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Assuntos Gerais


A abordagem telescópica como ferramenta da química verde
The telescopic approach as a tool for green chemistry

Vitor S. C. de Andrade; Marcio C. S. de Mattos*

Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-590 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 03/01/2021
Aceito em 05/02/2021
Publicado na web em 26/02/2021

Endereço para correspondência

*e-mail: mmattos@iq.ufrj.br

RESUMO

One-pot reactions have become a powerful tool for the development of sustainable protocols in organic synthesis. In particular, the telescoping of multi-step reactions, i.e., the execution of sequential reactions without isolating and purifying intermediates, reduces the number of steps while preventing waste generation. Additionally, the processes become more sustainable through time, reagents/solvents, energy and cost savings. Therefore, the aim of this work is to summarize and discuss representative one-pot telescoped strategies involving heterocyclic construction, cross-coupling and continuous-flow reactions.

Palavras-chave: heterocycles; continuous flow process; pot-economy; organic synthesis; tandem reactions.

INTRODUÇÃO

A preocupação com os problemas ambientais se intensificou mundialmente na década de 1990. Em 1992, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, onde foi produzido um documento chamado Agenda 21 com objetivo de atingir o desenvolvimento sustentável.1 Desde então, apesar dos avanços alcançados, ainda estamos distantes desse objetivo. Frequentemente, um dos maiores problemas em nível ambiental e industrial é lidar com rejeitos gerados em um processo químico. Uma prova disso é que, em sua história recente, o Brasil enfrentou dois desastres consecutivos com o rompimento de barragens de rejeitos de mineração, nas cidades de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), causando significativo impacto social, ambiental e econômico. Nesse propósito, a Química Verde se apresenta como uma alternativa para nortear o desenvolvimento de processos sustentáveis.2,3

A filosofia da Química Verde é composta por um conjunto de doze princípios inicialmente estabelecidos em 1998 por Paul Anastas e John Warner2 e que logo foram ampliados por Neil Winterton. O novo conjunto de princípios proposto por Winterton, que ficou conhecido como os "segundos doze princípios da Química Verde", é essencialmente voltado para a implementação de processos industriais sustentáveis.4 Particularmente, esse novo conjunto de princípios vem estabelecer uma fronteira entre químicos laboratoriais e engenheiros químicos/químicos industriais. Dos químicos laboratoriais é pedido que apresentem dados adicionais para quantificar a verdura de uma reação desenvolvida, de modo a facilitar o escalonamento de processos por parte dos engenheiros/químicos industriais e evitar a perda das características "verdes".5

Um dos principais pilares da Química Verde, especialmente visando a implementação de uma nova Indústria Química Verde, é a minimização na geração de rejeitos e de produtos nocivos à saúde humana. Inserida nesse contexto, a abordagem pot-econômica em síntese orgânica, também conhecida como síntese one-pot, é uma importante ferramenta rumo ao desenvolvimento sustentável e a uma química "mais verde".6 De uma forma geral, o uso dessa estratégia garante um aumento significativo da complexidade molecular através da formação de um maior número de ligações químicas por operação sintética.

Do ponto de vista sintético, é vantajosa a condução de reações em um único vaso, especialmente se algum intermediário formado apresenta riscos à saúde e/ ou características indesejáveis, tais como mal cheiro, elevada toxicidade, lacrimejante, potencial explosivo, entre outras. Frequentemente, a instabilidade de alguns intermediários é também uma limitação que causa redução do rendimento, em função da decomposição e do surgimento de subprodutos no processo de isolamento.

Existem diversos termos para definir uma síntese one-pot, tais como reações multicomponentes, tandem, cascata, dominó e telescópica. Em 1996, Tietze definiu uma reação dominó como uma sucessão de transformações resolvidas no tempo, que envolvem a formação de duas ou mais ligações sob as mesmas condições, sendo a etapa subsequente uma consequência da funcionalidade formada na etapa anterior. Ele também utiliza o termo tandem para expressar duas ou mais reações ocorrendo ao mesmo tempo, porém sem resolução temporal.7 No mesmo ano, Denmark e Thorarensen sugeriram utilizar o termo tandem de modo a agrupar todas as transformações que ocorrem uma após a outra e usar modificadores (e.g. dominó, sequencial) para especificar a ordem das reações.8 Por outro lado, reações multicomponentes são processos convergentes em que três ou mais substratos reagem em um único vaso para formar um produto que contém parte de todos os reagentes.9

Uma abordagem bastante interessante é a execução de múltiplas transformações (incluindo work-up e quenches) através da adição sequencial de reagentes sem o isolamento de intermediários. Essa abordagem tem sido chamada de telescope (ou variações como telescoping, dentre outras) e vem se destacando por minimizar a produção de rejeitos químicos, reduzir custos operacionais e evitar o contato com intermediários tóxicos e/ou instáveis.10 A palavra "telescópica" na língua portuguesa remete a objetos cujos segmentos, em geral cilíndricos e ocos, se encaixam uns nos outros, em analogia ao instrumento de observação astronômica.11 Assim, no sentido conotativo, ela expressa a redução ou compressão de algo. Em termos químicos, o conceito de síntese telescópica vem expressar a redução no número de vasos de reação a apenas um. Logo, em contraste a uma síntese multi-etapas convencional (i.e., onde há isolamento e purificação dos intermediários), uma síntese multi-etapas telescópica é conduzida de forma one-pot através da geração e consumo in situ dos intermediários, conforme apresentado no Esquema 1.

 


Esquema 1. Síntese telescópica

 

O emprego da abordagem telescópica em síntese orgânica vem crescendo nos últimos anos e exemplos encontram-se aplicados, principalmente, na preparação de compostos heterocíclicos, reações de acoplamento e fluxo-contínuo. Assim, o objetivo desse trabalho é divulgar o conceito de síntese telescópica por meio de exemplos representativos, visando incentivar o desenvolvimento de novas reações e processos mais sustentáveis através da redução de tempo reacional, número de etapas e de custo além de economia de reagentes e solventes.

 

A ABORDAGEM TELESCÓPICA EM SÍNTESE ORGÂNICA

Em 2013, Smith e colaboradores descreveram um elegante protocolo para a síntese de pirrolidinas 3,4-dissubstituídas a partir de derivados N-alil-b-amino ácidos.12 Essa transformação envolve uma série de reações sequenciais feitas one-pot e sem as purificações dos intermediários: ozonólise, olefinação de Wittig, adição de Michael assimétrica/lactonização e abertura de anel lactônico via metanólise (Esquema 2). O processo se inicia com a ozonólise do substrato a -78 ºC em diclorometano e quenche do ozonídeo com sulfeto de dimetila à temperatura ambiente. Em seguida, o solvente é evaporado e trocado por clorofórmio para a reação de Wittig, que é realizada sob refluxo. Ao final dessa, mais uma vez, o solvente é evaporado e trocado por diclorometano para a adição de Michael assimétrica catalisada por tetramisol como organocatalisador, seguida de lactonização e metanólise à temperatura ambiente. O protocolo levou à pirrolidina desejada em 52% de rendimento total (99% ee) após a cromatografia em coluna, a única purificação realizada durante todo o processo. Esse rendimento global contrasta bem com os 21% obtido no caso da reação multi-etapas convencional (i.e., onde cada intermediário foi isolado), o que demostra a vantagem de se utilizar a abordagem telescópica. Ademais, os autores ressaltam que a lactona intermediária é instável e se decompõe facilmente durante o processo de isolamento e purificação. Como pode ser percebido, o protocolo é todo realizado no mesmo vaso reacional, onde ocorrem duas trocas de solventes e etapas conduzidas em diferentes temperaturas.

 


Esquema 2. Síntese telescópica estereodefinida de pirrolidinas

 

Estratégias telescópicas também foram estudadas para acessar o núcleo piperidínico. Partindo de 6-acilciclo-hex-2-enonas, Cuthbertson e Taylor utilizaram uma série de reações sequenciais para preparar piperidinas 2,6-sin-dissubstituídas (Esquema 3).13 Foi demonstrado que o tratamento de b-dicetonas com excesso de amônia em metanol resultou na formação de 2,3,4,5-tetra-hidropiridinas através de um processo tandem de três etapas envolvendo aminação de Michael, iminação intramolecular para a formação do núcleo isoquinuclidinona e metanólise (retro-Dieckmann). Uma posterior hidrogenação catalítica diastereosseletiva telescópica leva às piperidinas 2,6-sin-dissubstituídas correspondentes em bons rendimentos, após a única purificação realizada durante todo o processo. Mais uma vez, o protocolo é todo realizado no mesmo vaso reacional, o que evita a purificação das tetra-hidropiridinas, visto que elas se decompõem durante o processo de isolamento/purificação. A metodologia desenvolvida foi aplicada pelos autores na síntese racêmica do produto natural cis-2-(6-pentilpiperidin-2-il)acetato de metila em 90% de rendimento a partir da 6-hexanoilciclo-hexen-2-ona (Esquema 3).

 


Esquema 3. Síntese telescópica de piperidinas 2,6-sin-dissubstituídas

 

Dentre o vasto número de compostos heterocíclicos, os tiazóis e as quinoxalinas aparecem com destaque devido às suas múltiplas aplicações em variados ramos da química (agroquímica, materiais, química medicinal, indústria, etc).14 A metodologia tradicional para a síntese de tiazóis e quinoxalinas consiste na condensação de a-halo-cetonas com tioureias (síntese de Hanzstch),15 e o-fenilenodiaminas, respectivamente.14

Recentemente, relatamos sínteses telescópicas eficientes desses heterociclos a partir de compostos b-dicarbonilados e estirenos mediada pelo ácido tribromoisocianúrico (TBCA) a partir de reações sequenciais realizadas no mesmo vaso (Esquema 4).16,17 Inicialmente, foi preparado um composto a-bromo-b-dicarbonilado pela halogenação seletiva de b-ceto-ésteres e b-dicetonas com ácido tribromoisocianúrico18 e seguiu-se a adição de tioureias ou o-fenilenodiamina ao meio reacional, o que levou aos 2-amino-5-carboxi-tiazóis e quinoxalinas, respectivamente.16 Por outro lado, a transformação de estirenos substituídos em 4-aril-2-aminotiazóis foi realizada a partir da co-halogenação com excesso de ácido tribromoisocianúrico em água para formação regiosseletiva da bromoidrina19 e sua posterior oxidação ao brometo de fenacila. Em seguida, foram adicionadas tioureias e o meio reacional foi ajustado para uma mistura de acetonitrila/água (1:1), sendo os tiazóis isolados por filtração simples.17 Esse protocolo consiste em uma reação tandem (formação do brometo de fenacila), seguida de telescópica, tendo o TBCA um papel duplo, como fonte de halogênio eletrofílico para a reação de co-halogenação e de oxidante da bromoidrina. Em um estudo comparativo, a 4-fenil-tiazol-2-amina foi preparada de modo convencional em 61% a partir do estireno, um rendimento menor do que o obitdo na reação telescópica realizada em um único vaso (70%).

 


Esquema 4. Exemplos de sínteses telescópicas one-pot de tiazóis e quinoxalinas

 

É bem conhecido que os organo-halogenados, normalmente, possuem efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente.20 Em particular, a abordagem pot-econômica desenvolvida evitou o contato direto com compostos a-bromocarbonilados, que são tóxicos e lacrimejantes. Além disso, houve uma minimização do custo operacional, do tempo e da geração de rejeitos com a ausência de etapas de isolamento e purificação dos intermediários. Cabe ressaltar que as reações envolvendo o ácido tribromoisocianúrico resultam em ácido cianúrico como subproduto, que é inerte nas condições empregadas e facilmente removido por filtração ou mantido em solução no meio reacional. Além disso, é importante destacar que o ácido cianúrico é substrato de partida para a preparação do ácido tribromoisocianúrico.21 Esse fato é vantajoso do ponto de vista da Química Verde, pois permite a regeneração do reagente de halogenação.

A síntese telescópica one-pot de derivados tiofênicos polifuncionalizados foi estudada por Ila e colaboradores. O processo é baseado na condensação de cetonas com ditioésteres, seguida de S-alquilação com compostos α-halo-metilênicos contendo grupos retiradores elétrons e uma nova condensação aldólica intramolecular (Esquema 5).22 O interessante é que toda a síntese foi efetuada no mesmo vaso, com etapas de resfriamento e aquecimento, e a base (NaH) foi empregada em excesso, servindo tanto para a etapa de condensação inicial quanto para a condensação aldólica. Nessa condições, tiofenos tri- e tetrassubstituídos foram preparados em bons rendimentos.

 


Esquema 5. Exemplos de sínteses telescópicas one-pot de tiofenos

 

Compostos N-heterocíclicos de seis membros de interesse biológico podem ser preparados em excelentes rendimentos através de um processo telescópico one-pot quimiosseletivo de duas etapas descrito por Padmaja, Balamurali e Chanda.23 A reação envolve uma sulfonilação de 2-aminopiridinas/-pirazinas/-piridazinas na presença de cloreto de 2-clorobenzenossulfonila à temperatura ambiente e posterior aquecimento do vaso reacional para o acoplamento C-N do tipo Ullmann catalisado por Cu(I), como apresentado no Esquema 6.

 


Esquema 6. Síntese telescópica one-pot de N-heterociclos

 

A utilização de processos telescópicos em fluxo contínuo na obtenção de heterociclos é explorada por diversos grupos de pesquisa e tem aplicações na indústria farmacêutica.24 Em 2017, Pastre et al. desenvolveram um protocolo para a síntese de 3-tio-1,2,4-triazóis a partir de hidrazidas e isotiocianatos.25 Os resultados obtidos revelaram uma considerável redução nos tempos de reação e um aumento nos rendimentos em comparação com a reação multi-etapas convencional. A metodologia consiste na geração in situ de tiossemicarbazidas através da condensação de hidrazidas com isotiocianatos, seguida da ciclização em meio básico e, por fim, uma S-alquilação com haletos de benzila/ alquila (Esquema 7). Em extensão a esse trabalho, o mesmo grupo utilizou a metodologia desenvolvida para a preparação do fármaco lesinurad (Zurampic®, AstraZeneca),26 um inibidor da proteína transportadora de ácido úrico URAT1 e indicado no tratamento de doentes com gota.

 


Esquema 7. Exemplo de preparação telescópica de triazóis

 

Nesse mesmo contexto, Baumann, Garcia e Baxendale estudaram a síntese telescópica em fluxo contínuo de 1,2,4-triazóis através da geração in situ de isocianoacetato de etila a partir de N-formilglicina e trifosgênio, e posterior reação com sais de arildiazônio (Esquema 8).27 O isocianoacetato de etila e seus derivados são blocos de construção amplamente utilizados na síntese de heterociclos, especialmente em reações one-pot. No entanto, eles normalmente exibem odor pungente e são sensíveis a luz e umidade. Além disso, são tradicionalmente preparados pela desidratação de formamidas primárias utilizando reagentes tóxicos e corrosivos como fosgênio, trifosgênio, cloreto de fosforila e cloreto de oxalila.28 Assim, a abordagem telescópica em condições de fluxo contínuo garante uma segurança inerente ao método, minimizando a exposição e manipulação dessas substâncias.

 


Esquema 8. Síntese telescópica em fluxo de 1,2,4-triazóis

 

Em se tratando de processos telescópicos envolvendo reações catalisadas por metais de transição, Organ e colaboradores desenvolveram uma metodologia em fluxo contínuo de três etapas (diazotação de anilinas substituídas, iodação e acoplamento) para a síntese de bifenilas e diarilacetilenos partindo de anilinas.29 Em particular, a utilização direta de anilinas como substratos de partida é vantajosa por serem facilmente acessíveis e apresentarem baixo custo. A versatilidade dessa estratégia consiste em promover a formação de ligação carbono-carbono através de reações de acoplamento cruzado de Suzuki-Miyaura e Sonogashira com iodetos de arila, gerados in situ via diazotação de anilinas com nitrito de terc-butila e iodação com iodeto de tetrabutilamônio (Esquema 9).

 


Esquema 9. Sínteses telescópicas envolvendo acoplamentos de Suzuki-Miyaura e Sonogashira

 

Ainda no contexto de formação de ligação carbono-carbono, Taylor et al. publicaram uma conversão telescópica one-pot de ceto-fosfonatos derivados de hidróxi-ciclo-alquenonas em α-metileno-γ-butirolactonas em bons rendimentos (Esquema 10). A metodologia envolve uma adição de Michael intramolecular seguida de olefinação de Horner-Wadsworth-Emmons (HWE) e foi utilizada pelos autores para a preparação do produto natural (+)-paeonilactone B.30

 


Esquema 10. Síntese telescópica one-pot de α-metileno-γ-butirolactonas

 

Recentemente, Lipshutz et al. publicaram uma síntese telescópica one-pot de boscalida, um ingrediente ativo do grupo das carboxamidas encontrado em vários fungicidas (Emerald®, Endura®, Pristine®, BASF). A síntese foi feita em água a partir do o-cloro-nitrobenzeno e se inicia com um acoplamento Suzuki-Miyaura, seguido da redução do grupo nitro e acilação da bifenilamina formada com um derivado do cloreto do ácido nicotínico (Esquema 11).31 Curiosamente, foram obtidos resultados semelhantes entre a reação telescópica e a multi-etapas convencional.

 


Esquema 11. Síntese telescópica one-pot do fungicida boscalida

 

Recentemente, nosso grupo relatou uma nova metodologia para síntese de 1,3-diinos não simétricos baseada nas reações de Hunsdiecker (halo-descarboxilação de ácidos carboxílicos)32 e Cadiot-Chodkiewics (reação entre um alquino terminal e um haleto de alquinila em presença de Cu(I), uma base orgânica e um agente redutor para formar um 1,3-diino).33 A metodologia consiste na bromo-descarboxilação do ácido fenilpropiólico mediada pelo ácido tribromoisocianúrico para gerar 1-bromo-1-fenilacetileno in situ seguida do acoplamento cruzado com um alquino terminal catalisado por Cu(I) (Esquema 12).34

 


Esquema 12. Síntese telescópica one-pot de 1,3-diinos via reação de Hunsdiecker/ Cadiot-Chodkiewics

 

A fixação de CO2 através da inserção em organometálicos para formar ligação carbono-carbono é uma abordagem valiosa em síntese orgânica. Um exemplo muito interessante de síntese multi-etapas telescópica envolvendo a aplicação dessa estratégia na preparação de β-lactonas foi descrito por Vellalath e Romo em 2017 (Esquema 13).35 A metodologia envolve três etapas realizadas em dois vasos reacionais: (1) formação de organozinco alílico a partir de brometos de alila e zinco em pó (excesso) na presença de LiCl (processo de Knochel), (2) carboxilação com CO2 e quenche com ácido aquoso e (3) bromo-lactonização do ácido insaturado formado. Experimentalmente, a formação do organometálico ocorre em presença de Ar e então o balão reacional é evacuado e preenchido com CO2 através de uma bexiga com o gás. Ademais, após a reação de carboxilação e quenche, o meio reacional é filtrado para a retirada do excesso do zinco, o solvente é evaporado e o ácido insaturado bruto é utilizado na etapa de bromo-lactonização. Como esperado, a única purificação em todo o processo foi realizada no produto final.

 


Esquema 13. Síntese telescópica de γ-bromo-β-lactonas

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A síntese telescópica não só está diretamente relacionada com a prevenção na geração de resíduos (i.e., primeiro princípio da Química Verde), mas também com a realização de uma química segura. A geração in situ seguida do consumo de intermediários tóxicos e/ou instáveis garante uma segurança inerente à síntese telescópica. Assim, essa estratégia evita que o operador tenha contato direto e manipule essas substâncias. Ainda, a manutenção de intermediários instáveis no meio reacional para o consumo subsequente evita a degradação desses compostos nos processos de isolamento e purificação.

Cabe ressaltar que para a execução de múltiplas transformações em um único vaso de reação, alguns critérios devem ser observados, especialmente em relação à compatibilidade de todos os componentes (i.e., reagentes, produtos e subprodutos) e condições. Idealmente, em uma síntese do tipo telescópica, as etapas individuais devem produzir os respectivos intermediários-chave quantitativamente ou em bons rendimentos. Além disso, a escolha e, por sua vez, a compatibilidade do solvente, é fundamental para o sucesso do processo. Preferencialmente, todas as etapas individuais devem ser conduzidas em um único solvente. No entanto, é possível a mudança de solvente através da realização de misturas. Outro ponto significativo envolve o uso de reagentes em excesso. Nesse caso, é importante que eles sejam inertes em etapas posteriores ou que o excesso seja utilizado em uma etapa subsequente para formar o produto desejado. Ainda, o acúmulo de subprodutos e/ ou produtos colaterais, em função das múltiplas etapas, pode, eventualmente, ser uma limitação para uma síntese telescópica.

Assim, com o exposto acima, espera-se que esse trabalho sirva de inspiração para o desenvolvimento de novas transformações telescópicas em direção a uma química sustentável e segura.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq e à CAPES pelos apoios financeiros recebidos.

 

REFERÊNCIAS

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