobre e λ = 455 nm para o complexo de ferro), foram realizadas as construçoes das curvas de calibraçao, apresentadas nas Figuras 1, 2 e 3 e, a partir delas, obtidas as equaçoes das retas que foram: ABS = 0,559[Al] + 0,0691, para o complexo de alumínio; ABS = ,0799[Cu] + 0,0122 para o complexo de cobre e ABS = 0,0147[Fe] + 0,0124 para o complexo de ferro. A partir das equaçoes e das medidas de absorvância para cada amostra, foi possível obter os resultados de teor de óxidos metálicos nas maquiagens estudadas, que estao dispostos na Tabela 1.

 

 

Os pigmentos usados para dar coloraçao às sombras cosméticas nao sao descritos nos respectivos rótulos e, no site da ANVISA, tem-se apenas os códigos dos pigmentos liberados, mas nao especificam qual é a sua dosagem permitida. Isso se deve ao fato de nao existir absorçao destes óxidos pelo organismo, sendo seguro o seu uso em qualquer quantidade. Isso faz com que os fabricantes de maquiagens nao forneçam as fórmulas delas em suas embalagens. Porém, estudos mais recentes indicam que o uso desses materiais na forma de nanopartículas apresentou potencial de absorçao pelo organismo.9 Alguns destes metais, como o cobre, sao acumulativos, que se relaciona com a doença de Wilson.25

Importante destacar que, em relaçao à vertente da contextualizaçao que diz respeito ao desenvolvimento de atitudes e valores para a formaçao de um cidadao crítico, a discussao sobre a produçao e consumo de cosméticos no Brasil mostra-se como uma possibilidade de inserçao de temas que considerem também aspectos econômicos. De acordo com dados da Associaçao Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), mesmo com o aumento da carga tributária, alta do dólar e crise política, esse setor deve retomar a terceira posiçao no ranking mundial de consumo com um crescimento de 14,3% até 2020 e, em 2015, o setor alcançou um faturamento de R$ 42,6 bilhoes.26

No caso específico dos cosméticos, essa produçao representa 34% da indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos no Brasil. Tais dados podem estabelecer parâmetros para discussao sobre a importância desse segmento na economia brasileira, pois, de acordo com Lopes,27 a contextualizaçao refere-se a contextos sociais mais amplos que possam considerar, para além dos conceitos científicos, as relaçoes entre esse conhecimento e aspectos políticos, econômicos e sociais.

Em termos contextuais, ou seja, como estratégia de uma possível contextualizaçao, podem-se trabalhar os resultados obtidos em três frentes: a) Quando consideramos os dados como uma estratégia para facilitar

a) Quando consideramos os dados como uma estratégia para facilitar a aprendizagem.

b) Quando consideramos os dados para a contextualizaçao como uma forma de discutir e descrever fatos e processos que se relacionem a diversos contextos históricos e sociais do aluno.

c) Quando consideramos a possibilidade de desenvolvimento de atitudes e valores para a formaçao de um cidadao crítico.

Em relaçao ao item (a), a discussao dos conceitos relacionados à determinaçao de metais propriamente dito, por meio de uma técnica instrumental, é relativamente simples. No entanto, a estratégia se utiliza de uma amostra que está presente de maneira comum na vida dos sujeitos. Todos os alunos e alunas provavelmente conhecem ou tem contato com diversos tipos de cosméticos que vao de sombras a batons, seja pela sua utilizaçao pessoal, seja pela observaçao de sua utilizaçao em seus pares ou conhecidos. Logo, torna-se importante entender um conceito relacionado à química analítica a partir de uma realidade que eles conhecem e convivem diariamente. Conceitos relacionados à determinaçao de metais, tais como abertura de amostras, complexaçao e medidas espectrofotométricas podem ser discutidas à luz de uma amostra cotidiana e ao alcance de suas realidades.

Um aspecto que remete a esse recorte é o fato de que as amostras analisadas apresentam valores significativos de alumínio e ferro, podendo acarretar danos aos usuários. Em relaçao ao cobre a quantidade detectada nao sugere danos imediatos à saúde do usuário.

Ao tratarmos do item (b), podemos estabelecer relaçoes com a História da Química, revisitando fatos sobre contaminaçao por chumbo a partir do uso de substâncias compostas por esse metal em povos antigos como os egípcios, gregos e chineses.28 Galembeck e Csordas,29 ao apresentarem um histórico dos cosméticos associando o contexto químico, explicitam que:

Atores do teatro romano eram grandes usuários de maquiagem para poderem incorporar diferentes personagens ao seu repertório. Pastas eram produzidas misturando óleos com pigmentos naturais extraídos de vegetais (açafrao ou a mostarda) ou de rochas. Mortes por intoxicaçao eram comuns entre os atores, pois muitos dos pigmentos minerais da época continham chumbo ou mercúrio em sua composiçao.

Considerando o item (c), dentre a proposta de se trabalhar a contextualizaçao como estratégia de ensino para o recorte em questao, ressaltamos que a formaçao de profissionais em nível superior precisa também contribuir para a formaçao cidada a partir da perspectiva de letramento científico e tecnológico, como sinalizado por Santos.30 Para o referido autor, o letramento científico dos cidadaos considera tanto o entendimento dos fenômenos do cotidiano quanto "a capacidade de tomada de decisao em questoes relativas à ciência e tecnologia em que estejam diretamente envolvidos, sejam decisoes pessoais ou de interesse público".

Um dos aspectos que podem ser evidenciados, nesse sentido, refere-se às questoes ambientais, pois a própria técnica analítica pode ser ponto de discussao quando se trata, por exemplo, do uso de solventes. O uso dessas substâncias, apesar de ser de extrema importância para a efetivaçao de diversas técnicas químicas, é também fonte de possíveis contaminaçoes. A partir disso, um dos princípios da Química Verde direciona-se para o uso de solventes e auxiliares mais seguros.2 Dessa forma, discutir aspectos que estabeleçam interfaces entre as questoes ambientais e o processo analítico desenvolvido pode contribuir com a conscientizaçao dos futuros profissionais em relaçao a atitudes e valores relacionados ao exercício de atividades futuras.

Importante salientar que, ao trazermos essas três possibilidades de contextualizaçao para a discussao decorrente do processo analítico dos cosméticos, nao as apresentamos em caráter fechado, mas trazemos exemplos que deixam margem para outros caminhos argumentativos que possam ser estruturados dentro de um planejamento didático visando contextualizar o experimento.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

Para este trabalho foram escolhidos os metais Al, Cu e Fe por estarem presentes nas sombras selecionadas e suas cores. No entanto, procedimentos semelhantes com outros complexantes podem ser utilizados para outros metais, ou ainda, de acordo com a disponibilidade de cada instituiçao ou laboratório de graduaçao.

No caso presente, salientamos ainda a própria composiçao das sombras escolhidas. Elas geralmente sao compostas por óxidos metálicos diversos. Sombras marrons têm óxidos de ferro, sombras laranja contém uma mistura de óxidos de ferro e alguns pós de alumínio e as sombras roxas apresentam óxidos de alumínio para dar tons perolados, além de óxidos de cobre. No entanto, quase todas as sombras contam com uma série de óxidos de metais diversos para a sua pigmentaçao. É interessante utilizar métodos analíticos para contextualizar o funcionamento de um laboratório de análises, que tem como objetivo quantificar teores dos constituintes químicos em determinados produtos, mesmo quando os fabricantes nao sao obrigados, em termos de lei, a apresentar as suas concentraçoes.

As potenciais abordagens desse tópico em sala de aula sao inúmeras, que pode ir desde o uso de metodologias químicas para comparar os constituintes químicos de dois produtos de marcas diferentes, atestar a qualidade dos produtos a partir das concentraçoes dos óxidos, ou até mesmo abordar alguma discussao na área forense, na parte da identificaçao de materiais em uma cena de crime, considerando que dois fabricantes nao produzem o produto com exatamente os mesmos constituintes, já que a lei nao exige que as empresas mostrem a concentraçao deles.

Além disso, o desenvolvimento de práticas experimentais que visem identificar a composiçao desses produtos pode possibilitar a inserçao da discussao contextual em graduaçoes das áreas de Química/Farmácia, tornando a experimentaçao mais significativa no âmbito formativo destes cursos.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ por fornecer a bolsa de IC, ao UNIFOR-MG pela disponibilidade dos laboratórios.

 

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