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Comparação de métodos para determinação de substâncias húmicas em fertilizantes líquidos comerciais Comparison of methods for determination of humic substances in commercial liquid fertilizers |
Casiano A. DheinI; Deborah P. DickI,*; Andressa C. BenderII
I. Departamento de Físico-química, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 91501-970 Porto Alegre - RS, Brasil Recebido em 30/01/2020 *e-mail: debby.dick@gmail.com The beneficial effects of humic substances (HS) on crop development have been evidenced in the last decade, leading to the commercialization of HS products with fertilizing properties. Currently, three methods are frequently used for HS determination: method described in the manual of the Brazilian Ministry of Agriculture, Livestock and Supply (MAPA); method employed by the United States Humic Products Trade Association (HPTA) and method used for the determination of soil HS ("HS-Soil"). This study aimed to evaluate and compare the quantification of HS in commercial liquid fertilizers, by the mentioned methods. For HA-rich fertilizers the studied methodologies presented results close to the HA and FA contents informed in the labels. For products rich in FA, the methodologies that use dichromate to oxidize organic carbon overestimated the results of FA, taking as reference the HPTA method, that determines gravimetrically the purified FA and HA. The time of analysis varied between the methodologies studied, as well as the type and volume of the produced waste. Based on the chemical principle of HS determination of the method and the environmental impact of the waste generated, we propose that the most appropriate method for determination of HS in liquid fertilizers is that of HPTA. INTRODUÇÃO Segundo a ONU, até 2050 a população mundial chegará a 9,6 bilhões, um crescimento de aproximadamente 26% em relação aos 7,2 bilhões atuais (ONU 2019).1 Consequentemente, aumentará a demanda da produção de alimentos e, com isso, o uso de insumos químicos na agricultura. Atualmente os insumos químicos são essenciais para a produção em larga escala de alimentos, porém, o seu uso indiscriminado e inadequado impacta negativamente o meio ambiente.2,3 Nas últimas décadas, inúmeros casos de contaminação do solo em virtude da intensa utilização de fertilizantes vêm sendo relatados, o que tem gerado preocupações para os ambientalistas. Eles afirmam que o problema atinge não somente o solo em si, mas o ambiente global da área afetada (vegetação, ar, fauna, águas superficiais e subterrâneas), podendo resultar em problemas de saúde pública.2,3 Portanto, é necessário estabelecerem-se estratégias tecnológicas que diminuam o uso de insumos químicos e seu consequente impacto ambiental, sem prejudicar a produção de alimentos. Uma alternativa para o uso de fertilizantes minerais são os fertilizantes orgânicos à base de substâncias húmicas (SH).4-7 Substâncias húmicas resultam do processo de humificação de resíduos vegetais e animais, os quais interagem entre si por meio de forças não covalentes e de caráter hidrofóbico, formando estruturas moleculares.8 Matérias-primas minerais também podem fornecer SH, como é o caso da leonardita, que é um carvão de baixo rank. Essa fonte de SH é utilizada por diversas empresas que já patentearam produtos à base de ácidos húmicos (AH) e ácidos fúlvicos (AF) obtidos dessas minas5, tais como as existentes nos Estados Unidos, Austrália, China, entre outros. A maioria desses produtos são comercializados na forma líquida.7 O efeito das SH na produtividade vegetal se verifica no estímulo da produção de hormônios vegetais naturais que influenciam os mecanismos fisiológicos no desenvolvimento vegetal.7,9 Nesse processo, os AH presentes nas SH otimizam a absorção da água e de nutrientes que se encontram presentes no solo, que é estimulada pelo aumento da síntese de H+-ATPase da membrana.10 Devido a esse efeito, SH podem ser classificadas como bioestimulantes, que são substâncias que podem, mesmo não contendo elementos nutritivos em sua composição, estimular o crescimento das plantas, melhorar a absorção de nutrientes e, consequentemente, aumentar a produtividade, mesmo sob condições de estresse ambiental.10 Bioestimulantes são definidos como sendo uma mistura de "reguladores de crescimento, compostos por hormônios vegetais ou hormônios sintéticos que, quando aplicados na planta, agem diretamente na fisiologia do vegetal, potencializando o seu desenvolvimento".4 A Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (IHSS) recomenda que a determinação de AH e AF seja através da solubilização em meio básico, precipitação do AH em meio ácido e a purificação do AF realizada pelo método de adsorção de resina DAX-8. 11 Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que é o órgão regulamentador dos produtos agrícolas comerciais no Brasil, quantifica os teores de AH e AF pelo método de oxidação do carbono com solução ácida de dicromato, seguida de titulação com sulfato ferroso amoniacal.12 Em pesquisa, a quantificação das SH pode ser feita nos respectivos extratos húmicos pela oxidação a 60 ºC do carbono orgânico por dicromato em solução ácida preparada com ácido sulfúrico, e posterior determinação da absorbância em espectrofotômetro no comprimento de onda de 580 nm.13 Os métodos acima mencionados diferem quanto aos princípios de quantificação das SH, quanto à quantidade e toxicidade de resíduos gerados, quanto ao custo operacional e quanto ao tempo de execução para cada análise. Em função disso, para quantificação de SH em fertilizantes líquidos comerciais é necessário que se identifique um método que forneça resultados confiáveis, com baixo custo e que gere a menor quantidade de resíduos possíveis. Considerando-se que, durante os anos 1992 a 2010, o Brasil duplicou a quantidade de fertilizantes importados,14 o aumento do uso de SH na agricultura ocasionou um acentuado interesse entre produtores, consumidores e órgãos reguladores por um método que seja preciso e confiável a fim de se estimar o teor de AH e AF em fertilizantes líquidos. Em vista do exposto, esse trabalho se propõe a testar três métodos para a quantificação de SH em cinco fertilizantes líquidos comerciais e identificar o método que gere resultados coerentes e com menor impacto ambiental.
PARTE EXPERIMENTAL Fertilizantes comerciais Neste trabalho foram analisados cinco fertilizantes líquidos comerciais vendidos no Brasil, cujas informações sobre teores de SH fornecidas nos rótulos estão apresentadas na Tabela 1.
Caracterização dos produtos A determinação da concentração de sólidos suspensos nas amostras foi realizada gravimetricamente, empregando-se três replicatas coletadas do frasco do fertilizante imediatamente após vigorosa agitação manual. Uma amostra entre 10 a 20 g do produto líquido foi pesada (precisão 0,001 g) (Metler Toledo ME 403) em frasco pré-pesado e colocada para secagem a 60 ºC (Hotpack Model 260030) até massa constante. Testes preliminares (dados não mostrados) indicaram que nessa amplitude de massa era possível obter valores mensuráveis e confiáveis de massa seca para os cinco produtos. Após secagem, o sistema foi pesado novamente e a concentração de sólidos em suspensão (CS) foi então calculada pela equação (1), em que: Mf = massa do fertilizante após secagem (g); M0= massa inicial amostra líquida (g). Para remoção da água, foram utilizados dois métodos: liofilização (VLP 200, Thermo-Savant Micro Modulyo) e secagem em estufa a 60 ºC. No método de secagem por elevação de temperatura, realizada em estufa (Hotpack Model 260030) a 60 ºC, a amostra seca foi colocada em dessecador para esfriar e em seguida foi pesada. A temperatura não deve ultrapassar 60 ºC para que não ocorra a perda de substâncias proveniente da decomposição de componentes orgânicos e volatilização de compostos de interesse. Na liofilização, a massa da amostra seca é determinada por diferença entre o peso da amostra líquida e o da amostra seca após a sublimação. A partir dos valores obtidos nesses ensaios e baseando-se nas informações sobre teores de AH e AF indicadas no rótulo dos produtos comerciais, foi definida a massa inicial a ser utilizada na determinação de SH. A determinação prévia dessa massa é necessária para que os valores de SH permaneçam dentro do limite de detecção de cada método, fornecido na literatura. O teor de cinzas foi determinado segundo HPTA.11 Amostras liofilizadas foram pesadas (Metler Toledo ME 403) em cadinhos pré-pesados e levados à mufla (Quimis) durante 4 horas na temperatura de 500 ºC. A seguir, os mesmos foram removidos da mufla e colocados em dessecador para resfriar. Os cadinhos com as cinzas foram pesados à temperatura ambiente (≈ 25 ºC) e o teor de cinzas foi calculado gravimetricamente. A composição elementar foi determinada em amostras liofilizadas, moídas previamente em gral de ágata, em analisador elementar (Perkin Elmer CHN/S modelo 2400). A partir dos resultados desta análise, a razão C/N foi calculada. Quantificação das SH Método HPTA O método estabelecido pela HPTA11 ( Humic Products Trade Association) dos Estados Unidos da América (EUA) é o adotado pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (IHSS). O Limite de Detecção (LD) e o Limite de Quantificação (LQ) desse método são apresentados na Tabela 2.
Para amostras líquidas, recomenda-se que a concentração máxima na alíquota analisada seja de 500 mg L-1 de AF + AH. As análises foram realizadas em triplicata para cada produto. Alíquotas de 5,001 a 30,455 g, determinadas a partir das informações do fabricante, foram diluídas a 1 litro com NaOH 0,1 mol L-1 em um béquer plástico. Em seguida, a suspensão foi homogeneizada por agitação magnética (Velp Scientific -AREX Magnetic Stirring). A suspensão foi centrifugada (Fanem Excelsa II-Mod 206 BL) por 10 minutos (1118 g) em tubos de centrífuga de 50 mL tipo Falcon. Os precipitados insolúveis foram separados e o sobrenadante alcalino, que contém AF e AH, foi coletado em um béquer plástico de 1 litro. A seguir, a suspensão foi acidificada até pH 1,00 ± 0,05 com HCl 4 mol L-1, sob agitação magnética monitorando-se o pH com eletrodo (Digimed DM 20). Após atingir pH 1, o frasco contendo a suspensão foi coberto com filme plástico e mantido sob agitação magnética por 1 hora. A suspensão resultante foi mantida em repouso por 12 horas para que a fração contendo AH precipitasse, separando-se a seguir o AF por decantação e centrifugação por 10 minutos (1118 g). O sobrenadante ácido contendo AF foi passado em resina amberlite DAX-8 (SUPELITETM) na forma ácida, acondicionada em coluna de vidro de 40x250 mm, usando-se uma bomba peristáltica (Masterflex Mod 7014-20). Os compostos hidrofílicos de baixo peso molecular não são adsorvidos em DAX-8 e percolam pela coluna, enquanto os AF ficam adsorvidos. A seguir foram passados 50 mL de água deionizada pela coluna para remoção de excesso de sais e de compostos orgânicos de baixo peso molecular que não tenham sido devidamente percolados. A fração de AF foi eluída com solução de NaOH 0,1 mol L-1 em volume suficiente para sua remoção total (aproximadamente 25 mL). A seguir a coluna foi lavada com 100 mL de água deionizada e depois foram passados 50 mL de HCl 0,1 mol L-1 para o seu recondicionamento e uso da próxima amostra. Por fim, a solução de AF na forma básica foi passada em resina de troca catiônica Amberlite IR120 na forma ácida, para remover os cátions contaminantes. O AH precipitado em tubo de centrífuga foi pré-pesado e secado em estufa a 60 ºC. Da mesma forma, a solução contendo AF foi seca em estufa em becker de vidro a 60 ºC. Após a secagem, as amostras foram resfriadas em dessecador e pesadas. O teor de cinzas em cada fração foi determinado conforme descrição anterior. O teor de AH e de AF foi calculado após descontar-se respectivamente o teor de cinzas das amostras. Método "MAPA 2007" e "MAPA 2017" No método MAPA proposto em 2007 pela IN28,12 recomenda-se que, após diluição com solução de NaOH 0,1 mol L-1, a quantidade máxima de AH+AF na alíquota seja de 300 mg de carbono orgânico provável. A partir das informações fornecidas pelo fabricante, foi pesada (Mettler Toledo ME 403) com precisão de 0,1 mg uma quantidade da amostra líquida contendo até 300 mg de carbono orgânico provável. A essa alíquota foram adicionados 50 mL de NaOH 0,5 mol L-1 e a suspensão foi transferida para balão volumétrico de 500 mL, completando-se o volume com água destilada. Essa solução foi denominada de extrato húmico total (EHT). Para determinação do teor de carbono no EHT, foram transferidos 25 mL dessa solução com pipeta volumétrica para um erlenmeyer de 250-300 mL. Essa alíquota foi seca em estufa (Hotpack Mod 260030) a 90 ºC. A seguir foram adicionados 10 mL de K2Cr2O7 0,20 mol L-1 e, em seguida 20 mL de H2SO4 concentrado, agitando-se suavemente a suspensão. O erlenmeyer foi coberto com vidro de relógio e deixado em repouso por 30 minutos, para esfriar. A seguir, o mesmo foi colocado sobre chapa aquecedora (Velp Scientifica AREX- Heating Magnetic Stirrer) ajustada para temperatura de 140 ºC e a solução fervida por 30 minutos. Terminado o tempo de reação, o erlenmeyer foi retirado da chapa e deixado esfriar, sob o vidro de relógio. Após lavagem do vidro de relógio para o erlenmeyer, foram adicionados aproximadamente 100 mL de água destilada, 10 mL de H3PO4 (85% p.a.) e a solução foi deixada esfriar. Em seguida, foi acrescentado 0,5-1 mL da solução indicadora de difenilamina e a solução foi titulada com solução de sulfato ferroso amoniacal 0,5 mol L-1 (SFA). Foram conduzidas, simultaneamente, pelo menos duas provas em branco, omitindo-se a presença do extrato-amostra. A solução de SFA foi padronizada com solução K2Cr2O7 0,2 mol L-1, a qual foi preparada após secagem do reagente a 105 ºC. A padronização da solução de SFA é feita imediatamente anterior à sua utilização. O teor de carbono orgânico (m/m) é dado pela equação (2): sendo: Corg.(%) = carbono orgânico; C = concentração da solução de SFA padronizada; Va = volume da solução de SFA gasto na titulação da amostra (mL); Vb = volume da solução de SFA gasto na titulação da prova em branco (mL); G = massa inicial da amostra (g). O cálculo de teor de carbono orgânico é efetuado com base na premissa de que cada mol de K2Cr2O7 consumido reagiu com 1,5 mol de carbono orgânico. O teor de EHT (%) é dado pela equação (3): A separação do AH foi realizada em 50 mL da solução do EHT acrescentando-se H2SO4 a 20% (v/v) sob agitação manual lenta até atingir-se pH 1. Após repouso de aproximadamente 18 horas, a suspensão foi centrifugada por 20 minutos (1118 g) e o AH (precipitado) separado do AF (sobrenadante). O AH foi ressolubilizado com volume suficiente de NaOH 0,5 mol L-1 e a solução básica transferida para um balão volumétrico de 50 mL, cujo volume foi completado com água destilada. Essa solução resultante foi denominada solução de AH. Para determinação da concentração de AH, 25 mL da solução de AH foi transferida para um erlenmeyer de 250-300 mL, e evaporados em estufa a 85-90 ºC (Hotpack Mod 260030). O teor de AH foi determinado segundo procedimento empregado para EHT. O teor de AH foi calculado pela equação (4): O teor de AF foi calculado pela diferença na equação (5): Visando reduzir as quantidades utilizadas de reagentes, o método estabelecido pela IN2812 foi modificado posteriormente e a alteração está publicada no Manual de Métodos Analíticos Oficiais do MAPA em 2017.15 Para o teste do método MAPA 2017, foi pesada uma massa que corresponde de 30 a 60 mg L-1 de carbono orgânico total provável, baseando-se nas informações do fabricante. Esta massa foi transferida para um tubo de centrífuga de 50 mL e foram adicionados 20 mL de solução mista de Na4P2O7 0,1 mol L-1 + NaOH 0,1 mol L-1. A suspensão foi agitada manualmente até homogeneização e deixada em repouso por uma hora. A seguir, o sobrenadante foi separado por centrifugação (Fanem Excelsa-II Mod 206 BL) por 15 minutos (1118 g), recolhido em tubo de centrífuga de 50 mL e reservado. Ao precipitado foram adicionados novamente 20 mL de solução mista de Na4P2O7 0,1 mol L-1 + NaOH 0,1 mol L-1 e o procedimento de separação do sobrenadante foi repetido. O sobrenadante foi recolhido junto ao previamente reservado no tubo de centrífuga de 50 mL, e assim obteve-se a solução de EHT. O EHT foi fracionado em AH e AF adicionando-se H2SO4 20% (v/v) até atingir pH 1 (Digimed D 20) e deixando-se decantar por 18 horas. A suspensão foi então centrifugada por 15 minutos (1118 g), o sobrenadante foi recolhido e diluído com H2O deionizada até 100 mL obtendo-se a fração AF. No precipitado (AH) foi adicionado NaOH 0,1 mol L-1 até a dissolução completa do mesmo e a solução resultante foi completada com H2O deionizada até 100 mL, obtendo-se a fração AH. Para a determinação do teor de carbono orgânico total foi retirada uma alíquota de 10 mL da solução de AH e 10 mL da solução de AF. Essas alíquotas, separadamente, foram transferidas para um erlenmeyer com 2 mL de solução de K2Cr2O7 0,33 mol L-1. Essa solução foi homogeneizada em banho de água com gelo, e foram adicionados 16 mL de H2SO4 concentrado contendo Ag2SO4 na concentração de 10 g L-1. Foi preparada, simultaneamente, uma prova em branco, repetindo-se o procedimento anterior com omissão da amostra. Os frascos de reação foram aquecidos em chapa aquecedora ajustada na temperatura de 140 ºC até fervura durante 10 minutos. Após resfriamento da solução, o conteúdo do frasco de reação foi transferido para um balão volumétrico de 100 mL e completando-se o volume com H2O deionizada. Uma alíquota de 20 mL foi transferida para um erlenmeyer de 250 mL onde foram acrescentados 5 mL de solução H3PO4 3,75 mol L-1, 4 gotas de solução de indicador difenilamina e água deionizada para que o volume total atingisse cerca de 50 mL. A solução foi titulada com solução de SFA 0,05 mol L-1 e, simultaneamente, uma prova em branco foi conduzida omitindo-se a presença da amostra. A partir do valor obtido do teor de carbono orgânico na equação (6), foram calculados os teores dos AH e AF. sendo: Corg.(%)= carbono orgânico; C = concentração da solução de SFA padronizada; Va = volume da solução de SFA gasto na titulação da amostra (mL); Vb = volume da solução de SFA gasto na titulação da prova em branco (mL); G = massa inicial da amostra (g). O cálculo de teor de carbono orgânico é efetuado conforme citado no método MAPA 2007.12 Para obtenção do teor de AH e AF empregaram-se as equações (4) e (7): Método empregado em solos13 ("SH-solos") A uma massa em torno de 200 mg de amostra liofilizada, exatamente pesada, foram adicionados 30 mL de NaOH 0,1 mol L-1 e a suspensão agitada mecanicamente em agitador horizontal (GFL 1092) por 3 horas. O sobrenadante foi separado por centrifugação (Fanem Excelsa Mod 206 BL) durante 10 minutos (1118 g) e reservado. O processo foi repetido por mais duas vezes, quando então o sobrenadante tornou-se incolor indicando que as SH haviam sido completamente extraídas. O volume do extrato húmico (EHT) foi completado a 100 mL em um balão volumétrico com NaOH 0,1 mol L-1. Uma alíquota de 10 mL do EHT foi separada para a quantificação posterior. Ao restante da solução, foi adicionado HCl 4 mol L-1 até atingir pH 1,00 +/- 0,05 (Digimed DM 20) e a suspensão foi deixada em repouso por 18 horas. Após esse período, a suspensão foi centrifugada e o sobrenadante contendo os AF foi separado do precipitado contendo AH por centrifugação. O volume do extrato contendo AF foi medido. Nos extratos de SH e de AF, foi determinado o teor de carbono, medindo-se a absorbância da solução a 580 nm (T80+ UV-Vis Spectrophotometer, PG Instruments Ltda)) após reação durante 4 h a 60 ºC com solução ácida de dicromato de potássio (2 mL:2mL). A curva-padrão foi construída com frutose de 0 a 300 mg L-1. Na quantificação de SH e de AF considera-se que os respectivos extratos contenham apenas SH ou AF e, portanto, o teor de C determinado nos respectivos sobrenadantes é proveniente exclusivamente de SH (CSH) ou de AF (CAF), respectivamente. Os valores determinados em solução foram reportados à massa inicial de fertilizante liofilizada: CSH = mg C na forma de SH g-1 de solo; CAF = mg C na forma de AF g-1 de solo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Concentração de sólidos suspensos A concentração de sólidos suspensos nos fertilizantes líquidos variou de 1,78% a 52% (Tabela 3) e, com exceção do produto Terram, o método de secagem não afetou o resultado. Para o fertilizante Terram, a concentração de sólidos foi de 51,99% para a amostra seca em estufa e de 47,19% para a amostra liofilizada (Tabela 3). Possivelmente a temperatura de 60 ºC não foi suficiente para eliminar toda a água de hidratação das fibras de SH, levando a um valor maior do que aquele obtido no processo de liofilização. De fato, a amostra seca a 60 ºC apresentou superfície selada no recipiente (dado não mostrado), o que pode ter levado à contenção da água de hidratação nas fibras.
Teor de cinzas e composição elementar O teor de cinzas, que é um indicador da quantidade de material inorgânico presente nos fertilizantes, variou de 26 a 56% (Tabela 4). O fertilizante Solo Humics apresentou maior quantidade de material inorgânico em sua composição, em comparação aos demais. Segundo informações do rótulo, os fertilizantes Solo Humics, Terram e Supa Humus contêm potássio em concentrações relevantes, expressas na forma de K2O variando de 30,1 g L-1 a 117 g L-1. Esse elemento seria um dos principais constituintes da fração inorgânica dos produtos.
Com exceção do GP, o teor de C da fase sólida dos fertilizantes variou entre 27 e 40% e a de N entre 1 e 4,6 %. A relação C/N variou entre 6 e 28 indicando uma grande heterogeneidade da proporção de N na fase orgânica. Para os fertilizantes Solo Humics, Supa Humus e GS os valores determinados são semelhantes aos usualmente obtidos para substâncias húmicas em solos.16,17 Já o produto Terram apresentou relação C/N em torno de 6, o que indica a presença de compostos nitrogenados oriundos de fontes não-húmicas e, portanto, de fácil decomposição. O produto GP diferencia-se dos demais pelo baixíssimo teor de C e alto teor de N, o que leva a uma razão C/N de 0,1 (Tabela 4). Esses resultados indicam que a fase orgânica desse produto é constituída em grande parte por N e H, o que não é característico de SH. Teores de AH e AF: comparação dos métodos Mapa 2007 e Mapa 2017 O teste comparativo entre as duas metodologias propostas pelo MAPA (2007 e 2017) foi realizado apenas com duas amostras (Tabela 5). A principal diferença entre os métodos diz respeito à quantidade de K2Cr2O7 utilizada onde MAPA 2017 utiliza 3,4 vezes menos dicromato do que MAPA 2007 (Tabela 6), reduzindo assim o impacto ambiental (será discutido mais adiante).
No produto Solo Humics o teor de AH determinado pelos dois métodos não diferiu, situando-se em torno de 17 g L-1. Já para o AF, o valor obtido pelo MAPA 2007 foi 0,37 g L-1, enquanto o método MAPA 2017 não detectou a presença de AF. Uma vez que o método MAPA 2017 utiliza quantidade de amostra aproximadamente 7 vezes menor do que o MAPA 2007 (3,02 mL e 20,13 mL respectivamente), provavelmente a quantidade de AF presente na alíquota analisada pelo MAPA 2017 foi muito pequena e por isso não detectada. Em contrapartida, comportamento inverso ocorreu com o produto Terram, em que o teor de AF determinado pelos dois métodos foi relativamente semelhante, porém o AH não foi detectado pelo método de 2017 (Tabela 4). Ainda que o teor de AH determinado pelo MAPA 2007 no Terram seja maior do que no Solo Humics, o teor de AF no primeiro é aproximadamente 700 vezes maior do que no Solo Humics (Tabela 4). Consequentemente, o teor de SH total no Terram é muito maior do que no Solo Humics e a alíquota usada no método MAPA 2017 é aproximadamente 10 vezes menor no Terram (0,29 mL) em comparação ao volume usado para Solo Humics (3,02 mL). Esses resultados indicam que o método MAPA 2017 é menos sensível à quantificação das SH em fertilizantes líquidos. Em função disso, optou-se pela utilização do método MAPA 2007 para o estudo de comparação com outros métodos. Teores de AH e AF: comparação dos métodos MAPA 2007, HPTA e SH-solos Para o fertilizante Solo Humics, os teores de AH e AF determinados pelos três métodos foram semelhantes: os teores de AH variaram entre 16,9 e 17,7 g L-1, enquanto os de AF oscilaram entre 0,26 a 0,56 g L-1 (Tabela 6). O produto GS apresentou comportamento relativamente semelhante ao apresentado por Solo Humics: a amplitude de variação do teor de AH determinado pelos três métodos foi estreita (16,65 a 23,76 g L-1), enquanto o teor de AF foi baixo (<1,61 g L-1). Importante salientar que o método HPTA não detectou AF nessa amostra. Os teores de AH encontrados para o fertilizante Terram foram divergentes para os três métodos, decrescendo na ordem MAPA 2007 (24,75 g L-1) > HPTA (7,18 g L-1) > SH-solos (1,83 g L-1). Já para o AF, o valor obtido pelo método HPTA (90,30 g L-1) foi aproximadamente 3 vezes menor do que os valores observados para MAPA 2007 e SH-solos (277,47 a 308,15 g L-1 respectivamente). Para o produto Supa Humus, rico em AF como o Terram, os valores obtidos tanto para o AH como para o AF aumentaram na ordem HPTA < MAPA 2007 < SH-solos (Tabela 6). A superestimação de AF e AH observadas para Terram e Supa Humus pelos métodos MAPA 2007 e SH-solos deve-se, provavelmente, ao fato desses métodos quantificarem EHT e AF pela oxidação úmida do carbono nos respectivos extratos sem que haja purificação dos mesmos. Com isso, compostos orgânicos não húmicos que permanecem nesses extratos são também oxidados pelo dicromato e quantificados como sendo húmicos. Já o HPTA purifica AH e AF e determina as frações gravimetricamente, o que elimina em parte essas interferências que afetam principalmente fertilizantes líquidos ricos em AF. O produto GP apresentou baixos teores de SH pelos três métodos estudados (Tabela 6), confirmando que esse produto não é um fertilizante à base de SH. Teores de AH e AF: comparação com os dados fornecidos nos rótulos dos fertilizantes líquidos Na Tabela 1 constam os dados que cada fabricante fornece sobre o respectivo fertilizante líquido. O tipo de informação varia entre os produtos estudados: alguns informam sobre teores de AH e AF (Solo Humics, GS e GP) enquanto outros informam sobre teores de carbono orgânico total (Solo Humics, Terram e Supa Humus). No presente trabalho, para o cálculo do teor de C orgânico total (COT) a partir dos teores de AF e AH, consideramos uma proporção média de 60% de C (m/m) no AH e de 40% de C (m/m) no AF,17 [Equações (8) e (9)]: O produto Solo Humics apresentou resultados de AH e AF semelhantes para os três métodos (Tabela 6). Para AH, o valor médio foi em torno de 17 g L-1, enquanto no rótulo o valor é de 252,5 g L-1. Para o AF, o mesmo comportamento se repetiu: os valores apresentados pelas três metodologias foram em torno de 0,5 g L-1 enquanto no seu rótulo o valor foi de 50,5 g L-1. Para o Terram, os valores de COT calculados a partir dos teores de AH e AF pelas equações 10 e 11, foram: 40,43 g L-1 (HPTA), 125,84 g L-1 (MAPA 2007) e 124,36 g L-1 (SH-solos). No rótulo o valor informado é de 182 g L-1 de COT. Para o Supa Humus os valores de COT calculados a partir dos teores de AH e AF pelas equações 10 e 11, foram: 9,03 g L-1 (HPTA), 78,30 g L-1 (MAPA 2007) e de 89,81 g L-1(SH-solos). No seu rótulo o valor informado é de 85,4 g L-1. Os fertilizantes líquidos GP e GS apresentam nos seus respectivos rótulos três valores diferentes de AH e AF, determinados por três metodologias diferentes (Tabela 1). Convertendo-se os teores obtidos no presente estudo (Tabela 6) para base percentual, obtemos os seguintes valores: 2,38% (HPTA), 1,67% (MAPA 2007) e 2,24% (SH-solos), que estão de acordo com o valor fornecido pelo fabricante segundo metodologia HPTA (Tabela 1). Para o GP, convertendo os teores obtidos de AF no presente estudo (Tabela 6) para base percentual, obtivemos os seguintes valores: 0,057% (HPTA) e 0,002% (MAPA 2007); segundo SH-solos, não foi detectada presença de AF. As diferenças entre valores de SH determinados pelo presente estudo e os constantes nos rótulos não seguem um padrão, ou seja, para alguns fertilizantes líquidos o resultado encontrado nesse estudo é maior, e para outros é menor. Isso provavelmente decorre do fato de a metodologia empregada pelos fabricantes ser diferente das empregadas no presente estudo. Os fertilizantes Solo Humics, Terram e Supa Humus não informaram nos seus respectivos rótulos a metodologia de análise. Para o fertilizante GS, a metodologia HPTA empregada pelo fabricante forneceu resultado coerente com o resultado obtido pela mesma metodologia no nosso laboratório. Já para o GP, o teor de AF aparentemente foi superestimado pelo fabricante. Consumo de insumos e resíduos gerados A quantidade de reagentes utilizados diferiu entre as metodologias (Tabela 7). O consumo de dicromato decresce na ordem MAPA 2007 > MAPA 2017 ≈ SH-solos, sendo que o método HPTA não emprega esse reagente. É extremamente importante reduzir uso de reagentes tóxicos, principalmente dicromato, para a quantificação do carbono orgânico, sem comprometer qualidade analítica.18
De acordo com CONAMA, Resolução nº 430, de 13 de maio de 2011,19 a concentração máxima permitida lançada em cursos d'água é 0,1 mg L-1 de cromo hexavalente e 1,0 mg L-1 de cromo trivalente. A concentração de cromo trivalente no resíduo do método MAPA 2007 é 630 mg L-1, no resíduo de MAPA 2017 é 265 mg L-1 e no resíduo de SH-solo é 1450 mg L-1. Portanto, esses resíduos devem ser devidamente tratados para seu descarte apropriado e isso gera um custo adicional ao método. O uso de H2SO4 p.a. é associado à utilização do K2Cr2O7. Os métodos MAPA 2017 (248 mL) e MAPA 2007 (197 mL) são os que mais utilizam esse reagente, enquanto o volume utilizado pelo SH-solos é da ordem de 4 mL (Tabela 7) Dos métodos estudados, o método HPTA é o que gera maior quantidade de resíduos (Tabela 7), porém, é o de menor impacto ambiental, pois utiliza como reagentes NaOH e HCl, que geram NaCl e H2O O método MAPA 2007 gerou um volume de 3367 mL de resíduo e o MAPA 2017 gerou um volume de 2415 mL de resíduo (Tabela 7).
CONCLUSÃO Para os fertilizantes líquidos ricos em AH (Solo Humics e GS) as três metodologias estudadas apresentaram valores próximos para os teores de AH e de AF. Já para os produtos ricos em AF (Terram e Supa Humus), as metodologias que utilizam dicromato para oxidar o carbono orgânico (MAPA e SH-solos), superestimaram os resultados de AF, tomando-se como base o método HPTA. Isso provavelmente ocorre pelo fato de compostos orgânicos não húmicos permanecerem nos extratos fúlvicos, terem sido oxidados pelo dicromato e quantificados. Baseando-se no princípio químico de determinação de SH do método e no impacto ambiental do resíduo gerado, o método mais adequado para determinação de SH em fertilizantes líquidos é o de HPTA. Esse método se baseia na determinação gravimétrica de AH e AF purificados. Já nos outros dois métodos estudados, por se basearem na oxidação da matéria orgânica com dicromato, pode haver uma superestimação dos resultados devido à interferentes orgânicos, que oxidam o cromo juntamente às SH, AF e /ou AH.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem às empresas Nutriceler, Agrichem, Santa Clara Agrociência e Solo Humics pelo fornecimento de amostras e ao CNPq pela concessão de bolsas de pesquisa.
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