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1:01, qua nov 27

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Revisão


Compostos organometálicos de estanho (II) - estanilas de alguns metais representativos
Organometallic compounds of tin(II) - some main group metal stannyls

Geraldo M. de Lima*

Departamento de Química, Universidade Federal de Minas Gerais, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil

Recebido em 22/12/2020
Aceito em 02/03/2021
Publicado na web em 24/03/2021

Endereço para correspondência

*E-mail: delima.geraldo@gmail.com

RESUMO

This paper aims to summarise some chemical information about selected main group metal stannyl compounds. The number of these compounds in the literature are much fewer than those with transition metal cations. Most papers report details of stannyls containing Li(I), Na(I) and K(I), such as synthetic routes, spectroscopic results and their molecular structures. This review comprises not only information of stannyls containing these cations, but also some alkaline-earth species containing Mg(II), Ca(II), Sr(II), Ba(II), as well as Sn(II). In some compounds, the alkaline or alkaline earth cation is connected to the stannyl fragment through a Sn - M bond, evidenced by X-ray crystallographic data or by solution- or solid-state 119Sn NMR experiments. The introduction part of the paper summarizes the chemical aspects of these compounds and their importance in the organometallic chemistry of Sn(II) as a research area. The second part of this review is dedicated to a broad discussion of the syntheses and structural aspects of some Li(I), Na(I) and K(I) derivatives. The structure of some stannyl compounds of Mg(II), Ca(II), Sr(II), Ba(II) are displayed in the third part of this paper. Two rare examples of Sn(II)-based stannyl derivatives are shown in the final part of the review. This review also highlights how important it is to correlate X-ray crystallographic data with those obtained by solution- or solid-state 119Sn-NMR experiments in order to determine the degree of covalence in the Sn - M bond.

Palavras-chave: Sn(II) organometallics; stannyl species; main group metals.

INTRODUÇÃO

Por muito tempo, estanilas de metais alcalino e alcalino terrosos foram consideradas espécies transitórias geradas in situ como fonte de ânions de [SnR3]- {Sn(II) e R = grupos alquilas ou arilas}. Essas espécies são amplamente utilizadas na realização de uma variedade de transformações químicas, como a formação de ligações Sn - M {metal de transição ou metais representativos dos grupos 13 - 16} ou Sn - C, através de reações de estanilas de metais alcalinos com substratos orgânicos. Após várias décadas de uso, surgiu um interesse considerável em se conhecer melhor esses compostos, se são espécies covalentes do tipo MSnR3 ou iônicas, [M+][-SnR3] ou ainda se possuem uma formulação em que a ligação Sn - M (M = metal alcalino ou metal terrestre alcalino) exibe algum caráter covalente. Consequentemente, uma série de derivados desses metais foram autenticados estruturalmente usando vários tipos de grupos orgânicos. A combinação de resultados obtidos através de cristalografia de raio-X e da espectroscopia de RMN em solução ou no estado sólido foram imprescindíveis para evidenciar a existência ou não de qualquer ligação covalente Sn - M, medindo-se os raios de van der Waals ou as constantes de acoplamento 1J(Sn-M), nesse caso quando M é uma espécie com spin nuclear s ≠ 0. Os resultados de tais estudos revelaram que apenas poucos desses derivados exibem de fato um contato direto Sn - M. Embora a química do estanho seja estratégica para o Brasil, por possuir enormes reservas de SnO2 e devido às aplicações industriais e tecnológicas, existem poucos grupos de pesquisa trabalhando com esse metal. A química do Sn(II) é desafiadora para quem decide estudá-la e ao mesmo tempo gratificante.1 Desafiadora, pois a síntese e caracterização envolvem técnicas e procedimentos especiais, tais como vidraria Schlenk, linhas de vácuo, atmosfera inerte, temperaturas baixas durante as reações, sendo necessário em alguns casos trabalhar em temperaturas em torno de -70 ou -80 ºC, usando misturas refrigerantes especiais, sem falar no uso de solventes isentos de água e O2. Esse desafio para estudantes de mestrado ou de doutorado traz um rico aprendizado em termos de síntese inorgânica, e muitas vezes em relação à síntese de ligantes, já que esses materiais não são adquiridos diretamente das empresas fornecedoras de produtos químicos. Além disso, esses estudantes adquirem experiência na obtenção de cristais destinados aos experimentos de determinação estrutural via difração de raios-X de monocristal, tarefa bastante árdua em se tratando de compostos sensíveis ao ar e umidade. Menciona-se ainda a riqueza de aprendizado ao se explorar não só a técnica de difração de raios-X, mas a de ressonância magnética nuclear, em solução e no estado sólido. Ao passo que os sinais de Sn(IV) aparecem nos espectros de RMN de 119Sn numa faixa de d entre 400 e -400 ppm, os sinais de Sn(II) podem surgir numa janela bem mais larga, em torno de 4000 ppm.

A química do Sn(II) faz parte das linhas de pesquisa em meu laboratório desde o início de minha vida profissional. Tenho feito investigações que culminaram com a publicação de vários trabalhos nos mais diferentes periódicos.2-9 Então, seguindo uma sequência de revisões publicadas por mim em Química Nova sobre os aspectos gerais da química dos metalocenos, estanilenos, espécies contendo Sn(II), apresento nessa oportunidade um resumo do que se encontra na literatura a respeito das estanilas de metais alcalino e alcalino terrosos.10-12

Não é objetivo neste trabalho relatar compostos iônicos de Sn(II) com cadeias de ligações Sn - Sn - Sn. O desenvolvimento dessa química será divulgado numa próxima oportunidade.

Estanilas de metais alcalino e alcalino terrosos podem ser preparadas de várias maneiras, resumidas a seguir:

Os derivados de metais alcalino terrosos podem ser obtidos de forma semelhante. O equilíbrio de dissociação no Esquema 1 depende da natureza do grupo R, bem como do poder de solvatação do solvente. O composto NaSnPh3 em NH3(l) encontra-se dissociado e solvatado, por outro lado, uma solução do LiSnMe3 em EtNH2 tem uma condutividade elétrica muito baixa.

 


Esquema 1. Preparação de algumas estanilas de metais alcalinos

 

Todas as estruturas apresentadas nesse artigo foram geradas através do programa Mercury, versão 4.1.2, utilizando-se os arquivos CIFs depositados no CCDC, graças à licença financiada pela CAPES. Em todas as estruturas os átomos de carbono são representados em azul.

 

ORGANOESTANILAS DE METAIS ALCALINOS

Estanilas de lítio

A literatura relata vários exemplos de estanilas de lítio, exibindo os mais variados ambientes de coordenação. No composto [Li(pmdeta)SnPh3] {pmdeta = (Me2NCH2CH2)2NMe}, Figura 1, o Sn(II) se encontra ligado ao metal alcalino, preparado pela reação do LiBun com SnPh3H em tolueno seguindo a adição de N,N,N',N'',N''-pentametildietilenotriamina (pmdeta).13

 


Figura 1. Estrutura molecular do composto [Li(pmdeta)SnPh3]

 

A estrutura molecular revelou um ângulo de ligação C - Sn - C médio de 96,1(2)º e uma ligação Sn - Li de 2,817(7) Å que persiste em solução. A constante de acoplamento 119Sn - 7Li, observada em 183 K, {1J(Sn-Li) 412 Hz}, é comparável ao valor obtido para Li(hmpa)SnBu3 {1J(Sn-Li) 402 Hz}.14

A reação de 2-Me2NCH2CH2C6H4Li com SnCl2 levou à formação do triarilestanatos de lítio com diferentes graus de solvatação: [(2-Me2NCH2CH2C6H4)3SnLi(thf)2], [(2-Me2NCH2CH2C6H4)3SnLi(thf)] e [(2-Me2NCH2CH2C6H4)3SnLi]. As estruturas dos dois primeiros compostos foram determinadas por difração de raios-X de monocristal, Figura 2.

 


Figura 2. Estrutura molecular dos compostos [(2-Me2NCH2CH2C6H4)3SnLi(thf)2] e [(2-Me2NCH2CH2C6H4)3SnLi(thf)]

 

Nesses compostos a ligação Sn - Li, em torno de 2,860 Å, embora maior que a soma dos raios covalentes dos dois átomos, 2,75 Å, mostra um alto grau de covalência tendo em vista os acoplamentos do 7Li com 119Sn observados em solução em experimentos à baixa temperatura.15 Outros compostos com braços laterais contendo grupos -NR2, como os exemplificados acima, foram relatados na literatura.16

O composto [Sn(h5-C5H5){N(SiMe3)2}(h5-C5H5)Li(pmdeta)], Figura 3, foi isolado como um material cristalino incolor e sensível ao ar, ao se adicionar Li{N(SiMe3)2} a uma solução de [Sn(h5-C5H5)2] em thf, seguido a adição de pmdeta.

 


Figura 3. Estrutura molecular do composto [Sn(h5-C5H5){N(SiMe3)2}(h5-C5H5)

 

O ambiente de coordenação do cátion Sn(II) é constituído por um grupo [N(SiMe3)2]-, com ligação Sn-N de 2,184(2) Å e por dois grupos h5-C5H5, um terminal e outro em ponte.17

Ambos anéis Cp foram substituídos numa reação química similar do [Sn(h5-C5H5)2], com LiN=C(NMe2)2.18 O mesmo acontece quando essa reação ocorre com [LiC13H9], Figura 4, ambos grupos ciclopentadienilas são substituídos levando à formação do composto [{Li(thf)4}{Sn(C13H9)3}].19

 


Figura 4. Estrutura do [LiC13H9]

 

Na química de Sn(II) é normal o uso de ligantes volumosos tais como Ar* = C6H3-2,6-Trip2, Figura 5. Ao se reagir Ar*SnPh com LiPh em Et2O, numa temperatura em torno de -78 ºC, ocorreu a formação de dois produtos [(Et2O)LiSnPh2Ar*] e [(LiSnPh2Ar*)2]

 


Figura 5. Estrutura do ligante Ar* = C6H3-2,6-Trip2.

 

A determinação estrutural de ambos, revelou que o segundo composto é um dímero, no qual o Sn(II) encontra-se coordenado a dois grupos fenilas e ao grupo C6H3-2,6-Trip2, Figura 6.

 


Figura 6. Estrutura molecular do composto [(LiSnPh2Ar*)2] onde Ar* = C6H3-2,6-Trip2

 

O par de elétrons não-ligante do Sn(II) coordena o Li+ em cada um dos monômeros resultando em um comprimento de ligação de 2,809 Å. A estrutura dimeriza-se graças às interações do Li+ com o sistema p dos anéis Ph e C6H3Pri formando ligações Li+ com centro dos anéis Ph em torno de 2,137Å.20 Esse tipo de coordenação, embora bastante raro, assemelha-se ao esquema de ligação em torno do Li+ no composto anterior.

A reação de Li(PBut2) com SnCl2 (3:1) em thf levou à formação do composto [Li(thf){Sn(m-PBut2)2(PBut2)}], Figura 7.

 


Figura 7. Estrutura molecular do composto [Li(thf){Sn(m-PBut2)2(PBut2)}]

 

Esse composto exibe uma distância média das ligações Sn-P e P-Li de 2,686 Å e 2,48 Å, respectivamente, que são consistentes com uma interação quelante de P(1) e P(3) com o átomo de Li. Experimentos de RMN dos vários núcleos presentes nessa molécula com spin nuclear s ≠ 0 trazem informações bastante preciosas. O espectro de RMN de 119Sn revelou um quarteto centrado em d -1310 {1J(Sn-P) 1360 Hz}.21

O ligante contendo três grupos piridinas desempenha um importante papel na química de coordenação e organometálica. Dos tipos relatados na literatura o [Li{Pb(2-Py)3}(thf)] (Py = piridila) e [Li{Sn(2-C5H3N-5-Me)3}(thf)], Figura 8, recebem especial atenção devido à presença de pares eletrônicos doadores não só no átomo de nitrogênio, mas no Pb(II) e Sn(II) apontando em sentido contrário ao modo de coordenação k3 dos grupos Py.22

 


Figura 8. Estrutura do composto [Li{Sn(2-C5H3N-5-Me)3}(thf)]

 

O estanato-tris-piridila de lítio foi empregado em reações com [Ln(h5-C5H5)2(Et2O)], levando à formação de [Ln{Sn(2-C5H3N-5-Me)3}2] {Ln = Yb(II) e Eu (II)} e do [Eu{Sn(2-C5H3N-5-Me)3-k1Sn:k3N}2(Li{Sn(2-C5H3N-5-Me)3-k3N }(thf)], Figura 9.

 


Figura 9. Estrutura do composto [Eu{Sn(2-C5H3N-5-Me)3-k1Sn:k3N}2(Li{Sn(2-C5H3N-5-Me)3-k3N }(thf)]

 

Possíveis ligações covalentes Sn - Eu são desconsideradas devido à longa distância entre esses cátions, 3,8874(4) Å. Entretanto, essa estrutura exibe uma ligação Sn - Li bastante curta, 2,792(12) Å.23 Compostos semelhantes foram preparados nos anos seguintes.24

Uma química análoga substituindo-se o grupo piridila por furanila tem sido desenvolvida de forma paralela.25,26

Uma série de derivados semelhantes do tipo LiSnR3, onde R é um grupo alcóxido coordenados de forma k3 foram preparados pela reação de alcóxidos de lítio com Sn(OR)2.27-29 Nesses compostos os oxigênios fazem pontes entre os cátions Sn(II) e Li+. A reação de SnCl2 e [Li(thf)3{Si(Si(SiMe3)3}] em Et2O numa temperatura de -78 ºC formou [Li(thf)3(m-Cl)Sn{Si(SiMe3)3}2] ao invés do esperado Sn{Si(SiMe3)3}2. Experimentos de difração de raios-X de monocristal mostrou que esse composto exibe um átomo de Sn ligado a dois grupos de Si(SiMe3)3 e a um Cl, em ponte entre Sn(II) e Li+.30

A reação em amônia liquida a 345K entre SnPh4 e Li metálico levou à preparação de um composto bastante interessante, [Li(NH3)4][Sn(SnPh3)3]. Nessa reação ocorreu um rearranjo do SnPh4, formando o ânion [Sn(SnPh3)3]-, bastante raro na química de coordenação do Sn(II). Essa molécula não exibe nenhum contato Sn-Li, já que o cátion alcalino terroso se encontra afastado do ânion e solvatado por moléculas de amônia.31

O composto [{(Me3Sn)2NLi(thf)}2], conhecido desde a década de 70, teve sua estrutura elucidada apenas na década passada, Figura 10.

 


Figura 10. Estrutura do composto [{(Me3Sn)2NLi(thf)}2]

 

Esse composto tem sido utilizado em reações com SnCl2 nas quais se obtém compostos cúbicos do tipo [Sn(m3-NSnMe3)]4, cujas arestas alternam Sn(II) e N.32 Compostos análogos em que esse amideto de lítio se encontra presente foram sintetizados utilizando-se estratégias diferentes.33

Estanilas de sódio

São poucos os exemplos desses derivados. Existem alguns contendo grupos alcóxidos NaSn(m-OR)3 onde os oxigênios fazem ponte entre Sn(II) e Na+.34

O composto [Sn(h5-C5H5)3Na(pmdeta)] foi obtido na reação química entre [Sn(h5-C5H5)2] e Na(h5-C5H5) na presença de pmdeta. Ele apresenta dois grupos ciclopentadienilas em posição terminal e outro fazendo uma ponte de coordenação entre Sn(II) e Na+.35

A reação entre Napz {Pz = pirazol} com SnCl2 forneceu [{Na(Pz)(thf)Sn(m-Pz)2(Pz)}2], Figura 11, um dímero com grupos Pz terminais e em ponte.

 


Figura 11. Estrutura molecular do composto [{Na(Pz)(thf)(m-Pz)2Sn(Pz)}2]

 

Nesse composto, a média das ligações Sn-N situa-se em torno de 2,169 Å.36

Estanilas de potássio

A reação de silóxidos de Sn(II), Sn(OSiR2R')2, com silóxidos de potássio, KOSiR2R', forneceu o derivado KSn(OSiR2R')3 {R = R' = Ph or R = Me and R' = But}.37

Já o composto [K(18-crown-6)SnPh3] foi obtido através da cristalização de KSnPh3 em dme, na presença de 18-crown-6, Figura 12.

 


Figura 12. Estrutura molecular do composto [K(18-crown-6)SnPh3]

 

A estrutura cristalina não apresenta ligação covalente entre o K+ e Sn(II). Entretanto, a publicação original não leva em conta a existência de um contato K - C do anel fenila em torno de 3,28 Å. Uma análise mais criteriosa leva a crer que a estrutura não é molecular, formada por um par cátion/ânion, mas um polímero unidimensional. O cátion Sn(II) se localiza no topo de uma pirâmide trigonal, cujos lados são formados por ligações Sn - C com distância média de ligação de 2,224 Å. Além da ligação K - C do anel fenila, esse cátion encontra-se coordenado aos átomos de oxigênio do éter de coroa (18-crown-6), com ligações K - O variando de 2,764(5) a 2,851(5) Å.38,39

Em outro experimento, o composto [K(dme)2Sn(m-OSiPh3)3] foi isolado da reação entre {Sn(OSiPh3)(m-OSiPh3)}2 com {K(thf)2OSiPh3} em dimetoxietano (dme), Figura 13.

 


Figura 13. Estrutura molecular do composto [K(dme)2Sn(m-OSiPh3)3]. As moléculas de dme foram omitidas de forma a tornar a figura mais clara

 

Experimentos de cristalografia de raios-X revelou uma estrutura monomérica com ligações Sn - O variando entre 2,0567(22) a 2,0920(22) Å e os contatos K - O entre 2,7835(24) a 2,9039(26) Å. Já a distância de ligação Sn - K foi determinada em 3,515(1) Å. Dois grupos dme coordenam o cátion K+ de forma mono ou bidentada. Experimentos de RMN de 119Sn em solução revelaram um sinal em d -361 sem qualquer evidência de acoplamento 1J(Sn-K), sugerindo que em solução ocorre a dissociação da ligação Sn - K.40

A quebra da ligação Sn - Sn no [Np3Sn-SnNp3] (Np = -CH2But) com K numa mistura de thf/naftaleno, seguido da adição de tolueno, forneceu [K(h6-tolueno)3Sn(Np)3], Figura 14.41

 


Figura 14. Estrutura molecular do composto [K(h6-tolueno)3Sn(Np)3] (Np = -CH2But)

 

A determinação estrutural por difração de raios-X mostrou que o cátion K+ se encontra coordenado a três moléculas de tolueno, de forma h6, onde o comprimento médio de ligação desse cátion com o centro do anel é de 3,30 Å. Um arranjo similar foi observado no composto [K(18-crown-6)(h-tolueno)2][K(18-crown-6){Sn(OSiPh3)3}2].42 O cátion K+ é coordenado pelo par de elétron não ligante do grupo estanila, cuja distância de ligação é 3,548(3) Å. Experimentos de CPMAS de 119Sn no estado sólido revelaram uma série de quartetos centrados em d -221 resultantes do acoplamento entre o núcleo de 39K(s = 3/2) e 119Sn (s = ½) {1J(Sn-K) 289 Hz}. Apenas um simpleto em d -211 aparece em solução, mostrando o afastamento de cátion e ânion devido ao efeito de solvatação.

Outros exemplos de estanilas de potássio foram preparados mais recentemente. Para alguns compostos, embora exibam contatos K - Sn próximos aos valores dos raios de van der Waals, nenhum experimento de RMN no estado sólido foi feito.43 Outros compostos não exibem qualquer contato direto de ligação com o Sn(II) nem por intermédio de pontes de átomos doadores de elétrons como em exemplos vistos ao longo desse manuscrito.44

 

ORGANOESTANILAS DE METAIS ALCALINO TERROSOS

Estanilas de magnésio

Algumas estanilas de magnésio tiveram suas estruturas determinadas por cristalografia de raios-X, [Mg(CH3ON)(SnCl3)2], [Mg(CH3ON)(Sn2Cl5)(SnCl3)], [{Mg(m-OBut)}2{Sn(m-OBut)2(OBut)}2] e [Mg(thf)6{Sn(h5-C5H5)3}].45,46,19 Nenhum desses compostos exibem ligação Mg - Sn. Nesse último composto, Figura 15, o cátion Sn(II) encontra-se coordenado a três anéis C5H5, o que é bastante raro, fazendo desse composto o único exemplo desse tipo de esquema de ligação em se tratando de Sn(II) e do ligante em questão. O Mg(II) liga-se a seis moléculas do solvente, thf.

 


Figura 15. Estrutura molecular do composto [Mg(thf)6{Sn(h5-C5H5)3}]

 

Estanilas de cálcio, estrôncio e bário

O número de espécies de estanilas de metais alcalino terrosos é bastante reduzido se comparado com os compostos da família 1. Artigos antigos descrevem a autenticação cristalográfica de quatro compostos, sendo que apenas um deles apresenta ligação Sn - Ca.47,48

O composto [Ca(thf)4(SnMe3)2], Figura 16, foi preparado ao se adicionar Ca metálico numa solução de Sn2Me6 em thf. Formaram-se também pequenas quantidades de Ca(thf)4{Sn(SnMe3)3}2 e SnMe4 durante a reação.49

 


Figura 16. Estrutura molecular do composto [Ca(thf)4(SnMe3)2]

 

Esse composto é monomérico no estado sólido com ligação Sn - Ca de 3,2721(3) Å. Experimentos de RMN de 119Sn NMR em solução mostraram um sinal em d -203, sem evidência de acoplamento desses dois núcleos em solução. Nenhum estudo de RMN no estado sólido foi efetuado nesse trabalho.

A reação do composto NaSn(m-OBut)3 com CaI2 possibilitou a obtenção do derivado [Ca{Sn(m-OBut)3}2] ou então ao se tratar Ca(OBut)2 com Sn(OBut)2.46 Essa estratégia foi utilizada na obtenção do composto [Ca{Sn(m-OSiMe2But)3}2], produzido através da reação química do Sn(OSiMe2But)2 com Ca(OSiMe2But)2 em dimetoxietano (dme). Por sua vez, o composto de partida de Ca(II) foi preparado reagindo-se HOSiMe2But com cálcio metálico em amônia liquida, Figura 17.

 


Figura 17. Estrutura molecular do composto [Ca{Sn(m-OSiMe2But)3}2]. Os átomos de carbono e hidrogênio foram omitidos para uma melhor visão do ambiente químico em torno do Ca(II) e Sn(II).

 

Cada um dos grupos estanilas, [Sn(m-OSiMe2But)3]- conecta-se ao cátion Ca(II) numa forma k3 de coordenação, exibindo ligações Ca - O com comprimento médio de 2,408 Å.50

Sinais muito próximos devido à ressonância do 119Sn foram observados no espectro de RMN de 119Sn, d -310, -318, -323 e -330 em solução de dme. Já o espectro de RMN de 119Sn no estado sólido exibiu apenas um sinal em diso -315. Acredita-se que os vários sinais em solução sejam devido à diferentes formas de solvatação do dme.

Devido abaixa abundância natural do 43Ca (s =7/2), 0,14% não foi possível observar acoplamento entre esse núcleo e 119Sn.

Uma série de estanilas de Ca(II), Sr(II) e Ba(II)¸ [Ca(18-crown-6)(hmpa)2][Sn(SnPh3)3]2, Figura 18(a), [Sr(18-crown-6)(hmpa)2][Sn(SnPh3)3]2, Figura 18(b) e [Ba(18-crown-6)(hmpa)2][SnPh3]2, Figura 18(c), {onde hmpa = hexametilfosforamida} foram preparados através da reação de Sn2Ph6 e o metal alcalino terroso correspondente. Os produtos são formados pela inserção do metal na ligação Ph3Sn - SnPh3.

 


Figura 18. Estrutura molecular dos compostos [Ca(18-crown-6)(hmpa)2][Sn(SnPh3)3]2 (a), [Sr(18-crown-6)(hmpa)2][Sn(SnPh3)3]2 (b) e [Ba(18-crown-6)(hmpa)2] [SnPh3]2 (c). Representa-se na figura (c) apenas um dos ânions para uma melhor visão do ambiente químico

 

É importante observar que no caso da reação com Ba, ocorre apenas a quebra da ligação Sn - Sn, enquanto com os outros metais alcalino terrosos ocorre um rearranjo da espécie estanho formando o ânion [Sn(SnPh3)3]-. Essa espécie apresenta o estanho em dois diferentes estados de oxidação, Sn(II), o cátion central, e Sn(IV), ligados a três anéis Ph. O ambiente químico em torno dos cátions alcalino terrosos é bastante semelhante, pois eles se encontram coordenados ao éter de coroa e a duas moléculas de O=P(NH2)3. Cátions e ânions formam unidade separadas mantidas juntas por interação eletrostática.

ESTANILAS DE Sn(II)

A reação do HOSO2CF3 com [Sn(h5-Cps)2] {Cp= C5Me4(SiMe2But)} em tolueno permitiu o isolamento do composto [{Sn(h5-Cps)}{Sn(h5-Cps)(OSO2CF3)2}], Figura 19. A estrutura molecular e estudos de RMN de 119Sn revelaram que esse composto na verdade é formado pela associação de um cátion [Sn(h5-Cps)]+ e do ânion [Sn(h5-Cps)(OSO2CF3)2]-. Existem dois tipos de interação Sn - O, duas bastante longas com comprimento médio de 2,991 Å e duas ligações curtas com distância de 2,471 Å, respectivamente.

 


Figura 19. Estrutura molecular do composto [{Sn(h5-Cps)}{Sn(h5-Cps) (OSO2CF3)2}]

 

Experimentos de RMN de 119Sn no estado sólido mostraram duas ressonâncias em diso -2065, - 2301 concordando com os resultados de raios-X. Em solução apenas um sinal é observado em d -2170, sugerindo que as estruturas no estado sólido e em solução são diferentes.51 É possível que em solução o composto exista como [Sn(h5-Cps)(OSO2CF3)]. Semelhante composto foi preparado de forma análoga [{Sn(h5-Cp*)}{Sn(h5-Cp*)(OSO2CF3)2}] {Cp* = C5Me5}, apresentando uma estrutura bastante parecida.52

 

CONCLUSÕES

Como foi salientado no texto, a química do estanho é estratégica para o país, tendo em vista a importância desse metal no cenário mundial e as reservas brasileiras de cassiterita. É necessário agregar valor ao mineral extraído de nosso subsolo. À despeito disso, são poucos os grupos de pesquisa dedicados ao seu estudo no Brasil. Um dos objetivos dessa revisão é divulgar a química organometálica do Sn(II). Então, resumiram-se aqui alguns aspectos interessantes sobre estanilas de metais representativos. Este artigo é a quarta revisão sobre a química organometálica do Sn(II) publicada pelo autor em Química Nova.10-12 Os outros dois manuscritos incluíram dados sobre estanocenos e estanilenos. Forneceram-se nessa revisão detalhes sobre rotas sintéticas, resultados de RMN de 119Sn e sobre as estruturas moleculares de estanilas contendo Li(I), Na(I), K(I), Mg(II), Ca(II), Sr(II), Ba(II) e Sn(II). Como mostrado nesse artigo, poucos desses compostos exibem ligações diretas entre com Sn(II), evidenciadas por experimentos de cristalografia de raios-X ou por experimentos de RMN em solução ou no estado sólido. Na maioria deles, no entanto, os cátions encontram-se distantes do ânion. O estudo da química organometálica do estanho envolve estratégias sintéticas aprimoradas, dedicação e persistência. Entretanto, não se questiona a experiência adquirida pelos estudantes envolvidos em síntese inorgânica e orgânica, bem como nas espectroscopias envolvidas. Afinal, é imprescindível que os egressos dos cursos de mestrado e doutorado em química tenham adquirido uma forte e profunda bagagem de conhecimento, a ser colocada em prática em suas vidas profissionais e transferida para as próximas gerações de estudantes.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, com acesso livre, os códigos CSD das estruturas mencionadas no texto, cujos CIFs foram depositados no Cambridge Crystallographic Data Centre (CCDC).

 

AGRADECIMENTOS

O autor agradece aos seguintes órgão de financiamento de pesquisa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (304772/2017-8), Fundação de Amparo da Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG (APQ-01626-14) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) (99999.005687/2015-02) por ter ao longo dos anos dado suporte financeiro para o desenvolvimento da pesquisa em meu laboratório.

 

REFERÊNCIAS

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2. de Lima, G. M.; dos Santos, C. G.; Coord. Chem. Rev. 2020, 410, 213236.

3. de Lima, G. M.; de Castro, V. D.; Siebald, H. G. L.; Leal Neto, J.; Main Group Metal Chem. 2001, 24, 223.

4. de Lima, G. M.; Duncalf, D. J.; Constantine, S. P.; Main Group Metal Chem. 2001, 24, 675.

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