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Nota Técnica


Um spin coater artesanal baseado em lixo eletrônico: uma alternativa versátil e de baixo custo
A homemade spin coater based on electronic waste: a versatile and low cost alternative

Sirlon F. Blaskievicz; Leandro Luiz Soares; Lucia Helena Mascaro*

Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, 13565-905 São Carlos - SP, Brasil

Recebido em 02/02/2021
Aceito em 24/03/2021
Publicado na web em 16/04/2021

Endereço para correspondência

*e-mail: lmascaro@ufscar.br

RESUMO

High-precision equipment generally represents a significant portion of a laboratory budget, leading the access by laboratories with limited financial resources difficult. Then, adaptation of materials such as electronic trash may be a key factor to overcome financial obstacles. As the technological advancement brings with it an increase in the disposal of pieces of equipment considered obsolete, these pieces however can still be used in the construction of new equipment. The present work shows the employment of a scrapped computer HD in addition to an Arduino microcontroller and other electronic components to build a low-cost spin coater. The thickness of films obtained in the handmade equipment presented approximately five percent of difference in relation to films obtained in a commercial equipment.

Palavras-chave: teaching and research laboratories; spin coating; DIY; lab equipment; recycling; arduino.

INTRODUÇÃO

Os avanços na ciência e tecnologia, sem dúvida, revolucionaram a maneira como o mundo moderno vive. Com isso, é possível pontuar avanços em termos de saúde, tecnologia e principalmente econômicos. Porém, esse desenvolvimento é um processo contínuo e que demanda custos para a manutenção da infraestrutura laboratorial,1 bem como insumos e equipamentos. Equipamentos especializados capazes de entregar resultados com independência e alta precisão geralmente representam uma parcela significativa dos orçamentos.2 Mas o avanço tecnológico levanta um tema a ser debatido, muitos equipamentos eletrônicos, apesar de seu alto custo, após certo período são dados como obsoletos e descartados, mas será que suas peças que ainda funcionam não poderiam ser reaproveitadas?

A ideia de sustentabilidade se concentra nas estratégias usadas para atender necessidades atuais da sociedade sem comprometer as do futuro. Essa definição é tirada de uma perspectiva econômica, social e ambiental.3 Embora a política nacional de resíduos sólidos (Lei Nº 12.305), que organiza a forma como o país gerencia seu lixo e exige transparência dos setores público e privado no gerenciamento de seus resíduos, tenha entrado em vigor 2010,4 pouco tem sido observado quanto a implementação de empresas de reciclagem e aterros sanitários e químicos. Mesmo em lugares que possuem empresas de reciclagem de equipamentos eletrônicos, estas não têm a estrutura necessária para suprir a demanda nacional. De acordo com dados de 2017, o Brasil é o maior gerador de lixo eletrônico da américa latina,5 produzindo aproximadamente 1,5 mil toneladas por ano, sendo que apenas 3% desta quantidade é devidamente descartada e reciclada. Componentes eletrônicos como o disco rígido (HD) de um computador possuem uma vida útil média de 3 anos e, após o fim de seu uso, poderiam ser aplicados em outros setores como a mineração urbana para recuperar os metais nobres,6 ou ainda, utilizar os componentes do motor que ainda estão funcionando em outros fins. Um motor tipo brushless, utilizado em HD's, permite um controle preciso da sua velocidade de rotação, o que abre portas para aplicação desse sistema na construção de equipamentos laboratoriais como agitadores magnéticos,7 sistemas de injeção8 e até mesmo equipamentos mais complexos e sofisticados como um spin coater.

O uso de filmes finos tanto de materiais orgânicos quanto inorgânicos é amplamente difundido em laboratórios que trabalham no campo de células solares,9 diodos emissores de luz orgânicos (OLED's),10 sensores,11 células a combustível,12 entre outros. Um método bastante empregado para a obtenção de filmes finos é através da técnica de spin coating (Figura 1), que consiste basicamente em um sistema com controle preciso de rotação e de tempo, o que, devido à força centrífuga exercida, permite uma deposição uniforme de um substrato de interesse como fotorresiste sobre um material suporte. A espessura do filme obtido depende de fatores como a viscosidade do substrato, a velocidade e o tempo de rotação utilizados.

 


Figura 1. Ilustração do processo de spin coating

 

Equipamentos comerciais de spin coating podem custar de U$2,513 passando de U$11 mil (como poderá ser visto na parte experimental sobre o modelo comercial empregado no presente trabalho), dependendo dos recursos disponíveis com o equipamento. Isso dificulta o acesso a esse método por laboratórios com recursos econômicos limitados, portanto, a adaptação de materiais considerados lixo eletrônico para a construção de um equipamento capaz de exercer a mesma função é uma alternativa que merece destaque. Além de o reaproveitamento de lixo eletrônico para a construção de equipamentos laboratoriais ser de grande utilidade a instituições de ensino e pesquisa com aporte financeiro limitado, é possível também eliminar possíveis efeitos prejudiciais desses produtos se fossem lançados inadequadamente no meio ambiente.

Ainda, visando baratear a construção de um equipamento laboratorial, componentes como o microcontrolador Arduino também se mostra como uma alternativa bastante interessante. Arduino é uma plataforma de desenvolvimento de hardware e software open source bastante popular tanto entre profissionais quanto entusiastas da área da eletrônica, sendo encontrado no mercado como placas de diferentes tamanhos de acordo com a capacidade de processamento (mega, mini, nano, entre outros) e devido a essa disseminação, o preço13 dessa placa é relativamente baixo. Sua popularidade se deve a fatores como o uso de linguagem de programação relativamente simples e processamento de sinais tanto analógicos quanto digitais. As entradas analógicas da placa podem processar sinais de sensores, cujo sinal de saída seja tensão como sensores de temperatura e de pressão,14,15 enquanto as saídas digitais processam dados para displays desses sensores como em analisadores de íons (pHmetros) e amplificadores de termopar com saída digital.16 A utilização da plataforma arduino permite que estudantes se envolvam com uma aprendizagem com ênfase em hardware e software favorecendo sua formação em um perspectiva interdisciplinar.17 A versatilidade da plataforma apresenta-se como uma aliada não somente no ensino como em laboratórios de pesquisa.16-18 O presente trabalho, utiliza uma placa Arduino nano®, um HD de computador reaproveitado de sucata, e outros componentes eletrônicos disponíveis no mercado nacional para a construção de um equipamento spin coater robusto e de baixo custo.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Foram utilizados para a construção do spin coater: placa microcontroladora Arduino Nano® com processador AT mega 328; HD proveniente de computador considerado obsoleto; tela de cristal líquido verde (LCD 16 x 2); potenciômetro de 100 kΩ; módulo sensor de IR TCRT5000; controlador de velocidade elétrico (electronic speed controller - ESC 12A); servo testador; fonte de alimentação (12 V, 0,5 A); caixa plástica para projetos eletrônicos (200 × 100 × 70 mm), pote plástico de 10 cm de diâmetro com tampa e fita isolante.

O código de programação para o Arduino controlar as funções do spin coater foi baseado em códigos pré-existentes, visando o Arduino executar as funções de tacômetro e cronômetro de maneira simultânea. A velocidade de rotação do equipamento é ajustada manualmente para depois iniciar o processo de deposição, sendo o controle das funções anteriores, independentes. A programação segue a linguagem C++ e foi carregada para a placa Arduino Nano, através do software Arduino IDE. O código completo está disponibilizado no Material Suplementar.

As conexões dos componentes estão detalhadas no material suplementar (tabela S1) e exemplificadas na Figura 1S, Inicialmente, o circuito eletrônico foi montado em um protoboard, para testes das atividades programadas, sendo posteriormente transferido para uma placa de PCB (Print Circuit Board).

A Figura 2S apresenta fotos do spin coater. O projeto eletrônico foi montado em uma caixa plástica para projetos de eletrônica. Um pote plástico foi usado como campânula e recipiente para o recolhimento do excesso de substrato para evitar danificar o interior do equipamento eletrônico. O pote plástico foi cortado com serra copo, de tal modo, que uma parcela do seu fundo ficasse intacta e, em nível inferior ao qual o substrato é fixado. Na tampa do pote plástico foi feito um orifício (1,5 cm de diâmetro) pelo qual o substrato é depositado. Quando o spin coater não está em uso, o orifício é fechado com uma tampa de balão volumétrico. Um vídeo mostrando o funcionamento do aparelho está disponibilizado como material suplementar.

O spin coater foi testado na deposição de um filme fino de TiO2, usando uma pasta comercial transparente da Sigma Aldrich, sobre um eletrodo de óxido de estanho dopado com flúor (FTO). Antes da deposição, o aparelho é cuidadosamente nivelado e o substrato, previamente limpo. A pasta comercial foi diluída em etanol (0,5:3,5 g, resiste:solvente) e 100 μL desta pasta é injetada sobre o substrato e depositada uniformemente sobre o eletrodo usando o spin coater trabalhando a 3000 rpm durante 30 s. As etapas do processo de deposição estão ilustradas na Figura 2.

 


Figura 2. Ilustração das etapas do processo de spin coating no equipamento artesanal: (i) Abre-se a tampa do equipamento; (ii) fixa-se o substrato (FTO) com fita dupla face no centro do spin coater; (iii) ajusta-se a velocidade até o valor desejado e após gotejar o material de interesse dispara-se o cronômetro

 

O equipamento foi validado, comparando a deposição de um filme fino no spin coater artesanal com um equipamento comercial (Laurell modelo ws-650mz-23nppb), nas mesmas condições de rotação, tempo de deposição e número de camadas de deposição (3000 rpm, 30 s, 2 camadas), esse modelo foi comprado em 2019 pelo valor de U$11,495. A espessura dos filmes foi medida em um microscópio eletrônico de varredura (MEV - FE-SEM, Zeiss Supra 35 a 2 kV).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Controle e leitura da velocidade de rotação do spin coating

Um motor tipo brushless como utilizado em HD's foi escolhido devido a vantagens como alta durabilidade, tamanho compacto, baixa dissipação de calor e controle preciso da velocidade. Um dos parâmetros mais importantes para a espessura do filme fino é a velocidade aplicada durante o processo de spin coating, para tanto, o controle de velocidade foi feito através de um servo testador, que recebe corrente contínua e converte em um pulso de largura modulada (Pulse Width Modulation - PWM), esse pulso por sua vez é transmitido para o ESC, que controla a velocidade de rotação do motor de HD. Ao girar o botão do servo testador é possível variar a frequência do PWM e, com isso, variar a velocidade com que o motor irá girar.

Para que a velocidade pudesse ser monitorada, foi utilizado um sensor infravermelho digital, o qual é interfaceado com o Arduino por código binário simples. Seu funcionamento é baseado no uso de dois LEDs (Figura 3), um que emite radiação de 950 nm e outro capaz de absorvê-la, ambos são separados por um anteparo. Quando o LED absorvedor recebe a radiação ele apresenta uma resposta do tipo nível alto (1 no código binário), bem como, na ausência de radiação, a resposta é nivel baixo (0 no código binário). Para que o sinal chegue ao LED detector, faz-se necessário o uso de material com superfície reflexiva, nesse caso, é conveniente manter o disco metálico do próprio HD no motor, visto que este possui polimento especular. Ainda, é preciso que uma parcela da superfície seja opaca, de modo que ao passar por essa parte o sensor possa dar a resposta nível baixo. Essa parcela opaca pode ser feita colando uma fita isolante na superfície do disco (Figura 3). Dessa forma, cada vez que o sensor der uma resposta nível baixo, é possível contar uma revolução, e a partir disso construiu-se a operação utilizada no Arduino para que o número de revoluções por minuto (rpm) fosse mostrado no painel de LCD. Para evitar que o sensor ficasse exposto, a estrutura externa do motor foi furada e o sensor alocado próximo a parte inferior do disco metálico.

 


Figura 3. Ilustração do funcionamento do sensor infravermelho utilizado como tacômetro

 

Comparação da espessura dos filmes obtidos

A Figura 4 apresenta as micrografias de secção transversal dos filmes preparados nos equipamentos comercial e artesanal. O filme obtido no spin coater artesanal apresentou uma espessura de 720 nm enquanto o comercial de 691 nm, uma diferença de aproximadamente 5%. Essa diferença pode ainda ser explicada por fatores como o ângulo em que a micropipeta estava no momento da injeção, e que é difícil de reproduzir até mesmo em replicatas utilizando um mesmo equipamento, visto que dependem do manejo do usuário e não do equipamento. Conforme apontam os dados da espessura dos filmes obtidos nos equipamentos comercial e artesanal de spin coating, o equipamento construído neste trabalho pode suprir com bom desempenho a ausência de um equipamento mais caro.

 


Figura 4. Imagem de MEV de secção transversal de filme de TiO2 feito em spin coater: a) artesanal e b) comercial

 

CONCLUSÕES

Neste trabalho apresentamos um método simples e relativamente barato da construção de um equipamento para a obtenção de filmes finos pela técnica de spin coating, valendo-se de materiais de baixo custo ou que foram reaproveitados a partir de lixo eletrônico. A construção desse equipamento permite, além de tudo, que sejam explorados conceitos interdisciplinares como eletrônica, programação e os princípios físicos envolvidos no funcionamento do equipamento como a medida de velocidade, que são de grande valor ao profissional dos mais variados ramos da química. Outra vantagem em relação ao equipamento comercial é a simplicidade, sendo desnecessário o uso de bomba de vácuo para a fixação do substrato, tornando esse spin coater artesanal acessível a laboratórios com orçamentos restritos. Por fim, o equipamento artesanal aqui obtido se mostrou uma alternativa atraente para ser utilizado em laboratórios com menor recurso financeiro, visto que os filmes obtidos nele tiveram uma diferença de espessura pouco significativa relação àquela obtida em um equipamento comercial (~ 5%).

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

O esquema das conexões para a montagem do spin coating, bem como o código utilizado para programar o Arduino neste trabalho estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre. Um vídeo também está disponível online, mostrando o funcionamento do spin coater artesanal.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, pelas bolsas concedidas (Processo:142261/2019-0; 141091/2019-5). Os autores também agradecem às agências de fomento FAPESP/CEPID (2013/07296-2), FAPESP/GSK (2014/50249-8) e FAPESP/SHELL (2017/11986-5) pela assistência financeira ao projeto.

 

REFERÊNCIAS

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