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10:34, sáb nov 23

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Revisão


Fotocatálise mediada por TiO2 no estado nanoparticulado: revisão da reatividade pelo conceito de traps e algumas aplicações em química analítica
TiO2-mediated photocatalysis at the nanoparticulate state: review of the reactivity by the trapping concept and some applications in analytical chemistry

Alexandre L. B. Baccaro; Lucas D. Cordon; Felipe G. Nishimura; Ivano G. R. Gutz*

Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, 05508-000 São Paulo - SP, Brasil

Recebido em 12/07/2018
Aceito em 19/12/2018
Publicado na web em 06/02/2019

Endereço para correspondência

*e-mail: gutz@iq.usp.br

RESUMO

TiO2 has been used as a white pigment and studied since the first decades of the XX century for the undesirable chalking of outdoor paintings exposed to sunlight. Since the first report of Honda and Fujishima (1972) of the water splitting by the harvesting of sunlight on a n-type single crystal TiO2 electrode, the engagement of researchers with the field has grown steadily. TiO2-photocatalysis has joined the group of advanced oxidation processes for potential new water and wastewater treatments but, despite of its high chemical and photochemical stability and the great oxidizing power of its photogenerated holes, photons in UVA spectral region are needed to accomplish the high band gap, limiting the yield of sun-driven environmental applications. Nevertheless, this shortcoming has not restricted benchtop research and small and medium scale applications also relying on artificial UV sources, especially nowadays that highly-efficient UVA-LEDs are available. Herein, we review the fundamental aspects and the practical attributions of the trapping model in the charge transfer kinetics of photogenerated holes in nanoparticulate TiO2. Regarding to new practical uses, we focus our attention on some ingenious applications of this photocatalyst in the field of analytical chemistry, covering also subjects never reviewed before.

Palavras-chave: TiO2-photocatalysis; charge-carriers trapping; HPLC-photoelectrochemical detector; peCOD chemical oxygen demand; photocatalytic sample-pretreatment;

INTRODUÇAO

A fotocatálise heterogênea por semicondutores é um fenômeno que ocorre pela absorçao de radiaçao incidente que possua fótons com energia superior ao band gap do material, induzindo a excitaçao de elétrons da banda de valência (BV) à banda de conduçao (BC), e gerando o chamado exciton, formado pelas quasipartículas elétrons (e) e lacunas (h+), com capacidade de transporte e transferência de carga.1-4 Para a análise termodinâmica prévia da reatividade desses transportadores com espécies químicas na interface com a soluçao (ou gás), utiliza-se como parâmetro de comparaçao o potencial da borda das respectivas bandas em relaçao ao potencial-padrao das espécies de interesse.5 Por exemplo, para a anatase (ou anatásio), uma das formas alotrópicas do dióxido de titânio, TiO2, as lacunas na borda da BV apresentam potencial de E0 = + 2,7 V vs. ENH em água pura (pH = 7)6, enquanto que os elétrons apresentam um potencial aproximado relativo à borda da BC de E0 = – 0,5 V vs. ENH em água pura (pH = 7).6 Espécies com potencial-padrao inferior ao potencial da BV, se presentes na forma reduzida, apresentam tendência termodinâmica a serem oxidadas por lacunas, e espécies com potencial-padrao menos negativo do que o potencial da BC tendem a ser reduzidas pelos elétrons excitados.

Dado o elevado poder oxidante das lacunas em relaçao ao potencial-padrao de uma vasta gama de solutos orgânicos ou inorgânicos (inclusive a própria água Eº = +1,23 V vs. ENH), o TiO2 é amplamente aplicado para o abatimento de poluentes, especialmente os de natureza orgânica. Isso se dá através de sua degradaçao via a oxidaçao,7 preferencialmente até a mineralizaçao (CO2) ou, pelo menos, até a formaçao de produtos de menor toxicidade em relaçao ao poluente precursor, ou ainda, que possam ser abatidos por processos de tratamento de água convencionais. Já os elétrons excitados na BC têm como aceptor usual o oxigênio dissolvido em soluçao,8 que é reduzido inicialmente a superóxido (E0(O2/O2.) = –0,33 V vs. EPH.9 Além do O2, esses elétrons podem também ser transferidos para íons de alguns metais em soluçao, como retratado em trabalho pioneiro de Bard e colaboradores.10 Para aplicaçoes modernas, como a produçao de combustíveis a partir da reduçao de CO2, p. ex. CO2/ C2H5OH,11 o potencial da borda da BC do TiO2 nao apresenta valor suficientemente baixo em comparaçao ao potencial-padrao dessas reaçoes, nao sendo viáveis tais conversoes. Assim, afora esforços para modulaçao do Band Gap do TiO2 através de sua dopagem, por exemplo com C, N e S,12 boa parte das aplicaçoes focam no processo de oxidaçao, sendo o mesmo inclusive considerado integrante dos processos oxidativos avançados (POA),13 dada a viabilidade de formaçao, como intermediário, do reativo radical hidroxila OH (kcin. ~ 1010 L mol–1 s–1),14 detectado indiretamente pelo emprego de sondas como a cumarina e o ácido tereftálico.15

Portanto, as lacunas apresentam poder oxidante suficientemente alto para reagir indiscriminadamente com diversos solutos orgânicos e, em muitos casos, com o próprio solvente, formando espécies reativas, como OH, H2O2 e O2 em meio aquoso.16,17 A reaçao de iniciaçao pode ocorrer por duas vias distintas: por captura direta, na qual a espécie orgânica captura as lacunas diretamente da BV através de mecanismos de trapeamento envolvendo inicialmente a adsorçao interfacial; ou indiretamente, pela reaçao do orgânico com a lacuna localizada em grupamentos hidroxila ancorados à superfície.18 Esses processos químicos sao a etapa resultante final de uma série de eventos intrapartícula de natureza puramente quântica até chegar à transferência de carga. Esses eventos precedentes apresentam período de duraçao geralmente da ordem de poucos nanossegundos ou menos e sao, efetivamente, os fenômenos concorrentes com a recombinaçao e responsáveis pelo aumento de vida dos transportadores. A recombinaçao é o fenômeno no qual os transportadores fotogerados se aniquilam com a liberaçao consequente de calor.1,2

Em fotoeletrocatálise, a incidência de radiaçao com comprimentos de onda curtos o suficiente para a formaçao dos transportadores se dá simultaneamente à aplicaçao de um potencial de polarizaçao de um eletrodo semicondutor,11 com a premissa de aumentar a eficiência quântica do processo por reduzir a recombinaçao. Originalmente, o termo provém de que a iluminaçao do eletrodo semicondutor é capaz de diminuir consideravelmente o potencial para a efetivaçao da reaçao, e.g.,19 o potencial para a eletrólise da água é diminuído de 1,23 V (+ sobretensao) para cerca de 0,2 V (contra-eletrodo de Pt). Assim, a luz se comporta como um agente físico de efeito catalítico, reduzindo a energia de natureza elétrica necessária para a consumaçao da reaçao química. Daí o enorme interesse em semicondutores que absorvam na regiao do visível para utilizaçao direta da radiaçao solar, reduzindo a energia despendida absolutamente sem custo.

O potencial aplicado também é capaz de diminuir a recombinaçao por modular a concentraçao dos transportadores de carga da regiao interfacial com o eletrólito, a chamada space-charge layer.5,20 Em revisao feita por dois dos autores do presente trabalho,20 discute-se, de um ponto de vista fundamental, a inconsistência do modelo de formaçao de space-charge layer em filmes de semicondutores no estado nanoparticulado e também sao refutados os possíveis efeitos de campo criados por arqueamentos de banda. No entanto, nao foi possível abranger e explicar, num único trabalho de revisao, os fenômenos que controlam a cinética de transferência de carga em filmes nanoparticulados que, até certo ponto, coincidem com os aventados para nanopartículas em suspensao em fase líquida (ou gasosa). Como muitos dos fenômenos sao intrínsecos às propriedades físicas do material enfocado, optou-se por limitar essa revisao ao TiO2 nanoparticulado. A guisa de exemplos práticos, selecionaram-se algumas aplicaçoes do TiO2 nanoparticulado em metodologias modernas de química analítica.

 

TIO2 E SEUS DIFERENTES POLIMORFOS COMO FOTOCATALISADORES

O TiO2 é um material que cristaliza naturalmente em três estruturas diferentes: rutilo (tetragonal), anatase (tetragonal, termodinamicamente mais estável) e brookita (romboédrica, menos estável). Originalmente, os polimorfos rutilo e, especialmente, anatase foram os mais estudados e utilizados como fotocatalisadores. Suas células unitárias consistem em átomos de Ti rodeados por seis átomos de O em uma configuraçao aproximadamente octaédrica com pequenas distorçoes. Em ambas as células as duas ligaçoes nos ápices do octaedro sao levemente mais longas, havendo um pequeno desvio do ângulo de ligaçao de 90º para cerca de 92º no caso da anatase.21 Essa característica juntamente às diferenças na orientaçao dos planos de empilhamento dos octaedros explicam diferenças físicas macroscópicas, como na densidade (3,830 g cm–3 da anatase vs. 4,240 g cm–3 do rutilo),21 e microscópicas, como na estruturaçao de bandas. Band Gaps diretos de 3,2 eV (388 nm) e 3,1 eV (400 nm) sao observados para a anatase e o rutilo, respectivamente.22,23 As estruturas dos cristalitos de anatase e rutilo sao frequentemente descritas em funçao de cadeias de TiO6 octaédrico compartilhando algumas bordas, a saber, quatro no rutilo e duas na anatase.24

A brookita apresenta uma estrutura cristalina relativamente mais complexa do que os demais polimorfos, com oito fórmulas unitárias por célula ortorrômbica. Suas distâncias interatômicas e os ângulos de ligaçao aos grupamentos O–Ti–O sao similares à rutilo e anatase. As diferenças residem nas distâncias de ligaçao entre os átomos de Ti e O, com seis tipos de ligaçao Ti–O e doze ângulos distintos de ligaçao O–Ti–O, enquanto que, na anatase e no rutilo, há apenas dois tipos de ligaçao Ti–O e ângulos O–Ti–O. Os octaedros distorcidos de TiO6 da brookita costumam dividir três bordas entre si.24 Surpreendentemente, somente na última década, os polimorfos de brookita tem recebido especial atençao para aplicaçoes em fotocatálise, constatando-se papel distintivo dessa fase em diversos trabalhos.25-35

Stengl e Králová25 obtiveram a fase brookita pura pela síntese hidrotérmica do peroxo-complexo de titânio na presença de ácido glicólico a 220 ºC. O material foi caracterizado por difraçao de raio X (XRD), difraçao de área selecionada (SAED) e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Isotermas de adsorçao/dessorçao foram usadas para determinar a área superficial (BET) e a sua porosidade. O valor de band gap foi estimado por espectroscopia de refletância difusa na regiao do UV-vis. Como teste da atividade fotocatalítica, o corante Orange II foi degradado em suspensao de TiO2 (brookita) sob irradiaçao de comprimento de onda de 365 nm, observando-se melhora após o material ter sido aquecido a 800 ºC ao ar. Segundo esses autores, a transiçao da brookita ocorre diretamente à forma rutilo na faixa entre 825 e 1125 ºC. Com o aumento da temperatura de anelamento, observaram uma reduçao da área específica do material com elevaçao do caráter mesoporoso, de modo que, o aumento da proporçao de rutilo refreia a decomposiçao fotocatalítica do corante estudado. Portanto, a brookita pura mostrou-se favorável frente à sua mistura bifásica com a rutilo.

Kandiel et al.26 trabalharam na obtençao de nanopartículas de TiO2 compostas por anatase pura, brookita pura e as misturas bifásicas com prevalência da anatase e brookita. Os pós foram caracterizados por difraçao de raio X (XRD), microscopia eletrônica de varredura (MEV) e ensaios de adsorçao de nitrogênio. As transformaçoes entre as diferentes fases, incluindo a rutilo, foram investigadas para tratamentos térmicos na faixa de temperatura entre 400 e 800 ºC. Foi observada a transformaçao direta das formas anatase pura e brookita pura para rutilo, enquanto que para a mistura anatase-brookita, a anatase se transforma primeiro na brookita e, por fim, na rutilo. A atividade fotocatalítica de cada material foi testada pela reaçao de foto-oxidaçao do metanol. As nanopartículas de brookita pura apresentaram melhor desempenho frente às nanoparticulas de anatase pura. Os autores explicaram essa constataçao considerando a cristalinidade e a posiçao da banda de conduçao de ambas as fases. A atividade fotocatalítica da anatase pura se mostrou inferior à mistura com presença minoritária de brookita, o que foi explicado pelo efeito sinérgico entre as duas fases. Por fim, a brookita pura apresentou melhor desempenho enquanto fotocatalisador do que a brookita na presença de anatase em porçao minoritária, e índices comparáveis à atividade fotocatalítica do material com predominância da anatase. Em suma, os autores destacam a atividade fotocatalítica diferenciada da forma brookita pura frente à anatase, e mostram que seus índices podem ser atingidos pela mesma quando ela é sintetizada na presença de pequena quantidade de brookita. Mas, o recíproco nao é verdadeiro, de modo que a pequena presença de anatase piora os índices da brookita. Certamente resultados intrigantes, mas pouco esclarecedores, tornando o sinergismo entre fases discriminativo em termos das fases majoritária e minoritária e abrindo precedentes para maiores estudos.

Tendo em mente que a mistura de diferentes polimorfos de TiO2 ocorre habitualmente pela síntese hidrotérmica em altas temperaturas, que demanda metodologias complicadas e equipamentos caros, Mutuma et al.27 propuseram um método de síntese sol-gel-modificado a baixas temperaturas. Para formar as nanopartículas com os diferentes polimorfos, as amostras foram obtidas controlando-se o pH em ampla regiao, i.e. 2, 4, 7 e 9, e calcinadas em temperaturas entre 200 e 800 ºC. As amostras foram caracterizadas por difraçao de raio X (XRD), revelando que a mistura anatase-brookita pode ser obtida diretamente da síntese ou pela calcinaçao a até 800 ºC, dependendo do pH do meio. A mistura das três fases anatase-brookita-rutilo pode ser obtida pela calcinaçao prolongada das amostras a temperaturas de até 600 ºC pela interconversao de fases. O desempenho fotocatalítico foi testado para as misturas trifásica (anatase-brookita-rutilo) e bifásica (anatase-brookita e anatase-rutilo – TiO2-P25), para a degradaçao do corante azul de metileno. O melhor desempenho encontrado foi para amostras obtidas em pH 2 calcinadas a 200 ºC, com formaçao de misturas bifásica anatase-brookita e trifásica anatase-brookita-rutilo que apresentam atividade fotocatalítica superior do que a da tradicional mistura anatase-rutilo.

Cao et al.28 desenvolveram um método para preparar nanocristalitos de brookita-TiO2 com diferentes composiçoes de fase e estrutura, simplesmente pelo ajuste das quantidades de TiCl4 e t-BuOH no meio reacional. A mistura brookita-rutilo apresentou um excesso de brookita com cerca de 72% (m/m). A atividade fotocatalítica das diferentes misturas de fases sob irradiaçao UV foi conduzida para a degradaçao de fenol para determinar possíveis efeitos sinérgicos. As melhores velocidades de degradaçao foram obtidas para a mistura brookita-rutilo, com constante três vezes maior do que o produto P25 (anatase-rutilo). Os autores atribuíram essa melhor atividade nao apenas à proporçao otimizada das fases, mas também à estrutura bicristalina semi-embutida obtida pelo método de síntese.

Kaplan et al.29 reportaram um procedimento de síntese simplificado para a obtençao da mistura trisfásica anatase-rutilo-brookita, voltada para a mineralizaçao de poluentes emergentes em águas como o bisfenol A (BPA). O processo sol-gel-modificado com um tratamento hidrotérmico subsequente a 175 ºC por 24 h na presença de HCl 3,0 mol L–1 levou à formaçao de TiO2-nanométrico, consistindo na mistura dos polimorfos anatase (43%), brookita (24%) e rutilo (33%) em um mesmo material. Para a avaliaçao da sua atividade fotocatalítica frente aos demais polimorfos e suas misturas, os materiais foram preparados utilizando o mesmo precursor de síntese, sendo que as partículas de brookita foram as menores (~ 20 nm). As eficiências de conversao foram de 85, 23, 100 e 100% para a anatase, rutilo, brookita e P25 (anatase-rutilo), respectivamente; enquanto que para a mistura trifásica anatase-rutilo-brookita foi de 94%. Mesmo com essas elevadas eficiências de conversao, o grau de mineralizaçao para os fotocatalisadores em fase única e pura pôde ser classificado como baixo ou moderado. Independentemente da elevada atividade fotocatalítica das fases anatase e rutilo em separado à degradaçao do BPA, ambos os compósitos, seja o comercial ou o sintetizado, ultrapassam a atividade das formas puras de fotocatalisadores, o que confirma o caráter promissor do uso de nanocompósitos como fotocatalisadores que, segundo os autores, induzem à supressao da recombinaçao de cargas observada nas taxas de mineralizaçao maiores, de 51% para o TiO2 P25 e 59% para o compósito trifásico novo. Quando a reaçao em presença do compósito trifásico é prolongada para 180 min, a mineralizaçao excede 92% da concentraçao inicial do BPA, eficiência essa atribuída pelos autores ao sinergismo das três fases presentes no compósito. A menor extensao de mineralizaçao apresentada pelo produto P25 (anatase-rutilo) foi atribuída ao acúmulo de produtos carbonáceos na superfície desse fotocatalisador.

Bellardita et al.30 reportaram um método para a determinaçao da cristalinidade absoluta de fotocatalisadores de brookita parcialmente cristalinos. Amostras de pó a partir de material mineral natural, comercial e preparados em laboratório foram caracterizados por difraçao de raio X (XRD), espectroscopia RAMAN, microscopia eletrônica de varredura (MEV), espectroscopia de refletância difusa UV-vis e medidas de adsorçao/dessorçao de nitrogênio. A cristalinidade absoluta foi calculada a partir da razao entre a largura máxima a meia-altura do pico (121) de difraçao de raio X da amostra de brookita e o pico (111) do padrao interno CaF2. A atividade fotocatalítica dos pós foi testada para a fotodegradaçao do composto 4-nitrofenol, bem como para a oxidaçao seletiva do álcool 4-metoxibenzílico para o 4-metoxibenzaldeído (p-anisaldeído) sob irradiaçao UV. Os resultados indicaram que a cristalinidade influencia positivamente na foto-oxidaçao do 4-nitrofenol e álcool 4-metoxibenzilico, mas reduz a seletividade para a síntese do p-anisaldeído. Aos autores, o estudo demonstra a importância da execuçao de medidas quantitativas do grau de cristalinidade das amostras de fotocatalisadores.

Choi et al.31 investigaram as propriedades fotocatalíticas de filmes de brookita em sua forma pura. Amostras de elevada cristalinidade foram sintetizadas em folhas de titânio usando reaçao hidrotérmica desenvolvida sem o uso de precursores de elevada toxicidade e seletividade para a estruturaçao de anatase, visando atingir a brookita em sua forma pura. A degradaçao fotocatalítica dos compostos rodamina B, cloreto de tetrametilamônio e 4-clorofenol foram conduzidas sob irradiaçao UV sobre amostras puras de brookita, anatase e rutilo. O trabalho desses autores se baseia na hipótese de geraçao de radicais hidroxila como os principais agentes oxidantes na brookita. A espécie tetrametilamônio atua como uma sonda indicadora da presença de radicais hidroxila livres e com mobilidade, sendo possível detectar sua presença sobre a anatase e brookita puras, mas nao para a forma rutilo. Ademais, a fase brookita mostrou atividade fotocatalítica muito mais elevada dentre os demais polimorfos, apesar de sua menor área superficial quando comparada à anatase. Os autores apontaram as seguintes propriedades da brookita como as principais responsáveis por esse desempenho distintivo: força-motriz maior pelo menor valor de potencial de banda plana, cinética de transferência de carga eficiente com baixa resistência e a geraçao de maior quantidade de radicais hidroxila, incluindo tais espécies em estado móvel. Por conclusao, os autores apontam que o uso dos eletrodos dispensa a etapa de coleta do material e reciclagem pós-tratamento, demonstrando estabilidade excelente e bom controle da velocidade de degradaçao fotocatalítica através da aplicaçao de potencial de polarizaçao sobre o substrato condutor.

El-Sheikh et al.32 estudaram heterojunçoes de anatase-brookita sintetizadas pela introduçao e controle da concentraçao de glicina no meio reacional de tratamento hidrotérmico de Ti2(SO4)3 a 200 ºC por 20 h. Na ausência de glicina, as fases puras de anatase e brookita foram preparadas seletivamente pelo ajuste do pH inicial com NH4OH ou NaOH. Os fotocatalisadores sintetizados foram caracterizados por difraçao de raio X (XRD), espectroscopia RAMAN, espectroscopia de refletância difusa UV-vis, fotoluminescência, medidas de área superficial, espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FT-IR) e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Os estudos de difraçao de raio X revelaram que a quantidade brookita no compósito decai com o aumento da concentraçao de glicina. As nanopartículas de TiO2 preparadas apresentam mesoestruturas com área superficial extensa entre 27.9 e 62.3 m2 g–1. Os autores afirmam que a recombinaçao no material de heterojunçao anatase-brookita apresenta taxas muito menores em relaçao às formas isoladas. Igualmente, seu espectro de absorçao sofreu um deslocamento para comprimentos de onda mais próximos ao visível. A atividade fotocatalítica do compósito foi avaliada para a degradaçao da cianotoxina cylindrospermopsin sob radiaçao policromática na regiao UV-vis. Degradaçao completa da toxina na soluçao aquosa foi atingida em 15 min com velocidade inicial de 175 × 10-3 µmol L-1 min–1, parâmetros considerados pelos autores como distintivos e atingidos devido à sua composiçao cristalina única (61,8% de anatase e 38,2% de brookita), estrutura mesoporosa, elevada área superficial e efeito sinérgico entre as formas anatase e brookita.

Tran et al.33 estudaram a atividade fotocatalítica da brookita em relaçao à anatase, rutilo e o produto comercial TiO2 P25 (anatase-rutilo). A brookita apresentou atividade relativamente alta para a degradaçao de diferentes compostos de elevada toxicidade sob condiçoes de equivalência à luz solar. A brookita e os demais polimorfos de titânia foram sintetizados sob condiçoes de síntese similares, iniciadas sob o mesmo precursor. Os polimorfos de titânia altamente cristalina foram caracterizados por difraçao de raio X (XRD), microscopia eletrônica de varredura (MEV), termogravimetria de calorimetria de varredura diferencial (TG-DSC), espectroscopia RAMAN e espectroscopia de refletância difusa UV-vis. Os valores de band gap dos polimorfos foram determinados com valores entre 3,25 e 3,34 eV. A abertura dos anéis dos diferentes compostos poluentes de elevada toxicidade foi monitorada por espectrofotometria de absorçao molecular na faixa do UV-vis e a mineralizaçao desses compostos foi determinada pelas medidas de carbono orgânico total (TOC). Finalmente, os intermediários de reaçao foram estudados por espectrometria de massas com ionizaçao por electrospray e detector de tempo de voo (ESI-TOF-MS). O caráter recalcitrante dos compostos orgânicos em relaçao ao tratamento fotocatalítico seguiu a seguinte ordem crescente: ácido cinâmico, ibuprofeno e fenol. A ordem geral da atividade fotocatalítica para os diferentes polimorfos seguiu a seguinte tendência: brookita com similaridade à anatase e, ambas, superiores à forma rutilo. De modo notável, as atividades das formas puras sintetizadas por rota hidrotérmica brookita e anatase mostraram-se comparáveis ao produto TiO2 P25, mesmo quando sintetizados sob condiçoes muito mais amenas do que as condiçoes habituais de síntese hidrotérmica. Essa tendência se torna ainda mais notável quando o comportamento frente à mineralizaçao dos compostos é comparado. Segundo os autores, o processo nesse caso se torna mais lento devido à etapa de descarboxilaçao dos intermediários carboxílicos ácidos com um único átomo de carbono.

Allen et al.34 comunicaram o efeito do tratamento térmico na morfologia e na atividade fotocatalítica de pós de TiO2 recém-preparados. Todos foram sintetizados a partir da hidrólise do precursor tetraisopropóxido de titânio, secos a cerca de 110 ºC e subsequentemente calcinados por 1 h a temperaturas de até cerca de 900 ºC. Calcinaçoes a até aproximadamente 500 ºC produziram uma mistura das fases brookita e anatase, enquanto que a mistura das três fases foi observada para calcinaçoes a até 600 ºC. Acima de 823 ºC observou-se a formaçao de rutilo em sua forma pura. As formas foram determinadas por espectroscopia RAMAN. A atividade fotocatalítica de todas as amostras foi testada ao corante alaranjado de metila (MeO) na presença de UV. Todas as diferentes composiçoes da mistura bifásica anatase-brookita resultaram em elevada atividade fotocatalítica com velocidades de degradaçao que decaem com a elevaçao da temperatura de calcinaçao, coincidindo com um pequeno aumento na fase anatase na mistura, pequena reduçao na fase rutilo e um aumento gradual dos tamanhos dos cristalitos de ambas as fases. A melhor atividade fotocatalítica foi observada para amostras calcinadas em cerca de 110 ºC, contendo a maior quantidade possível observada de brookita em presença da anatase como fase predominante. A menor atividade foi observada para a fase pura de rutilo, com as menores velocidades de degradaçao do MeO.

A compilaçao de estudos recentes apresentada acima mostra que a tradicional tendência do uso da anatase pura ou das formas misturadas em diferentes proporçoes de anatase-rutilo para a finalidade de degradaçao fotocatalítica tem mudado consideravelmente. Hoje, a fase brookita é apontada como aquela com melhores índices de atividade fotocatalítica para uma vasta gama de poluentes orgânicos, tanto em estudos fundamentais como em estudos de aplicaçao, seja na forma pura ou em compósitos com as demais fases. Nao se conhece ao certo o porquê desse fato, sendo apresentado um estudo pioneiro nesse sentido na próxima seçao envolvendo a profundidade dos traps dos elétrons em cada material.35 Em antemao, pode-se prever um crescimento considerável no número de aplicaçoes envolvendo a fase brookita em estudos fundamentais e de degradaçao de poluentes de importância ambiental em um futuro próximo.

 

TRAPS E OS FENÔMENOS QUÂNTICOS INTRAPARTICULA ENVOLVENDO OS TRANSPORTADORES DE CARGA FOTOGERADOS

Originalmente, a atribuiçao de classificaçao aos semicondutores como n ou p se deve ao tipo de dopagem empregada, ou seja, se aplica apenas a semicondutores extrínsecos. Nesse caso, ao dopar um semicondutor intrínseco, a sua condutividade no escuro a 298,15 K deixa de ser regulada pela geraçao de transportadores por excitaçao térmica de elétrons da BV para a BC para o processo de ionizaçao do átomo dopante parental. Isso é revelado pelo deslocamento do nível de Fermi, que inicialmente se localiza aproximadamente no centro do Band Gap, para a adjacência da banda corresponde (BC para n e BV para p). A barreira energética envolvida na geraçao de transportadores, por exemplo, para a anatase (TiO2), passa de 3,2 eV para cerca de 0,1 eV, inundando o semicondutor de férmions (elétrons ao tipo n ou lacunas ao tipo p), como anteriormente discutido.20

Todavia, nao é incomum observar o emprego da classificaçao também para semicondutores intrínsecos. O TiO2 no estado intrínseco é considerado um semicondutor do tipo n, enquanto o Cu2O é considerado um semicondutor do tipo p. Essa classificaçao remonta aos estudos iniciais sobre semicondutores intrínsecos mostrando que, para o TiO2, o aumento da pressao parcial de O2 da atmosfera vizinha ao semicondutor diminui a condutividade do material; enquanto que para o Cu2O, causa aumento da condutividade. Essas observaçoes conduziram aos primeiros exemplos para representaçao da transiçao do modelo de conduçao.36

Hoje se sabe que a classificaçao atribuída apresenta maior relaçao com a diferença na velocidade de reaçao entre lacunas e doadores frente à velocidade de transferência dos elétrons para os aceptores do eletrólito.37 O TiO2 é comumente classificado como um semicondutor do tipo n porque as suas lacunas apresentam, via de regra, uma velocidade de reaçao com os seus doadores muito mais rápida do que os elétrons com seus aceptores, fazendo com que os elétrons sejam os transportadores acumulados. Sob irradiaçao (Ehν > Eg), as nanoparticulas desenvolvem uma carga líquida negativa limitada pela reaçao dos elétrons em excesso com aceptores e pela recombinaçao com novas lacunas fotogeradas. Para semicondutores p o inverso se observa, havendo o acúmulo de lacunas e o desenvolvimento de carga líquida positiva nas partículas.

Em termos de escala temporal, a fotogeraçao de eBC e h+BV ocorre na ordem de fs, como uma excitaçao molecular comum.8 Em seguida, observa-se a relaxaçao dos transportadores aos chamados estados de trapping, fenômeno conhecido por ser o verdadeiro supressor da recombinaçao em nanopartículas por descasar as funçoes de onda dos níveis ocupados pelo elétron e a lacuna. Por definiçao, um trap (do inglês, "armadilha") é uma regiao espacial do cristal para a qual os transportadores se movem para promover reduçao da energia livre total do sistema. Traps profundos comprometem o potencial de oxidaçao e reduçao de lacunas e elétrons, respectivamente, podendo também limitar o transporte e a velocidade de transferência de carga. Todavia, os efeitos de supressao de recombinaçao sao bastante reduzidos em traps rasos.20,38

O tempo de relaxaçao para traps rasos depende da amplitude do estado ao qual o elétron foi promovido na banda de conduçao, e é da ordem de 200 fs para éxcitons quentes (níveis distantes da borda) e inferior a 100 fs para éxcitons frios (níveis próximos à borda). Para o caso das lacunas, tanto aquelas ocupando níveis próximos à borda da BV como as situadas em níveis mais elevados, levam menos de 100 fs para decair para um trap raso.39 Isso mostra de modo simplificado que, ao irradiar o TiO2 com comprimentos de onda bem menores do que o equivalente ao Band Gap, o tempo de relaxaçao da lacuna do nível vibracional excitado original para um trap superficial raso, leva menos da metade do tempo despendido pelo elétron. Segundo uma abordagem menos recente,40 a diferença nas massas efetivas dos transportadores poderia justificar um tempo até 40 vezes menor para o trânsito da lacuna do interior à superfície da partícula (mhef = 0,8 e meef > 10). A diferença de mobilidade dos transportadores fica evidenciada também pelos tempos de transiçao de um trap raso para um trap profundo (inter-trap hopping), que sao de 500 ps para o elétron e apenas 100 ps para a lacuna (Figura 1).39

 


Figura 1. Representaçao esquemática do processo de fotoexcitaçao dos elétrons da Banda de Valência (BV) à Banda de Conduçao (BC) por meio de radiaçao com 266 e 355 nm para a formaçao de éxcitons quentes e frios, respectivamente, seguido da relaxaçao para estados de trap rasos e profundos, com indicaçao dos respectivos tempos de transiçao. Adaptado do trabalho de Tamaki e colaboradores39

 

Ao comparar as escalas de tempo desses fenômenos com as do processo de recombinaçao, que demanda cerca de 1 µs em meio aquoso41 ou mesmo 25 µs na atmosfera,42 nao é difícil concluir que a recombinaçao é um processo relativamente lento em TiO2 nanoparticulado, explicável pelo trapping eficiente, e que, muito provavelmente, espécies interfaciais reagem com os transportadores em estados de trap.8

Retomando a discussao dos diferentes nanocristalitos naturalmente formados de TiO2, i.e. as formas alotrópicas anatase, rutilo e brookita, porém agora sob uma perspectiva do processo de trapeamento, Vequizo et al.35 buscaram estudar fundamentalmente os aspectos que levam a fase brookita a ser um material atualmente reconhecido como promissor à fotocatálise frente aos demais. Usando a técnica de espectroscopia de absorçao na regiao do visível ao infravermelho médio com resoluçao de femto a milissegundos, os autores estudaram o comportamento dos elétrons e lacunas fotogerados em cada material puro. Eles observaram que os elétrons sao trapeados em defeitos da brookita em poucos ps, o que diminui o número de elétrons livres na banda de conduçao, mas estende o tempo de vida de ambos os transportadores pela reduçao da probabilidade de recombinaçao. Assim, o número de lacunas interfaciais se eleva e beneficia a extensao dos processos de oxidaçao, enquanto que a reatividade dos elétrons é reduzida, ainda que existente. O mesmo processo pode ser observado nas formas anatase e rutilo, mas em comparaçao à brookita, os traps da anatase sao muito rasos para se observar um efeito sobre o tempo de vida dos transportadores e, os traps da rutilo sao muito profundos até mesmo em comparaçao à energia térmica em temperatura ambiente (kT) para sofrer transferências interfaciais a aceptores. Como os traps na brookita apresentam profundidade intermediária, ambos –elétrons e lacunas– sao transportadores reativos. Esses resultados se alinham com o mencionado em revisao recente,20 que os traps devem apresentar profundidade apropriada, que nao deve ser extremada. Há necessidade de mais estudos para melhor elucidar essas observaçoes recentes do desempenho fotocatalítico distintivo da brookita frente ao rutilo, anatase e misturas dessas formas.

 

A MODULAÇAO DA PROFUNDIDADE DOS TRAPS E SUA INFLUENCIA NA DINÂMICA DOS TRANSPORTADORES

Uma representaçao esquemática útil, tanto do elétron como da lacuna em traps rasos superficiais, para uma discussao geral sobre a transferência de carga é apresentada na Figura 2.

 


Figura 2. Visao pictorial de um elétron (a) → (b) e uma lacuna (a) → (c) ⇌ (d) em traps superficiais rasos na superfície de TiO2 puro após hidrataçao. Adaptado da obra de Minero38

 

Como três tipos de grupamentos hidroxila lineares e três tipos de grupamentos hidroxila de ponte sao descritos na literatura,43 a notaçao simples Ti(OH)(OH) se refere a todas elas e serve para abreviar a representaçao da estrutura (a) da Figura 2. A superfície foi considerada hidratada para evitar a necessidade de descriçao de cargas que dependam da face do cristal, do tipo de ponte de oxigênio, da possível protonaçao e densidade eletrônica.44 O trap raso superficial da lacuna, representada na Figura 2 (flecha à direita), mostra uma ressonância de deslocalizaçao do transportador, regida por uma constate K = [Ti(OH)(O)]/[Ti(O)(OH)]. A estabilizaçao da h+ na superfície ocorre tanto pela energia desenvolvida na reaçao de hidrataçao da regiao como pela energia de hidrataçao dos prótons (H+) liberados de acordo com o pH do meio.38 O fato é que a forma Ti(O)(OH) (c) apenas passa a coexistir com a outra em valores de pH45 acima de 13 e a dissociaçao do hidrogênio ligado ao oxigênio em ponte ocorre em pH acima de 8,0, aumentando a carga líquida do sítio e a probabilidade de localizaçao da lacuna nele [Ti(OH)(O)] (d).45 Essa colocaçao reafirma a influência do pH na profundidade do trap, influenciando diretamente a reatividade e poder oxidante do transportador que o ocupa.

É importante ressaltar que o modelo apresentado pelo diagrama simplificado Ti(OH)(OH) é útil para discussoes de transferência de carga, já que possibilita representar abreviadamente muitas das formas que um transportador em estado de trap pode assumir. Entretanto, outras formas importantes também foram propostas, sendo de particular relevância a forma [Ti–O–Ti], apresentada no contexto de foto-oxidaçao da água.45 Nela, uma lacuna trapeada assume a forma [Ti–O HO–Ti], desenvolvida pelo mecanismo concertado de localizaçao da lacuna e ataque nucleofílico da água. Essa abordagem permite a inclusao de oxigênios superficiais nos produtos de oxidaçao e é consistente com os eventos de reconstruçao da superfície catalítica.

Dado o caráter anfótero das hidroxilas de hidrataçao, a representaçao Ti(OH)(OH) pode assumir as formas Ti(OH2+)(OH) em pH < 2,4 ou Ti(O-)(O) em pH46 > 8, de modo a permitir a formaçao dos traps de lacunas Ti(OH2+)(O) e Ti(O)(O) pertinente a cada meio. Devido ao baixo poder de estabilizaçao que a superfície carregada positivamente apresenta sobre a lacuna, é possível concluir que o primeiro trap apresentado é mais raso para a mesma, com poder oxidante mais alto e maior reatividade frente a adsorbatos doadores de elétrons. Entretanto, para os elétrons, o primeiro estado de trap é mais profundo e estável, com diminuiçao do seu poder redutor e reatividade frente a espécies aceptoras de elétrons fisissorvidas.38 É possível concluir que o ajuste do pH do meio possibilita deslocar a posiçao das bandas e as condiçoes eletrostáticas superficiais a ponto de influenciar a dinâmica dos transportadores de carga, sendo usado para controlar o processo de transferência de carga e possivelmente modificar o caráter do meio interfacial das partículas de oxidante para redutor e vice-versa.47

Os processos de transferência do elétron e da lacuna ocorrem em traps espacialmente separados, havendo inclusive faces cristalográficas específicas na anatase e rutilo com maior reatividade oxidante ou redutora.48 Assim, é plausível assumir que esses processos nao competem entre si pelo mesmo sítio superficial. Na via de reduçao, a transferência de elétrons para o O2 se dá num estado molecular adsorvido, passando pela espécie superóxido (O2.) como um intermediário para a formaçao de espécies reativas como O22-, H2O2/HO2-e HO2. A reaçao de reduçao do oxigênio a superóxido pode levar de 10 a 100 µs dependendo do estado ocupado pelo elétron.49 A etapa primária do processo catódico envolve a interaçao do O2 com as hidroxilas dos sítios de trap da superfície, que podem ou nao sofrer modificaçoes. Por exemplo, a interaçao do O2 com hidroxilas de ponte resulta na liberaçao de um próton e até um elétron para conservaçao de carga.50 Entao há a formaçao das peroxo-espécies (TiOO), precursoras em meio ácido e neutro, que sao transformadas em hidroperóxidos (TiOOH) por abstraçoes de H no escuro.51 É de senso prognóstico comum na literatura que a química de reduçao do O2 nos sítios de traps redutores leva à formaçao de radicais hidroxila.38

Na via de oxidaçao, as reaçoes de transferência de elétrons ocorrem muito rapidamente. A reaçao de oxidaçao do I leva menos de 10 ns, havendo a formaçao de I2 com concentraçao estacionária em cerca de 4 µs.52 Simultaneamente, o decaimento da concentraçao de elétrons por recombinaçao nao é muito diferente do que em meio de elétrólito sem iodeto, provando o acúmulo dos e e a velocidade de reaçao consideravelmente menor deste transportador na interface.52 A reaçao de transferência de carga de alcoóis de pequena cadeia costuma ser ainda mais rápida, bastando, para o metanol (CH3OH/CH3O ou CH2OH), cerca de 300 ps e com 2-propanol, cerca de 3 ns.53 A oxidaçao da água ocorre em menos de 2 µs,49 ou seja, em escala de tempo condizente com a da recombinaçao e/h+ em meio aquoso, que ocorre em cerca de 1 µs.41

 

O CARATER CONTRADITÓRIO/CONTROVERSO DA OXIDAÇAO-REMOTA POR RADICAIS HIDROXILA EM MEIO AQUOSO

Como mencionado anteriormente, assume-se que a reaçao das lacunas com moléculas orgânicas pode ocorrer de forma direta ou mediada por radicais hidroxila ancorados na superfície do TiO2 ou até livres. Casos de oxidaçao-remota já foram reportados na literatura para aerossóis,54,55 nos quais a oxidaçao se deu em regioes nao irradiadas (no escuro). Entretanto, a presença do radical hidroxila livre em soluçao é algo ainda controverso.

A detecçao de HO por Ressonância Paramagnética Eletrônica (EPR ou ESR) foi possível em TiO2 irradiado,56 muito embora ele seja um radical altamente reativo (kcin ~ 1010 L mol–1 s–1)24 e tenha que ser detectado indiretamente por meio de sondas, como o DMPO.57 Por meio de estudos em que se combinou informaçoes obtidas por Espectroscopia Fotoeletrônica no Ultravioleta e Microscopia de Tunelamento com varredura,58 determinou-se que os níveis O2p para os grupamentos hidroxila em ponte e terminais apresentam potencial muito abaixo daquele visto para as bordas da banda de valência do TiO2 na fase rutilo e abaixo do potencial termodinâmico para oxidaçao de água. Esse estudo ainda foi corroborado por cálculos teóricos59 e, em termos eletroquímicos práticos, mostrou que o rutilo apresenta potencial de banda de conduçao inferior ao de reduçao do par H+/H2, nao sendo possível a oxidaçao da água sem auxílio de aplicaçao de potencial de polarizaçao externo.12 Outros autores afirmam que a foto-oxidaçao da água em TiO2 nao produz como intermediário o radical hidroxila, de modo que os agentes de spin trapping reagem com as lacunas em estados de trap superficial.60 Os primeiros estudos de EPR mostram que lacunas fotogeradas costumam estabilizar-se em átomos de oxigênio de ponte a temperaturas baixas (entre 4,2 e 77 K) e, consequentemente, nao produzem radicais hidroxila.61 Essa afirmaçao foi confirmada e, de modo prático, mostrou-se que radicais OH livres nao estao envolvidos na oxidaçao do metanol, mas sim radicais formados na interface do TiO2 a partir de lacunas estabilizadas originalmente em oxigênios de ponte.62

Em um extremo, chegou-se a afirmar, a partir da reaçao da superfície do TiO2 com radicais hidroxila gerados por radiólise de pulso,63 que lacunas trapeadas e radicais hidroxila superficiais sao espécies indistinguíveis. Mais tarde mostrou-se que a reaçao do OH com a superfície do TiO2 realmente nao forma radicais adsorvidos, mas o radical injeta lacunas no semicondutor que, em seguida, forma complexos de transferência de carga entre as lacunas e os íons HO recém formados (HO/HO).64

O que efetivamente se pôde provar até o momento é que as espécies reativas fotogeradas nao sao capazes de migrar ou difundir para longe da interface TiO2/soluçao. Sabe-se que a decafluorobifenila (DFBF) é um adsorvato com forte interaçao tanto com a superfície do dióxido de titânio (TiO2), como com a alumina (Al2O3), havendo baixa troca de uma partícula para outra em suspensoes com a coexistência dos dois materiais (< 5%). Sob esta condiçao de coexistência, mostrou-se65 que é possível degradar o DFBF adsorvido pela açao combinada de H2O2 adicionado ao meio e irradiaçao UV (fotólise gerando OH),13,66 ou somente mediante à irradiaçao UV do TiO2 em estado coloidal formado de partículas muito menores do que as de alumina. Ao empregar nanopartículas um pouco maiores como as do P25, que apresentam diâmetro médio de 25 nm, nao se observa a degradaçao. Ao repetir o mesmo ensaio trocando o DFBF pelo pentafluorofenol (PCP), soluto orgânico com troca rápida entre a alumina ao TiO2, a degradaçao é sempre observada. Com base nessas evidências, concluiu-se que as espécies reativas nao sao capazes de migrar ou difundir para longe da interface na qual foram geradas. Entretanto, o soluto orgânico pode ou nao acessar essa interface, sendo obrigatória a presença de ambos na regiao para que a oxidaçao possa se efetivar.

 

O MODELO DE TRANSFERENCIA DE CARGA BASEADO NO TRAPPING DE TRANSPORTADORES POR ADSORVATOS ORGÂNICOS

No momento em que espécies adsorvem na superfície do TiO2 (Figura 3), observa-se uma mudança na estruturaçao eletrônica e nas propriedades redox dos sítios de Ti(IV) superficiais subcoordenados, o que altera significativamente as propriedades energéticas dos traps e, por consequência, a dinâmica dos transportadores de carga.

 


Figura 3. Visao puramente pictorial de um elétron (a) → (b) e uma lacuna (a) → (c) ⇌ (d) em traps superficiais em sítio de adsorçao da espécie genérica R no TiO2. Adaptado de Minero38

 

Assumindo-se um processo de esfera interna, a reaçao de transferência eletrônica implica na reaçao do transportador com a espécie adsorvida, resultando no seu trapping (trapeamento). A energia do trap superficial ou do transportador trapeado depende basicamente da energia livre de complexaçao do adsorvato. Para a reaçao do adsorvato genérico (R) com uma lacuna representada na Figura 3, de acordo com a equaçao de Nernst, a energia do trap formado depende da razao das constantes de formaçao (βred./βox.) relativas aos complexos entre o substrato e a superfície no estado reduzido (Ti(OH)(OH)) e oxidado (Ti(OH)(O)), resultando nos complexos de superfície Ti(OR)(OH) e o estado ressonante [Ti(OR+∙)(OH) ⇌ Ti(OR)(O)], respectivamente.38 Caso a razao βred./βox. < 1, o potencial do trap é diminuído, formando uma lacuna trapeada em estado superficial intra-band gap. Como para casos de adsorçao direta no sítio Ti(IV) se observa a substituiçao da hidroxila de hidrataçao por um substrato orgânico, o estado de trap Ti(OR)(O) é mais estável e, portanto, mais profundo do que Ti(OH)(O). Essa análise de estabilidade e balanço energético dos diferentes estados de trap formados com cada substrato baseada nas constantes de formaçao dos complexos superficiais é importante, pois, diferentemente do que se possa imaginar, a eficiência do processo de transferência eletrônica depende mais dela do que propriamente da reatividade dos diferentes compostos doadores com o radical hidroxila considerado em estado livre.

Uma prova disso sao os diferentes tempos de transferência de carga que alcoóis de cadeia pequena podem apresentar. O tempo de vida que lacunas trapeadas apresentam na superfície do TiO2 nanoparticulado é de 0,3; 1,0 e 3,0 ns para o metanol, o etanol e o 2-propanol, respectivamente.46 Se, novamente, considerarmos uma transferência eletrônica de esfera interna, cada álcool forma um trap diferente, com sua respectiva profundidade. Nesse caso, a etapa limitante que governa o processo é a liberaçao dos produtos de reaçao do estado [Ti(OR+•)(OH)].38

A força de interaçao do substrato orgânico (e dos produtos de reaçao) com a superfície frente ao solvente é de suma importância para a formaçao do trap interfacial. Entre os parâmetros que a regulam figuram: o pH, a concentraçao do substrato, a competiçao com outras espécies adsorvíveis presentes e até a cinética de reaçao das espécies radicalares formadas com os elétrons na banda de conduçao pode ser determinante. Por exemplo, no caso dos álcoois metanol e 2-propanol reportou-se52 que, em altas concentraçoes, há a formaçao do respectivo cátion radical alcoólico que apresenta reaçao com os elétrons da BC mais rápida do que a sua dessorçao na forma de produto, viabilizando a reaçao de retorno e a chamada recombinaçao mediada. Portanto, uma interaçao muito forte do substrato com o TiO2, ao mesmo tempo que facilita a reaçao com a lacuna, também expoe o produto de oxidaçao adsorvido aos elétrons, de modo que, se nao for facilmente dessorvível (cinética e termodinamicamente), além de nao desocupar os sítios, poderá sofrer reaçoes de reduçao, com retorno à espécie original ou formaçao de outra, limitando a cinética global. Assim, como o processo depende do equilíbrio e da cinética de adsorçao, a formaçao do complexo de superfície é funçao da atividade (concentraçao) do adsorvato e dos produtos na interface, influenciada pelo transporte de massa no bulk e da especiaçao em funçao do pH do meio frente a eventuais equilíbrios ácido-base de desprotonaçao, entre outros fatores. Em algumas circunstâncias, os produtos de foto-oxidaçao formados e sua proporçao podem ainda depender da concentraçao inicial do soluto orgânico, como é o caso do glicerol irradiado em TiO2 P25.67 Em concentraçoes baixas, juntamente ao formaldeído e glicolaldeído observa-se formaçao apreciável de gliceraldeído e dihidroxiacetona. Em concentraçoes maiores, os produtos principais sao apenas o formaldeído e o glicolaldeído.

Em outro modelo tradicional68 visando a explicaçao das diferenças cinéticas observadas na superfície do TiO2, além da possível formaçao de diferentes produtos para diferentes concentraçoes do soluto orgânico, considera-se a existência de dois tipos de sítio no TiO2: aqueles provindos de defeitos onde o Ti(IV) apresenta número de coordenaçao (NC) igual a 4 e o completa, sob hidrataçao, com duas hidroxilas para atingir seu NC de maior estabilidade que é 6 (campo octaédrico); e aqueles em que o Ti(IV) interfacial se encontra no centro da rede cristalina e possui NC = 5, completando sua coordenaçao via hidrataçao com apenas mais uma hidroxila (Figura 4).

 


Figura 4. Superfície do TiO2 (a) recém clivada em vácuo e (b) após exposiçao à umidade e hidrataçao pela coordenaçao de hidroxilas aos sítios de Ti(IV) e protonaçao dos oxigênios de ponte. Adaptado de modelo do trabalho de Regazzoni e colaboradores68

 

Dependendo da estrutura do soluto orgânico, a velocidade de complexaçao nos sítios de IVTi4+ (Figura 4), a transferência de cargae a liberaçao dos produtos formados é tao rápida, que a oxidaçao do composto pode ser simplesmente controlada pelo seu transporte à interface de reaçao. Para o sítio VTi4+, geralmente, alguma etapa da complexaçao/descomplexaçao costuma ser lenta e passa efetivamente a limitar o processo global. Quando a concentraçao de substrato orgânico é suficientemente baixa, a foto-oxidaçao pode ocorrer predominantemente em sítios de IVTi(IV) – sítios raros por representarem defeitos ou bordas das partículas.68 Ao se elevar a concentraçao, a transferência de carga provém da contribuiçao de ambos os sítios.

Outro parâmetro descrito pela diferença nos tipos de interaçao interfacial soluto/TiO2 é a predominância, na natureza, da reaçao de iniciaçao do processo de oxidaçao, seja por captura direta de lacuna na BV ou indireta através de reaçoes com o solvente ou íons do eletrólito de suporte.18,69 Espécies como o ácido fórmico, acético e oxálico tendem a adsorver especificamente na superfície do TiO2. Esses compostos substituem efetivamente as hidroxilas interfaciais coordenadas com o Ti(IV) da superfície, injetando diretamente os elétrons nas lacunas da banda de valência. Outras espécies como os álcoois metílico e etílico tendem a adsorver inespecificamente, e a interaçao do soluto com a superfície é mediada por uma molécula do solvente ou até mesmo pelas hidroxilas de troca, que efetivamente reagem formando o trap e permitem a oxidaçao do soluto. Um estudo criterioso da foto-oxidaçao do fenol, que interage moderadamente com a superfície do TiO2, mostrou que sua oxidaçao ocorre 90% em radicais hidroxila ancorados na superfície (gerados a partir do trapeamento de h+) e apenas 10% por interaçao direta com lacunas na BV.70

Acidos policarboxílicos (p. ex. EDTA, ácido succínico e ácido glutárico) geralmente tendem a interagir fortemente com a superfície do TiO2 no escuro em faixas de pH abaixo do ponto isoelétrico do semicondutor (pHIE = 6,25)46 e acima do pKa dos ácidos.71,72 Mesmo com os grupamentos titanol no estado neutro (Ti–OH), ainda é possível discutir a adsorçao na superfície pela formaçao de traps de lacunas mais estáveis a partir da substituiçao da hidroxila linear pelo substrato. Em valores de pH mais elevados, a adsorçao nao pode ser considerada, uma vez que os grupamentos titanóis carregados negativamente na forma Ti–O passam a repelir os ânions do substrato orgânico. As lacunas sao estabilizadas em traps muito profundos, que comprometem o seu poder oxidante e a sua dinâmica. Nesse caso, os traps dos elétrons fotoexcitados se tornam mais rasos, com poder redutor próximo à BC e com dinâmica mais expressiva do que as lacunas.38

Atualmente, a química de fotocatalisadores de óxidos metálicos como o TiO2 tem se afastado de analogias com geradores de radicais hidroxila livre, p. ex. reaçoes de Fenton,66 e se aproximado à análise dos estados de trap formados pela reaçao da estrutura química presente na interface com o transportador de carga em estudo. Essa abordagem tem permitido a melhor compreensao fundamental dos resultados cinéticos globais observados para as mais diversas reaçoes de foto-oxidaçao. Os estados de trap suprimem a recombinaçao e/h+, que é um processo lento, com tempo característico da ordem de unidades a dezenas de µs dependendo se em meio aquoso ou gasoso. Esse período de recombinaçao permite que a transferência de carga interfacial via lacuna seja um processo competitivo, com tempos característicos que podem variar de centenas de ps até unidades de µs, deixando as partículas com um acúmulo de elétrons a semicondutores n. Como as reaçoes superficiais de reduçao do oxigênio a superóxido costumam demorar de 10 a 100 µs, considera-se usualmente que a reduçao do oxigênio é a etapa limitante em processos de oxidaçao fotocatalítica mediada por TiO2 em suspensao. Caso as lacunas nao reajam com espécies na interface, elas recombinam com elétrons diretamente ou podem atingir estados de trapeamento profundos, sem dinâmica expressiva.

Uma vez que as lacunas sejam trapeadas, o que determina a taxa de formaçao dos produtos de oxidaçao é (i) a força de interaçao do soluto orgânico com a superfície do TiO2, (ii) o poder oxidante dos intermediários radicalares formados e (iii) a velocidade com que os mesmos podem ser reduzidos pelos elétrons. Caso a velocidade de dessorçao dos produtos seja muito maior do que a de acepçao dos elétrons, o processo de foto-oxidaçao ocorre com velocidade máxima. Contudo, caso a taxa de doaçao de elétrons seja comparável à velocidade de dessorçao dos produtos, a recombinaçao mediada se torna mais expressiva e limita a velocidade da reaçao global. Afora isso, o acúmulo de elétrons ainda aumenta a probabilidade de recombinaçao intra-semicondutor com as lacunas recém-fotogeradas, limitando também a sua concentraçao e, portanto, a velocidade de formaçao dos produtos.38

Ao aplicar um potencial de polarizaçao acima do potencial de corrente nula (em analogia ao potencial de bandas planas) em um eletrodo com TiO2 nanoparticulado, observa-se a drenagem de elétrons indicativa de fotocorrente de caráter anódico.72,73 Dessa carga transportada, muito pouco se deve ao carregamento capacitivo, mesmo para amostragens de corrente em tempos curtos.74,75 Primeiramente, porque o Band Gap do TiO2 é muito elevado e os níveis intrínsecos de transportadores térmicos sao muito baixos. Segundo, porque os únicos elétrons que nao foram injetados por solutos orgânicos sob oxidaçao sao aqueles provindos da fotoexcitaçao inicial. Considerando a ordem de grandeza dos tempos típicos de fotoexcitaçao (fs), da reaçao de lacunas com solutos orgânicos (≤ µs) e os tempos típicos de amostragem de corrente em experimentos voltamétricos (≥ 1,0 ms), a corrente medida possui contribuiçao desprezível desses elétrons iniciais fotoexcitados frente àqueles provindos de processos faradaicos. Assim, a corrente anódica medida corresponde praticamente à oxidaçao dos compostos adsorvidos por meio do trapeamento de lacunas seguido pela dessorçao dos seus produtos. Essa corrente expressa o transporte de uma carga provinda de reaçoes passadas, ou seja, a condutividade aparente do material é modulada pelos elétrons acumulados de acordo com a taxa de oxidaçao interfacial.76 Esses aspectos conferem um caráter de sonda ao substrato condutor utilizado como leito às nanopartículas.77 Quanto a supressao da recombinaçao pela aplicaçao de potencial para separaçao espacial do par e/h+ por meio da drenagem dos elétrons até o contraeletrodo, como mostrado por Maeda e colaboradores,78 ela até pode ocorrer indiretamente, ainda que nao provada claramente. Ao reduzir a populaçao de elétrons acumulados, reduz-se tanto a probabilidade de recombinaçao intrapartícula com lacunas recém-fotogeradas, como a recombinaçao intermediada. Todavia isso nao ocorre por atuaçao direta na separaçao do par ambipolar por um campo elétrico, mas sim, por reduçao da populaçao de elétrons acumulados por injeçoes de carga anteriores, regenerando uma condiçao mais próxima da vista logo ao início da irradiaçao.

 

EXEMPLOS DE APLICAÇAO NO CAMPO DA QUIMICA ANALITICA

De acordo com o revisado, em termos práticos, compostos orgânicos solubilizados em água podem ser considerados analitos precursores passíveis de conversao fotocatalítica, formando, como produto de oxidaçao, íons que refletem a composiçao elementar da amostra. Deste modo, uma série de sistemas e metodologias analíticas diferentes pode ser criada para o monitoramento seletivo desses elementos como marcadores de certos poluentes orgânicos em amostras de águas.79 As reaçoes de foto-oxidaçao sao brandas e raramente exigem reagentes adicionais, minimizando a contaminaçao e permitindo o desenvolvimento de estratégias de detecçao/quantificaçao ecologicamente e economicamente favoráveis, além de passíveis de acoplamento com diversos tipos de detectores diferentes pelo emprego de sistemas de operaçao em fluxo contínuo ou intermitente.80 Quando necessário, a separaçao cromatográfica ou eletroforética é capaz de conferir seletividade a grande parte das metodologias, de modo que o princípio de oxidaçao fotocatalítica pode servir nao apenas a propósitos de derivatizaçao, mas também de detecçao, inclusive, mediante imobilizaçao de semicondutores em superfícies de substratos condutores, constituindo a classe dos fotoeletrodetectores. Uma ampla gama de aplicaçoes indiretas à química analítica, que nao será tratada aqui, compreende o tratamento fotocatalítico de resíduos nocivos gerados na operaçao de laboratórios analíticos, especialmente compostos orgânicos.81

 

EMPREGO DE REATOR FOTOCATALITICO PARA DERIVATIZAÇAO PRÉ- OU PÓS-COLUNA EM CROMATOGRAFIA LIQUIDA

Reatores fotoquímicos vêm sendo usados há quatro décadas em conjunto com a cromatografia líquida com o intuito de, por derivatizaçao pós-coluna de certos analitos, torná-los detectáveis ou promover ganhos de sensibilidade, especialmente em combinaçao com detectores fluorimétricos ou eletroquímicos, mas também por absorçao no UV. Possivelmente, um dos primeiros exemplos do emprego de TiO2 nos fotorreatores pós-coluna visando a conversao fotocatalítica dos analitos se deu no início da década de 1990.82 A convergência do efluente da coluna cromatográfica com um fluxo de 0,20 g L-1 de TiO2 em suspensao na entrada do fotorreator possibilitou um pequeno ganho na resposta de fluorescência para alguns pesticidas nitrogenados. Mesmo que o resultado tenha sido tímido para justificar a metodologia representou um salto expressivo como prova do conceito.

Em 1997, foi publicado um trabalho mostrando que a presença de TiO2 no reator fotoquímico melhorava em duas ordens de grandeza os limites de detecçao para fenilalanina.83 É sabido que a detecçao da maioria dos aminoácidos nao é fácil, sendo uma das alternativas recorrer à sua oxidaçao eletroquímica em meio alcalino (NaOH 0,1 mol L-1). Todavia, no caso da fenilanalina, a fotodecomposiçao pós-coluna facilita a detecçao eletroquímica, vez que leva à formaçao de 4 espécies eletroativas: L-dopa e os três isômeros da tirosina (o-, m- e p-).84,85 Kaufman e colaboradores83 observaram grande aceleraçao na fotodecomposiçao da fenilalanina pelo emprego do TiO2 imobilizado na parede interna do reator pós-coluna de Teflon, mesmo para um curto período de residência da amostra. Em seguida Kissinger e colaboradores86 exploraram o uso de um reator fotocatalítico em bobina para a determinaçao por detecçao eletroquímica de 3-nitrotirosina, um possível marcador de peroxinitrito, espécie relacionada com o óxido nítrico e sua citotoxicidade. Um limite de detecçao de 0,5 nmol L–1 foi atingido em condiçoes otimizadas de lâmpada e comprimento de reator, com uma faixa linear de operaçao entre 2 e 100 nmol L–1 (R2 = 0,9898). O produto principal de fotólise pré-injeçao encontrado foi a dihidroxifenilalanina, sendo que o fotorreator apresentou atividade fotocatalítica inalterada por meses de operaçao contínua.

Os autores Todoroki et al.87 desenvolveram um método cromatográfico com detecçao fluorimétrica de 5-hidroxiindóis baseado no processo de derivatizaçao de benzilamina mediado pela oxidaçao fotocatalítica em linha. Em seu estudo, uma coluna fotocatalítica foi implementada como fotorreator de derivatizaçao pré-coluna, a partir de tubulaçao de Tefzel empacotada com esferas de vidro revestidas com TiO2. A derivatizaçao se deu por irradiaçao na regiao do UV-próximo durante a passagem do analito na coluna. Os 5-hidróxiindóis foram continuamente separados em coluna de fase-reversa em 50 min, utilizando a fase móvel composta por tampao acetato 100 mmol L–1 (pH 4,6)-acetonitrila (72:28 v/v) em eluiçao isocrática contendo octanosulfonato de sódio 3,0 mmol L–1. A detecçao se deu em comprimento de onda de 465 nm com a excitaçao em 350 nm. Os limites de detecçao foram na faixa entre 160 e 360 fmol/ 5 µL de injeçao. O método foi aplicado para a determinaçao de ácido 5-hidróxiindol-3-acético em urina humana. De acordo com os registros, essa foi a primeira aplicaçao da derivatizaçao fotocatalítica para a detecçao fluorimétrica sendo que os autores, em seu trabalho, concluem que o sistema analítico proposto poderia se tornar uma forte ferramenta para a análise de vários compostos farmacêuticos e de interesse biológico em matrizes biológicas.

Os autores Cernigoj et al.88 reportaram um método cromatográfico engenhoso com detecçao fluorimétrica para a determinaçao da at, ividade autolimpante baseada em princípio fotocatalítico. Uma camada transparente e sólida de ácido tereftálico deve ser depositada sobre a superfície com suposta atividade fotocatalítica autolimpante e, quando a mesma é irradiada, dentre os produtos de degradaçao correntes, observa-se a formaçao do ácido hidroxitereftálico, espécie altamente fluorófora. O método se mostrou suficientemente acurado, altamente sensível e reprodutível, representando uma opçao promissora para ensaios de padronizaçao e caracterizaçao desse tipo de superfície, sendo que a parametrizaçao de tal atividade autolimpante ainda se faz necessária até os dias atuais. É relativamente simples, rápido e sensível, de modo que a soluçao de ácido tereftálico é estável e permite o preparo de filmes transparentes resistentes à fotólise nas regioes do UVA e UVB em praticamente qualquer tipo de superfície. Certamente, ainda podem ser feitos aperfeiçoamentos utilizando medidas de fluorescência in situ. Algumas limitaçoes foram observadas, como a dependência da quantidade de produtos primários de oxidaçao com a natureza da superfície, principalmente quando índices de acidez muito diferentes dos substratos sao observados, o que influencia diretamente na formaçao do ácido hidroxitereftálico.

Em geral, o uso de reatores fotocatalíticos acoplados a processos de separaçao cromatográficos pode ser uma excelente opçao para explorar a detecçao dos produtos de fotodegradaçao do(s) analito(s) em conjuntos com a vasta gama de detectores disponíveis. Em que pese o uso de TiO2 nesses reatores ter se mostrado promissor para algumas aplicaçoes, revisoes relativamente recentes nao registram disseminaçao significativa da derivatizaçao fotocatalítica, tampouco tentativas de aproveitar o potencial da fotoeletrocatálise para essa finalidade.89

 

EMPREGO DE REATOR FOTOELETROQUIMICO COMO DETECTOR EM CROMATOGRAFIA LIQUIDA

Durante a década de 1980, os detectores fotoeletroquímicos (PED) ganharam grande visibilidade e importância sob o pretexto da possibilidade de unificar a elevada velocidade de reaçoes fotoquímicas com a seletividade e sensibilidade usuais de detectores eletroquímicos.90 A detecçao fotoeletroquímica combina a iluminaçao da superfície de um substrato condutor empregado como eletrodo de trabalho (ET) durante a execuçao de técnica de amperometria, onde o ET é polarizado sob um potencial fixo e controlado. A estratégia permite aproveitar as propriedades eletroquímicas alteradas dos estados excitados fotogerados do analito, seus intermediários ou produtos de reaçao. Os dispositivos mais comuns utilizados nesse contexto sao as células amperométricas em fluxo de camada delgada para acoplamento em linha a colunas de separaçao cromatográficas (PED–HPLC) ou até mesmo sistemas em fluxo (PED–FIA). Em trabalho de 1985, LaCourse e Krull91 mostraram a possibilidade de detecçao via PED de alquil- e aril- cetonas e aldeídos, com resposta linear de 3 a 4 ordens de magnitude e alta repetibilidade entre injeçoes (DPR < 2%). Limites de detecçao muito baixos foram encontrados para derivados de carbonilas conjugadas: 2-10 ng – os mais baixos determinados para a época.

Considerando a clara limitaçao da técnica pela sua dependência com um centro cromóforo partindo do próprio analito, Barisci e Wallace92 propuseram a inserçao de um fotossensibilizador na fase móvel/soluçao transportadora, a benzoquinona (Q), para a detecçao indireta de alcoóis (RCH-OH) pela reaçao com a molécula de quinona excitada (Q*), formando a espécie eletroativa (QH2). Alcoóis sao compostos eletroativos que apresentam elevados valores de corrente anódica inicial, mas que decaem significativamente ao longo do uso prático do eletrodo devido a envenenamentos pelos produtos de reaçao. A detecçao do produto da fotorreaçao (QH2) ocorre em valores de potencial baixos para oxidaçao (QH2/Q), em condiçao de baixo ruído e sinais estáveis com relaçao sinal-ruído favorecida, representando limites de detecçao ainda melhorados pelo uso de amperometria pulsada. A detecçao fotoeletroquímica foi realizada igualmente para uma mistura de alcoóis, após separaçao cromatográfica em coluna e, mesmo para composiçao de eluente favorável à separaçao e nao à detecçao, o limite de detecçao teve pouco aumento em comparaçao àquele determinado ao sistema FIA. Os autores ainda realizaram a determinaçao de etanol em vodka e cerveja e os valores encontrados foram validados frente à técnica de cromatografia a gás por detector por ionizaçao em chama (FID).

O uso de fotossensibilizadores permite a fotoconversao dos analitos independentemente da existência ou nao de centros cromóforos na sua molécula. Mas, ainda assim, o uso indiscriminado de fotossensibilizadores de elevada pureza e altamente tóxicos em fases móveis, como é o caso da benzoquinona, é indesejável. Alguns anos antes, uma versao diferente de detector fotoeletroquímico foi proposta empregando o TiO2 imobilizado no ET como fotocatalisador para as reaçoes de foto-oxidaçao. Fox e Tien93 propuseram um detector fotoeletroquímico para cromatografia líquida a partir de um eletrodo de trabalho de TiO2/Ti e um contraeletrodo de Pt. O detector é sensível a diversos grupamentos funcionais oxidáveis, como a anilina com limite de detecçao de 1,6 µg e, em geral, apresenta melhor resposta quando os analitos sao opticamente transparentes. A resposta do sensor foi descrita como significativamente influenciável pelo grau de adsorçao do analito no TiO2, sendo que a sua sensibilidade dependente da estrutura do substrato orgânico e do grau de oxidaçao, o que pode ocasionar uma resposta seletiva em misturas de materiais similares. Apesar da necessidade de calibraçao da resposta de fotocorrente em funçao da concentraçao para cada composto, a linearidade das relaçoes tornou amena a quantificaçao dos compostos nas regioes de concentraçao trabalhadas. Além disso, os autores ainda ressaltam ser a magnitude de fotocorrente como um indicativo primário da susceptibilidade do substrato à foto-oxidaçao, aplicável como um método de triagem para teste de atividade fotoeletroquímica.

Brown e colaboradores94 desenvolveram um sensor fotoeletroquímico em fluxo para FIA e HPLC baseado em eletrodo de trabalho de fio de Ti termicamente oxidado (TiO2). O detector nao mostrou seletividade, respondendo a uma grande variedade de compostos como aminas, alcoóis aromáticos, hidroquinonas, aldeídos e furanos, com potenciais redox abaixo do potencial da borda da banda de valência do TiO2. Os autores investigaram as propriedades eletroquímicas do sensor no escuro e sob irradiaçao em funçao do sistema solvente, potencial eletroquímico e variáveis da síntese do TiO2. Por exemplo, determinou-se que a temperatura de oxidaçao prévia do fio de Ti, a intensidade da radiaçao incidente, e o potencial aplicado durante a operaçao controlam a magnitude da fotocorrente. Já a duraçao da oxidaçao térmica e a concentraçao de hidrogênio dopante determina a razao de fotocorrente/corrente no escuro para os analitos. Uma linearidade em duas ordens de grandeza foi observada, além de limites de detecçao de 40 e 140 pmol para a p-aminoacetoanilida e dietilamina, respectivamente.

Em empreitada mais recente, Li e colaboradores95 desenvolveram um sensor fotoeletroquímico universal (PECD) empregando TiO2 nanoparticulado sob irradiaçao UV para sistemas FIA e HPLC. O protótipo de detector é bastante compacto e de baixo custo, utilizando como fonte de radiaçao um LED UV. Quando comparado a detectores convencionais, como o UV-Vis, eletroquímico e por fluorescência, o PECD apresentou um custo muito mais baixo, nao sendo seletivo, mas bastante sensível. À guisa de exemplo, operado num sistema FIA, uma grande variedade de compostos orgânicos foi detectada como açúcares, amino-ácidos, alcoóis, ácidos carboxílicos de cadeia linear e aromática. Para os açúcares glicose e sacarose, o sistema FIA com o PECD operando sob condiçoes otimizadas apresentou faixas lineares de operaçao de 25-600 µmol L–1 e 25-500 µmol L–1, respectivamente, com o mesmo valor de limite de detecçao determinado em 10 µmol L–1. Quando acoplado a um sistema HPLC, a faixa linear para ambos os açúcares mencionados foi de 7,5-200 mmol L–1, com limite de detecçao de 1,0 mmol L–1 sob condiçoes otimizadas de operaçao. Essa faixa linear mostrou-se muito mais ampla do que para metodologias envolvendo detectores UV-Vis, além de uma sensibilidade muito maior. Os autores em sua conclusao foram muito otimistas sobre o detector universal PECD e anteviram a disponibilidade comercial desse detector em um futuro próximo, o que ainda nao ocorreu, passados sete anos.

 

EMPREGO DO TIO2 NANOPARTICULADO SOB IRRADIAÇAO UV PARA A DETERMINAÇAO DE POLUENTES ORGÂNICOS EM AGUAS

Os eletrodos de óxidos metálicos em estado nanoparticulado em geral (MOx) apresentam um grande número de aplicaçoes em sensores, como previamente revisado na literatura.96 Eletrodos de TiO2 nanoparticulado, especificamente sob o viés da fotocatálise, apresentam aplicaçoes inclusive em empreitadas comerciais no campo de determinaçao da demanda química de oxigênio (DQO) em amostras diversas de água.97

Uma das primeiras empreitadas com esse propósito data do início da década de 1990, tem por autores Matthews et al.98 e consiste num método para a determinaçao de Carbono Orgânico Total (TOC). Eles usaram o TiO2 para a fotoconversao (mineralizaçao) de compostos orgânicos em CO2 usando uma lâmpada de luz negra de 20 W em uma instrumentaçao do tipo labmade de baixo custo. O método era calibrado com o uso de dióxido de carbono, ácido fórmico e ácido benzoico e se mostrou aplicável a amostras de água contendo concentraçoes de orgânicos na faixa de 0,1 e 30 µg mL–1 de carbono orgânico em volumes de amostra entre 1 e 40 mL. Os tempos de oxidaçao observados foram de 10 min ou menos para a conversao de 99% dos onze solutos orgânicos testados a dióxido de carbono.

Avançando cerca de 15 anos, os autores Visco et al.99 reportaram instrumentaçao voltada para a determinaçao de TOC em amostras de água baseada na degradaçao dos compostos por fotocatálise heterogênea ativada por duas fontes diferentes de luz: uma com máxima emissao em 254 nm e outra de simulaçao do espectro solar. O instrumento era constituído por uma câmara de fotodegradaçao por irradiaçao UV na presença de suspensao aquosa 1 g L–1 em TiO2 (P25) em constante agitaçao, e outra câmara, contendo membrana permeável a gás para a difusao do CO2 formado ao detector. Foram realizadas medidas de CO2 produzido a partir de onze espécies orgânicas diferentes sob os nomes comerciais de Paraclorofenol, D-glucose, Acido Azul 29, Atraton, Aspirina, Dimetoato, Aldicarb, Hidroquinona, (R)-Propanolol, ácido Cítrico e Atrazina, sendo avaliados os valores de TOC experimental frente aos teóricos. O tempo de análise foi fixado para a identificaçao das diferentes tendências de degradaçao bem como do caráter recalcitrante de cada composto. Os autores julgaram como crucial os seguintes fatores ao bom funcionamento da instrumentaçao para a produçao de valores de TOC coerentes: as perdas de gás para a atmosfera, a presença de interferentes na matriz, as diferentes cinéticas de reaçao de foto-oxidaçao, a reprodutibilidade de detecçao, o tempo total de resposta e possíveis fenômenos de envenenamento do fotocatalisador. Uma série de detectores de TOC (ANATOC series II) em linha baseados nesse princípio de detecçao foram comercializados pela SGE International Pty Ltd.100

O grupo do Prof. Isao Karube foi pioneiro101-104 na utilizaçao do processo fotocatalítico para a determinaçao da demanda química de oxigênio em amostras de água no início dos anos 2000. Partindo de um pressuposto nao necessariamente válido de que o TiO2 é capaz de mineralizar quantitativamente todos os solutos orgânicos e que o mesmo número de elétrons injetados em lacunas da BV seria retirado da BC, os autores propuseram o uso de um sensor amperométrico de O2 dissolvido para expressar a DQO. Mais especificamente, quanto maior o conteúdo de material orgânico dissolvido, maior o número de elétrons ocupando a BC e, portanto, maior a taxa de captura de elétrons pelo O2 para sua conversao no íon superóxido, gradualmente esgotando o oxigênio dissolvido. Assim, através da correlaçao linear (Eq. 1) entre um sinal indireto composto pelo decaimento da corrente catódica de reduçao eletroquímica do O2 e o decréscimo da concentraçao do O2 durante a irradiaçao do TiO2 imobilizado em uma membrana de Teflon (PTFE) e, utilizando o íon sulfito (SO32-) como espécie padrao para composiçao de curva de calibraçao, os autores desenvolveram o primeiro sensor da DQO baseado em princípio fotocatalítico.

Em que: ΔC é o decaimento de corrente catódica de reduçao do O2 em µA, y0 é o intercepto correspondente ao branco ou a corrente de fundo em µA (idealmente nulo após a subtraçao do branco analítico), m é o coeficiente angular ΔC/ΔO2 em µA/ppm e ΔO2 é o decaimento da concentraçao de O2 dissolvido em ppm. O dispositivo foi empregado na medida da DQO de amostras de águas residuárias artificiais, compostas por ácido nitrohúmico, ácido tânico lignosulfonato de Sódio, goma arábica e lauril sulfato de sódio sendo que, para 10 amostras contendo 4,10 ppm de DQO determinados pelo método padrao do permanganato, a reprodutibilidade interamostra determinada pelo desvio padrao relativo (DPR) foi de 1,25%, havendo uma estabilidade de resposta por 30 dias de uso diária apresentando, ao final RSV = 5,7%. A faixa de resposta linear se estendeu de 0 e 4,7 ppm. Para amostras reais e n = 6, os valores obtidos com o sensor foram correlacionados com aqueles determinados pelos métodos convencionais do permanganato e dicromato, obtendo-se uma relaçao linear para ambos (Eqs. 2 e 3):101

Diferentes versoes do sensor foram apresentadas, incluindo uma descartável102 e uma para análise por injeçao em fluxo utilizando uma coluna fotoquímica com TiO2 imobilizado, em analogia a sistemas cromatográficos.103 Entretanto, o princípio de funcionamento em todos os casos foi o da mediçao voltamétrica/amperométrica do O2 remanescente com o desenvolvimento da reaçao de foto-oxidaçao. Por isso, todos eles apresentam limite superior da regiao de resposta linear restrito a 4,7 ppm103 em decorrência da baixa solubilidade do O2, ao redor de 8,0 ppm em meio aquoso à 25 ºC. Para o sistema utilizando a coluna fotoquímica,103 a linearidade mostrou-se comprometida para valores acima de 2,5 ppm, sendo sugerida equaçao quadrática para ajuste de correlaçao do tipo – ax2 + bx + c = 0 para estender a regiao até cerca de 5,0 ppm de consumo de O2. O tempo de resposta do sensor se mostrou breve quando comparado aos métodos tradicionais, levando cerca de 3-5 min para a o decaimento completo e estabilizaçao da corrente catódica para a realizaçao da medida diferencial (ΔC). A estabilidade foi boa com o decorrer do uso por 30 dias do sensor de membrana de PTFE (DPR = 5,7% para uma única amostra determinada 3 vezes/dia) e 15 dias para a coluna fotocatalisadora (DPR = 4,40% para um total de 45 amostras).

Em outro estudo,104 o grupo do Prof. Karube comparou a DQO teórica com os valores práticos determinados para 20 compostos orgânicos separados em quatro classes diferentes (açúcares, álcoois, ácidos carboxílicos e derivados de benzeno) pelos métodos tradicionais e pelo método fotocatalítico, concluindo que os tradicionais apresentam sistematicamente valores menores do que o teórico para os álcoois e ácidos carboxílicos, além de exigirem modificaçoes nos protocolos-padrao, enquanto que o método fotocatalítico apresenta valores concordantes para as quatro classes de compostos, mantendo o mesmo protocolo. Mais especificamente, a média reportada da DQO para os 4 grupos de compostos foi de 99% (r = 0,96; n = 8) do valor teórico para o método do dicromato e 68% (r = 0,82; n = 8) para o método do permanganato. Essa divergência se deve, principalmente, à consideraçao, no cálculo teórico, de que a reaçao de oxidaçao dos orgânicos ocorre em extensao máxima, resultando em produtos finais como CO2, NH3, H2PO4-, SO42- e H2O, o que nao necessariamente ocorre. O baixo coeficiente de correlaçao de ajuste ao método do MnO4. (0,82) se deve justamente aos grupos de compostos de álcoois e ácidos carboxílicos, que tem valores de DQO sistematicamente abaixo da curva linear média e, portanto, se afastam da condiçao de mineralizaçao das amostras. A constante de calibraçao empírica do método fotocatalítico reside em torno de 10% para qualquer uma das quatro classes de compostos, mostrando a formaçao de produtos de oxidaçao ainda distantes da mineralizaçao.

A próxima contribuiçao marcante ao campo de desenvolvimento de sensores para a DQO usando o processo fotocatalítico em TiO2 veio do grupo do Prof. Huijun Zhao105 que, por princípio, abandonou o foco na medida voltamétrica do esgotamento do oxigênio dissolvido para superar a já citada limitaçao imposta pela baixa solubilidade do gás. As nanopartículas de TiO2 foram imobilizadas em um substrato cerâmico-condutor de ITO (Indium-Tin Oxide), permitindo a aplicaçao de potenciais de polarizaçao. Uma célula de camada delgada foi empregada, com volume de compartimento anódico de 13,5 µL (0,18 mm de espessura). Como fonte de radiaçao, utilizou uma lâmpada de arco de Xenônio (150 W) com lentes focalizadoras e um filtro para barrar o infravermelho. O princípio de medida passou a ser a determinaçao da carga formal de oxidaçao provinda da fotoeletrólise exaustiva dos orgânicos contidos na célula. Ao substrato de ITO aplicou um potencial de +0,3 V vs. Ag/AgCl para a coleta dos elétrons fotogerados, assim como discutido na seçao anterior.

Essa carga formal, obtida por integraçao da corrente em registros de cronoamperogramas a potencial controlado, foi considerada equivalente à de reduçao do O2 no método anterior. Uma simples deduçao provinda da Lei de Faraday, mostrada na Eq. 4, permite obter uma expressao para correlaçao direta da DQO (em mg L–1 de O2) com a carga formal medida:

Em que C(O2) é o valor de DQO em mg de O2/L (ppm), Q é carga formal medida experimentalmente em C, F é a constante de Faraday (96485 C mol-1), V é o volume interno do compartimento catódico em L, MM(O2) = 32,00 g mol–1, (O2/H2O) = 4e e 103 é o fator de conversao g → mg. O tempo necessário para completar a determinaçao varia de 1 a 5 min, dependendo da concentraçao dos solutos orgânicos a serem degradados na amostra. Com a finalidade de validaçao do método, os autores correlacionaram o valor de DQO do sistema fotoeletrocatalítico cunhado de PECOD com o valor teórico esperado da DQO para oito compostos de natureza química diferente: p-clorofenol; hidrogenoftalato de potássio (KHP); metanol; D-glucose; ácido malônico; ácido succínico; ácido glutárico; glicina; e a mistura dos oito compostos com valor de DQO resultante igual às soluçoes anteriores. Observou-se uma relaçao linear satisfatória entre as variáveis (R2 = 0,990), com coeficiente angular de 0,9957 e intercepto de – 0,2333. Esses valores de DQO obtidos com o PECOD ainda foram correlacionados com aqueles determinados pelo método tradicional do dicromato, obtendo-se novamente uma relaçao linear satisfatória, com coeficiente de correlaçao r = 0,995, sendo o coeficiente angular de 0,9887 e intercepto de – 0,3932. Para amostras reais de águas provindas de sistemas de tratamento de águas, refinarias de açúcar, cervejarias e fábricas de conservas foi alcançada excelente equivalência com o método tradicional (r = 0,987, coeficiente angular 1,004 e intercepto –0,0384). Por ser independente da solubilidade do O2 na soluçao da amostra, o limite superior de valores de DQO determinados com o novo método se estendeu a 60 ppm. Outro aspecto favorável do advento da aplicaçao de potencial de polarizaçao ao substrato condutor de ITO acompanhado de mediçao de carga é que se trata de método absoluto (independe de calibraçao), e foi considerado pelos autores capaz de mensurar praticamente a DQO teórica das amostras devido à alta eficiência de oxidaçao do TiO2 sob irradiaçao UV e à boa exatidao das medidas coulométricas. Uma versao simplificada da instrumentaçao foi publicada,106 na qual a lâmpada de arco de Xe, as lentes focalizadoras e o filtro de infravermelho foram substituídos por um LED UV. O desempenho do protótipo foi tao satisfatório que originou um produto comercial da empresa Aqua Diagnostic, hoje denominado PECOD modelo L100.97

Para mais exemplos de aplicaçoes no campo de análises de poluentes orgânicos em águas usando TiO2 nanoestruturado, vide referência.107

 

O EMPREGO DO TIO2 NANOPARTICULADO SOB IRRADIAÇAO UV PARA A ABERTURA DE AMOSTRAS E DETERMINAÇAO DE METAIS

Em química analítica, mais precisamente dentro do conceito de sequência analítica, o preparo e tratamento de amostras é uma área fundamental para a obtençao de resultados acurados e, posteriormente, para uma resposta coerente ao problema em estudo. Igualmente, é a área em que, frequentemente, se alocam a maior parte dos recursos materiais e humanos para a realizaçao de uma análise, seja diretamente no processo ou indiretamente pelo tempo despendido, acumulando inclusive a maior parcela dos erros experimentais, juntamente às questoes de representatividade na etapa prévia de amostragem. Quando se recorre a técnicas analíticas de separaçao e determinaçao em fase líquida, as amostras originalmente em meio aquoso ou orgânico já possuem uma grande vantagem frente, por exemplo, às amostras sólidas nao-homogêneas e/ou difíceis de solubilizar, vez que procedimentos adicionais sao necessários para transferir os analitos para a fase líquida de forma quantitativa e representativa. Mas, ainda assim, dependendo da técnica analítica, pode ser necessária a aplicaçao de certos tratamentos para que o analito fique inteiramente disponível para participar do processo responsável pelo mecanismo de detecçao, servindo de exemplo a necessidade de digestao da matéria orgânica dissolvida (DOM) em amostras aquosas antes da determinaçao da concentraçao total de metais, por voltametria ou espectrometria atômica.108-110

A presença de espécies orgânicas solúveis como os ácidos fúlvicos ou húmicos em amostras de água leva à formaçao de complexos organometálicos que, dependendo da técnica de detecçao, podem apresentar sinal analítico distinto (via de regra, menor) do metal livre (aqua-complexo do íon metálico), comprometendo o resultado da determinaçao quantitativa total (salvo quando o intuito é o de realizar especiaçao, p.ex., da biodisponibilidade de íons livres do metal). Estratégias convencionais típicas para determinaçao total de metais por espectrometria atômica ou voltametria se baseiam no uso de ácidos inorgânicos concentrados em sistemas de digestao abertos ou fechados em bombas pressurizadas, com aquecimento em fornos, muflas ou, em abordagens mais modernas, forno microondas.111 Essas medidas sao efetivas, mas caras, pois, além do equipamento, demandam cuidados com a segurança, reagentes de altíssima pureza para evitar contaminaçao e tratamento de efluentes. Uma estratégia presente na literatura há meio século, aplicável a amostras com carga baixa de matéria orgânica (noutros termos, DQO pequena), baseia-se no uso da radiaçao UV para a destruiçao da matéria orgânica, ao menos até o ponto de comprometer a sua açao complexante, liberando o metal e normalizando sua onda voltamétrica.109,110,112

Os mecanismos mais comuns de decomposiçao da matéria orgânica dissolvida por radiaçao UV envolvem centros cromóforos absorventes, seja das próprias moléculas orgânicas ou de fotossensibilizadores adicionados às amostras (ex. azul de metileno, rosa Bengala ou riboflavina), induzindo à formaçao de espécies reativas oxidantes como o oxigênio singlete (1O2), superóxido (O2-) ou até mesmo o reativo radical hidroxila (OH).110,112 A espécie reativa oxidante precursora formada depende basicamente do sistema gerador empregado, que pode induzir ao processo de fotooxigenaçao do tipo I, II ou III, formando, respectivamente, radicais orgânicos a partir de reaçao direta do fotosensibilizador em estado triplete excitado com o substrato (posteriormente formando R–OOH), oxigênio singlete ou superóxido.113

O TiO2 também pode ser empregado em um contexto de fotocatálise heterogênea, como um gerador de espécies reativas para a decomposiçao de espécies orgânicas. Alguns exemplos apresentados na literatura sao a produçao de superóxido por reduçao do oxigênio molecular pelos elétrons na BC (O2/O2-), radical hidroxila pela abstraçao de hidrogênio em moléculas de água (H2O/OH – ainda que hoje questionável como discutido acima), H2O2 provindo da recombinaçao de radical hidroxila (OH/H2O2) ou reduçao do superóxido (O2-/H2O2), radical hidroperoxil formado pela abstraçao de hidrogênio do peróxido de hidrogênio (H2O2/HO2) e radicais orgânicos formados pela captura direta de lacunas na BV.112

No aspecto da aplicaçao do TiO2 como um fotocatalisador em substituiçao aos procedimentos com oxidantes concentrados a decomposiçao de matéria orgânica visando a determinaçao da concentraçao de metais, Cavicchioli e Gutz foram pioneiros,114 com um sistema em fluxo (Figura 5) dentro de um conceito de automaçao contemporâneo ao seu tempo, acoplando as etapas de injeçao do plug de amostra monossegmentado em fluxo, adiçao da suspensao de TiO2 à amostra, fotodigestao em linha por exposiçao à radiaçao de lâmpada de Hg de média pressao, retirada de bolhas e reduçao do O2 dissolvido, reduçao Cd(II)/Cd(0)-Hg para acúmulo/pré-concentraçao do analito em potencial negativo e a sua redissoluçao anódica por varredura de potencial no sentido positivo (Anodic Stripping Voltammetry).

 


Figura 5. Representaçao esquemática do sistema em fluxo: (a) amostra, (b) soluçao carreadora tampao acetato (pH 4), (c) suspensao de TiO2 P25, (d) bomba peristáltica, (e) injetor proporcional em posiçao de amostragem, (f) fotorreator UV com lâmpada de Hg, bobina de reaçao de PTFE e exaustor com termostato, (g) unidade extratora de bolhas, (h) dispositivo degaseificador para remoçao de O2, (i) capilar de sílica revestido com poliimida, (j) célula voltamétrica com adaptador "wall jet" no eletrodo de gota pendente de Hg para acumulaçao e detecçao de Cd(II) e (k) equipamento para voltametria. PC: ponto de confluência de fluxo. Adaptado de Cavicchioli e Gutz114

 

O EDTA (ácido etilenodiaminotetracético) foi escolhido como modelo de matéria orgânica a decompor e sua presença em concentraçao igual ou superior à do íon Cd(II) com formaçao do quelato Cd(II)–EDTA, com supressao da onda de reduçao voltamétrica do íon do metal hidratado, possibilitando o monitoramento do processo fotocatalítico. Isso porque à medida que a capacidade de coordenaçao do EDTA é comprometida pelo processo de foto-oxidaçao mediado pelo TiO2, a onda voltamétrica é regenerada gradualmente. Para recuperaçao completa, um volume de amostra sintética de 150 µL contendo Cd(II) 0,01 mmol L–1 e 0,1 mmol L–1 de EDTA em meio de tampao acetato de pH 4 levou pouco mais de 2,5 min de irradiaçao à 30 ºC. A presença de 0,1% m/m de TiO2 no plug de amostra nao afetou a onda polarográfica, apesar de certa quantidade do fotocatalisador permanecer aderida na gota de Hg. Essa retençao foi reduzida pela operaçao em fluxo contínuo e a substituiçao da gota para cada replicata experimental.

A degradaçao do complexo Cd(II)–EDTA também foi conduzida em matrizes reais como amostra a água coletadas nos rios Pinheiros e Tietê (Sao Paulo, SP), e uma loçao de limpeza facial comercial. Como nao foi detectada nenhuma concentraçao de Cd(II) para um limite de 1,0 µg L–1, mesmo para tempos longos de degradaçao na presença ou ausência de TiO2, as matrizes de água altamente poluída foram reforçadas com uma concentraçao de 30 µg L–1 na presença de excesso de EDTA (500x), enquanto a amostra de loçao facial foi diluída na proporçao 1:10 em meio de tampao acetato pH 4,0 e reforçada com uma concentraçao 30 µg L–1 em Cd(II) apenas, já que o produto apresenta em sua composiçao concentraçao de EDTA mais que suficiente para suprimir a onda voltamétrica de redissoluçao do metal na concentraçao de reforço empregada. A onda voltamétrica de redissoluçao pôde ser plenamente recuperada em pouco mais de 1 min para as amostras de água e 5 min para a amostra de loçao facial, cerca de 5x e 4x, respectivamente, mais rápido do que o método de fotodegradaçao UV convencional na ausência do fotocatalisador ou de qualquer outro oxidante e/ou fotossensibilizador.

Assim, o estudo mostrou que o processo de degradaçao UV pode ser expressivamente beneficiado em termos de eficiência pelo emprego de TiO2 como fotocatalisador, mesmo quando realizado em reator tubular de PTFE em substituiçao ao de quartzo, mais transparente nos comprimentos de onda mais curtos e energéticos do espectro da lâmpada de vapor de Hg, requeridos para a fotodegradaçao convencional. Os autores ainda sugerem que a otimizaçao de alguns parâmetros, como a temperatura, o fluxo radiante e a concentraçao de O2 dissolvido, em combinaçao ou separadamente, pode trazer melhoras significativas na eficiência do protótipo. Contudo, o mesmo já foi suficiente para trazer resultados diferenciados, afora apresentar ineditamente a possibilidade de acoplamento do reator fotocatalítico com TiO2 em suspensao com a célula voltamétrica com eletrodo de gota pendente de mercúrio, abrindo perspectiva de desenvolvimento de métodos rápidos e de baixo custo para a determinaçao da concentraçao total de diversos metais em paralelo com a sua especiaçao, compatíveis com a operaçao em campo.

Uma questao importante ao sistema apresentado por Cavicchioli e Gutz114 é a sua adequaçao para sistemas utilizando detectores que sofrem interferência pela presença de material particulado suspenso, por exemplo, os espectrofotométricos. Adiçao de etapa de centrifugaçao ou filtraçao alonga o procedimento analítico e nao assegura a remoçao completa das partículas menos aglomeradas da dispersao coloidal. No caso especial de analitos que podem ser transferidos da amostra tratada em fase líquida para a fase gasosa, e.g., elementos que formam hidretos voláteis, essa alternativa pode ser explorada. Serve como primeiro exemplo a decomposiçao fotocatalítica de arsenobetaína (refratária aos tratamentos convencionais de abertura de amostra) seguida de reaçao entre os íons de As liberados e o borohidreto de sódio, com formaçao de arsina, arrastada, por sua vez, por um gás inerte para um forno tubular situado no caminho óptico de um espectrofotômetro de absorçao atômica.115

A soluçao mais geral para a questao colocada consiste na imobilizaçao do TiO2 no interior do fotorreator. Essa aproximaçao impoe certos requisitos à geometria do fotorreator, pois as espécies a serem decompostas precisam alcançar a superfície (parede) que suporta o fotocatalisador, por sua vez, abundantemente irradiada. Por ser lento o transporte difusional, podem ser consideradas, separadamente ou combinadas, alternativas como: promover convecçao, confinar a soluçao em (micro)canais, tubos finos, material poroso transparente ou entre planos paralelos próximos (camada delgada). Considerando esses aspectos e visando a miniaturizaçao do fotorreator, com substituiçao da lâmpada de Hg por LEDs (diodos emissores de luz) de emissao UV como fonte de radiaçao, Daniel e Gutz propuseram,116,117 em posiçao pioneira, um protótipo conceitual de célula microfluídica (Figura 6) que acopla as etapas de abertura de amostra por digestao fotocatalítica com irradiaçao por LED-UV do TiO2 imobilizado em CD-trodo de ouro e a detecçao de metais por voltametria de redissoluçao anódica (ASV), tudo isso em um volume confinado projetado acima do eletrodo de cerca de 19 nL (0,1 cm de comprimento x 0,1 cm de largura x 19 µm de espessura).

 


Figura 6. Representaçao esquemática da célula fotocatalítica microfluídica: ER - eletrodo de referência Ag/AgCl miniaturizado de ponteira de pipeta, LED-UV - NSHU550A (100 mW), ET - eletrodo de trabalho de ouro modificado com TiO2 P25 com 0,01 cm2 de área geométrica, EA - tubo de aço inox usado como eletrodo auxiliar e saída de soluçao. MT - máscara de tonner transferida termicamente usada para delimitar o micro-canal interno da célula de 1,1 cm de comprimento e 0,1 cm de largura. Considerando a espessura de 19 µm da célula, o seu volume interno total é de cerca de 210 nL. Adaptado de Daniel e Gutz116,117

 

A célula fotoquímica microfluídica foi construída com recursos acessíveis a um laboratório químico convencional, utilizando a transferência térmica de máscara de tonner em CDs com filme superficial de ouro em duas etapas: uma para a definiçao da geometria dos eletrodos e a outra para a dos canais do percurso analítico interno.116 O TiO2 P25 foi imobilizado fisicamente pela sua oclusao parcial em filme de Au eletrodepositado, proveniente de uma suspensao compreendendo íons de [AuCl4] e nanopartículas do fotocatalisador, sendo essa modificaçao dos eletrodos de ouro realizada na própria célula microfluídica de modo rápido e com o mínimo consumo de reagentes. O LED UV com emissao máxima em 365 nm e potência nominal de 100 mW foi focalizado no eletrodo de trabalho de ouro modificado com TiO2 (definido na superfície do CD, que serve de substrato) sendo o processo de fotodegradaçao conduzido em condiçao de fluxo temporariamente interrompido. O sistema modelo eleito para os estudos de recuperaçao da onda voltamétrica do metal foi o Cu(II)-EDTA (Kf = 6,31 × 1018 a 25 ºC). A onda voltamétrica do Cu(II) em concentraçao de 1,0 mmol L–1 em meio de tampao acetato pH 4,7 é suprimida pela presença de excesso de EDTA, nesse caso empregando-se o dobro da concentraçao do metal. A irradiaçao do eletrodo modificado banhado pela amostra sintética induziu a destruiçao do agente quelante, levando à recuperaçao completa da onda voltamétrica do Cu(II), idêntica àquela registrada na ausência do EDTA, em menos de 4 min em potencial de circuito aberto.117

Segundo os autores, as condiçoes experimentais nao foram otimizadas e a aplicaçao de potencial para polarizaçao positiva ao substrato de ouro foi apontada como um parâmetro expressivo para aceleraçao do tratamento de amostras. Em sendo aceitáveis ou superadas as limitaçoes que serao discutidas abaixo, a tecnologia apresentada detém forte potencial para o desenvolvimento de sistemas automáticos de baixo custo para a determinaçao da concentraçao total de alguns metais e metaloides em eletrodo de ouro ou de outro material. A miniaturizaçao proposta é compatível com operaçoes em campo, inclusive favorecida pelo baixo volume de amostra requerido e as condiçoes amenas de abertura à temperatura e pressao ambientes, sem o uso de ácidos ou demais agentes oxidantes concentrados geralmente requeridos por técnicas convencionais de digestao, aproveitando-se de uma fonte de irradiaçao fria, compacta, de fácil energizaçao e elevado tempo de vida. A escala de tratamento de amostra em termos de volume é bastante coerente com aqueles aplicados em eletroforese capilar, seja convencional ou em chip, sendo que o acoplamento poderia permitir investigaçoes cinéticas e mecanísticas da decomposiçao fotocatalítica através do monitoramento dos produtos de oxidaçao carregados formados. O protótipo se mostra promissor para integraçao em labs on chips e sistemas micro-TAS (Micro-Total Analysis System).

As principais limitaçoes da célula fotocatalítica microfluídica dizem respeito à necessidade de sistema de propulsao com baixíssima vazao para sua operaçao118 e, como decorrência da pequena espessura do filme líquido na célula e consequente resistência ôhmica elevada, ao controle de potencial deficiente mesmo para concentraçoes de eletrólito elevadas frente ao analito, devido à queda de potencial nao-compensada (iR) ao longo do percurso da ponta do eletrodo de referência até a superfície do eletrodo de trabalho, que também nao se apresenta isopotencial em toda a sua extensao. Como no início dos anos 2000 os LED UV surgiram, mas ainda com potências e fluxos radiantes bastante baixos (a exemplo o LED NSHU551A da Nichia de 100 mW),119 a mínima espessura apresentada nas células microfluídicas era um requisito, já que o diodo emissor nao daria conta de destruir com brevidade muito além do que a quantidade de matéria restringida no volume projetado acima do eletrodo. Mas, no início dos anos 2010, os LEDs UV de maior potência foram integrando o mercado, como o modelo NCSU033C da Nichia com potência nominal de 3,0 W,120 sendo assim possível aumentar a espessura das células, atingindo a condiçao de células de camada delgada convencionais, como aquelas utilizadas em detectores de HPLC,121 melhorando consideravelmente o controle de potencial durante a operaçao. Desse modo, Baccaro e Gutz122 desenvolveram um protótipo de camada delgada do tipo sanduíche com espessura de 0,6 mm (Figura 7).

 


Figura 7. Representaçao esquemática da célula fotocatalítica de camada delgada do tipo sanduíche: LED UV - NCSU033B; ER - eletrodo de referência Ag/AgCl miniaturizado de ponteira de pipeta; EA - tubo de aço inox usado como eletrodo auxiliar e saída de soluçao; ET - eletrodo de trabalho de ouro modificado com TiO2 P25. Adaptado de Baccaro e Gutz122

 

A célula fotoquímica de camada delgada do tipo sanduíche foi montada a partir de um bloco inferior constituído de um eletrodo comercial próprio para esse tipo de célula (MF-1030 da BASi), e um contra bloco superior construído usando uma máquina com corte LASER controlado por um microcomputador. Ele é constituído basicamente por uma placa de acrílico com perfuraçoes para entrada e saída de soluçao, encaixe do eletrodo de referência, cavidade para alocaçao do LED UV e orifícios para aparafusamento. Uma placa de policarbonato selada na sua parte inferior funciona como janela transparente ao LED UV.

O esgotamento da matéria orgânica presente no volume projetado acima do eletrodo de trabalho modificado com TiO2 (~ 4,2 µL) nao foi possível mesmo com o uso de LED UV de maior potência e a aplicaçao de potenciais próximos ao limite máximo ao eletrodo de ouro (formaçao de filme de óxido áurico), sendo um indício de que a velocidade de reaçao de foto-oxidaçao nao consentia a operaçao desejada em escala de tempo hábil. O LED-UV utilizado pode ter seu fluxo radiante intensificado mediante aumento da corrente de alimentaçao, com consequente crescimento da dissipaçao de calor na junçao, obrigando ao uso de sistema de arrefecimento mais efetivo que o dissipador passivo (p. ex. fluxo de ar ou água). O uso de dispositivos mais potentes formados por uma matriz de LEDs é interessante, mas, nao prescinde de sistema de arrefecimento eficiente e, para eletrodos de área pequena, pode requerer focalizaçao da radiaçao incidente por lentes colimadoras.

Esse protótipo pioneiro mostrou a necessidade de avaliar e otimizar diversas variáveis antes da retomada da escala microfluídica, como foi o caso do (i) protocolo de depósito do filme de TiO2 P25 sobre o substrato de ouro para geraçao de filmes com melhor aproveitamento da radiaçao incidente e, assim, melhor atividade fotocatalítica,73 (ii)da escolha de um eletrólito de suporte que nao competisse com o EDTA pela captura de lacunas, como se observa com o tampao acetato,123 ou mesmo que nao competisse pelos sítios de adsorçao, como é o caso do fosfato (PO43-) e suas espécies (H3PO4, H2PO4 , HPO42-)124 e (iii) da revisao do efetivo papel do potencial aplicado para polarizaçao positiva do substrato de ouro como catalisador das reaçoes de foto-oxidaçao no filme nanoparticulado.20 Alguns destes fatores ainda seguem em estudo.

Entretanto, um novo conceito foi apresentado,122 segundo o qual o esgotamento pleno da matéria orgânica é desnecessário, mesmo para o modelo Cu(II)–EDTA 1,0 mmol L–1 em meio de excesso de 1,0 mmol L–1 de EDTA livre, sistema com o quelato altamente estabilizado no equilíbrio. A degradaçao fotocatalítica rápida, ou seja, realizada durante curto período de irradiaçao, foi proposta como uma abordagem para a estimativa da carga orgânica de amostras concomitante ao seu preparo para a determinaçao da concentraçao total de metais por voltametria de redissoluçao anódica (ASV). Registros de voltamogramas cíclicos no escuro entre –0,3 e +0,7 V vs. Ag/AgCl nao apresentam as ondas de redissoluçao do Cobre (Cu0/Cu2+) devido à supressao da reduçao do Cu2+/Cu0 sobre o eletrodo causada pelo excesso de EDTA. Todavia, os registros sucessivos sob a irradiaçao do LED UV apresentam uma onda voltamétrica gradualmente crescente relativa aos íons de Cu(II) suficientemente descomplexados, uma evidência da fotodegradaçao do EDTA na interface. A fotocorrente correspondente a esse processo se sobrepoe ao voltamograma do metal na forma de uma corrente residual que aumenta com o potencial e a concentraçao de EDTA presente, permitindo, deste modo, a estimativa inespecífica da concentraçao de orgânicos na amostra.

Imediatamente após a desativaçao do LED UV, a onda voltamétrica do Cu(II) ainda se mantém sem a sobreposiçao da fotocorrente, todavia, decrescendo gradualmente com o tempo, ou seja, por reposiçao difusional de EDTA na interfase e recomplexaçao dos íons do metal. O aproveitamento dessa condiçao permitiu a determinaçao voltamétrica do Cu(II) beneficiada pela ausência de uma linha base elevada pela fotocorrente.

A possibilidade de degradar o EDTA (e outros orgânicos) e simultaneamente recuperar o Cu(II) (ou outros metais) por simples varredura de potencial com o eletrodo sob irradiaçao oferece grande versatilidade no desenvolvimento de novas metodologias, nao apenas analíticas, mas também de remediaçao ambiental. A fotodegradaçao, possivelmente, ocorre mais lentamente em valores de potencial mais baixo, condizente com a deposiçao dos metais, mas ao se poder recuperar o metal recém-liberado por eletrodeposiçao na própria superfície do substrato do fotocatalisador, evita-se a necessidade de transportar o metal da interface do eletrodo irradiado até o contraeletrodo, agilizando a descontaminaçao pela simples aplicaçao de uma programaçao com alternância de potenciais. Em face de metodologias eletroanalíticas com a análise por redissoluçao anódica (anodic stripping voltammetry), a pré-concentraçao pelo acúmulo de Cu(II) eletrodepositado já era uma rotina comum e obrigatória. A possibilidade de proceder a pré-concentraçao sob irradiaçao do eletrodo modificado com TiO2 com um LED UV prescindindo de uma etapa prévia de abertura morosa em separado é um diferencial notável ao campo de tratamento de amostras. A eletrodeposiçao do Cu(II) recém-liberado pode-se dar, inclusive, em fluxo contínuo para melhoria dos limites de detecçao, sendo seguida de redissoluçao em meio de eletrólito puro na ausência da matriz amostral original.

Idealmente, ambas as aplicaçoes de abertura de amostras para a determinaçao da concentraçao total de metais e determinaçao da demanda química de oxigênio de amostras deveriam ser integradas. A destruiçao da matéria orgânica é sempre uma etapa de perda considerável de informaçoes e a análise de especiaçao ainda é um desafio analítico considerável e nao incorporado à legislaçao de qualidade de águas para se tornar realidade no controle analítico rotineiro das mais diversas formas de água. Assim ao controlar, mesmo que indiretamente, o teor de orgânicos nas águas concomitantemente à concentraçao de metais, pode-se traçar correlaçoes de padroes que permitam avaliar a qualidade da água de acordo com as demandas de sua finalidade. Quanto aos dispositivos que possam acoplar de modo dual essas análises, há que definir um compromisso na espessura da camada delgada de célula eletroquímica. De um lado, a diminuiçao reduz a quantidade de matéria a ser degradada e viabiliza, por exemplo, o esgotamento para a determinaçao da DQO por coulometria, situaçao em que o rigoroso controle do potencial do eletrodo modificado com TiO2 é dispensável. Do outro, o aumento de espessura eleva os tempos de tratamento de amostra, mas beneficia a detecçao e determinaçao voltamétrica dos metais por oferecer melhor controle pelo potenciostato e uma condiçao isopotencial da superfície do eletrodo de trabalho.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

O uso de nanopartículas de TiO2 é praticamente universal em fotocatálise e a vasta literatura científica e tecnológica acumulada a respeito prossegue em franca expansao e conta com contribuiçoes brasileiras, inclusive no campo ainda incipiente das aplicaçoes diretas em química analítica.

Como visto, a evoluçao das explanaçoes sobre a fotorreatividade do TiO2 no estado nanoparticulado vem se distanciando dos modelos de separaçao espacial de cargas mediante formaçao da space-charge layer, bem como de preceitos do campo de processos oxidativos avançados, como a elevada reatividade dos radicais termodinamicamente plausíveis de serem formados pelo alto poder oxidante das lacunas na BV do TiO2, para se deter mais em discussoes acerca da profundidade de traps, da estabilidade conferida aos transportadores ambipolares e da força de interaçao dos adsorvatos com a superfície. Essa tendência tem facilitado a compreensao da cinética de transferência de carga para diversos solutos orgânicos diferentes (p. ex. aos álcoois ao longo do crescimento de sua cadeia). A própria oxidaçao em caráter remoto por radicais hidroxila em meio aquoso vem sendo revisada e considerada contraditória.

Os exemplos de aplicaçao da fotocatálise e da fotoeletrocatálise em química analítica constantes nesta revisao ilustram a inventividade já exercitada e o grande potencial para novos desenvolvimentos. Tem recebido atençao, principalmente, a decomposiçao de matéria orgânica, seja como estágio de tratamento de amostras, seja para a determinaçao de DQO por sensor fotoeletrocatalítico coulométrico, já produzido comercialmente e ambientalmente muito mais favorável do que os métodos convencionais como o do dicromato ou permanganato. Também aderem aos preceitos da química verde as novas estratégias para abertura de amostras para determinaçao da concentraçao total de metais em amostras de água como opçao para substituiçao dos métodos tradicionais de digestao ácida sob aquecimento e pressurizaçao, mais morosos e dispendiosos e que podem representar um exagero para águas com baixa carga orgânica e com os analitos dissolvidos homogeneamente em matriz aquosa. A possibilidade de automaçao, operaçao em fluxo e miniaturizaçao, utilizando fontes frias e de emissao unidirecional como os LEDs UV, ainda diminui drasticamente a periculosidade da operaçao, abrindo caminho para sua integraçao em lab on chips e sistemas analíticos totais.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessao de uma bolsa de doutorado (processo nº 141734-2012-4) e uma de produtividade (processo nº 311324/2014-2).

 

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