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Usando analogias para lecionar sobre o átomo nas aulas de quimica geral no ensino superior Using analogies to teach about the atom in higher education general chemistry classes |
José ArãoI,*; Laurinda LeiteII; Emília NhaleviloIII
I. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Licungo, Beira, Moçambique Recebido em: 20/07/2021 *e-mail: matovaarao2007@gmail.com Chemistry deals with concepts associated with non-observable entities. Using analogies may facilitate the learning of such concepts, including the atom. In this study, we investigated the analogies that two chemistry teachers used when teaching about the atom at two Mozambican universities. These analogies were characterized and the reasons that led teachers to use analogies were analyzed. Teachers were observed when teaching about the atom and they were interviewed afterwards. Both teachers used different amounts of analogies, which focused on the Thomson and the Rutherford models. Almost all the analogies, that were created and used spontaneously, showed a lack of internal consistency, which may reduce their didactical value and even make them inducing incorrect ideas in the students. Teachers stated that they would start planning the use of analogies in their classes. If they are to do this properly, they need training that integrates two components: analogies and chemistry. INTRODUÇÃO Uma analogia é uma comparação entre dois domínios do conhecimento, um que é familiar ao sujeito e outro que lhe é desconhecido ou não familiar,1-3 mas que o sujeito pretende conhecer ou deveria compreender. Em termos gerais, numa analogia existe uma relação entre um elemento pertencente ao domínio familiar, também chamado domínio base, veículo, fonte ou análogo, e um elemento correspondente ao domínio não familiar, também designado por domínio desconhecido ou de destino ou alvo.1,4-7 Numa analogia, o análogo compartilha alguns aspetos com o alvo, que podem ter a ver tanto com aspetos superficiais, como com aspetos profundos, nomeadamente estruturais, funcionais ou outros.8 Se o análogo não for familiar ao sujeito, a analogia não será compreendida, não facilitará a compreensão do alvo e, consequentemente, não promoverá a aprendizagem. Em muitas publicações de educação em ciências, o termo analogia é usado como se fosse sinónimo de metáfora.9 Na verdade, e como afirmam Gentner et al.,10 as metáforas e as analogias são ambas baseadas em comparações entre domínios diferentes. No entanto, elas distinguem-se em dois aspetos.11 Por um lado, uma metáfora afirma que A é B (ex.: o átomo é o sistema solar) e uma analogia afirma que A é como B (ex.: um átomo é como o sistema solar); por outro lado, numa metáfora, as comparações são implícitas, enquanto que, numa analogia, as comparações são explícitas. Assim, em contextos de aprendizagem, as analogias têm mais probabilidade de serem objeto do entendimento desejado do que as metáforas. As analogias aparecem também associadas a modelos. Um modelo é uma representação material (ou física) ou mental de uma ideia, um objeto ou um processo.12 Tal como Coll et al.13 constataram, os professores usam modelos para explicarem, aos estudantes, conteúdos não observáveis e/ou abstratos.1,14 Os modelos, por um lado, simplificam uma realidade complexa e, por outro lado, representam (com um maior ou menor grau de aproximação) a realidade, nomeadamente quando pouco se conhece sobre ela.14,15 Com base em modelos, os cientistas fazem previsões, elaboram e testam hipóteses, descrevem, interpretam e explicam fenómenos e formulam questões a respeito do mundo12,16 parte dos modelos requer o estabelecimento de uma comparação entre o modelo e a realidade que ele representa, pelo que um modelo, nessas condições, pode ser considerado um modelo analógico.17 A investigação mostra que há algumas condições a que as analogias devem obedecer para que a aprendizagem com analogias resulte. Algumas dessas condições são as que se seguem:
Ainda que a seleção de uma analogia seja criteriosa, o seu efetivo papel educativo depende sempre do modo como é entendida pelo aluno, entendimento esse que depende de vários fatores, alguns deles intrínsecos à própria analogia e outros relativos ao aluno e ao seu contexto. O uso de analogias no ensino de ciências pode apresentar alguns riscos1,20 associados: à própria analogia, por ela poder não representar fielmente o objeto ou a realidade a comparar; ao professor, pela forma como este a apresenta aos alunos; aos manuais escolares (ME), pela forma como eles apresentam e/ou representam a analogia; ao estudante, pela forma como a interpreta. Quando se usa analogias, e uma vez que o domínio base (e os seus elementos) e o domínio de destino (e seus elementos) apresentam semelhanças, mas não são iguais, é importante que os intervenientes (designadamente, professores e alunos) conheçam e/ou descubram essas diferenças,21 que se traduzem em limitações da analogia, para evitarem (ou, pelo menos minimizarem) os potenciais riscos decorrentes das diferenças entre os dois domínios. A investigação1,11,22 mostra que as analogias são reconhecidas como um recurso didático útil pelos currículos e ou pelos programas de diversos países. Na mesma linha, os manuais escolares (ME),1,5,23 incluindo os moçambicanos,24 recorrem a analogias, embora nem sempre o façam da melhor forma. Por outro lado, as analogias são usadas em muitas salas de aula, por iniciativa de professores e de alunos,1,25 designadamente de química,25 embora, por vezes, sejam inadequadamente formuladas e/ou exploradas. A química centra-se no nível sub-microscópico, lida com o não observável, recorrendo, por isso, a evidências indiretas, e trabalha com vários tipos de representação,26,27 desde o macroscópico ao sub-microscópico e ao simbólico,28,29 pelo que as analogias podem desempenhar um papel fundamental no seu ensino e aprendizagem, desde que se reconheça as limitações que podem apresentar e se atue em conformidade. Isso mesmo foi constatado por Rahayu e Sutrisno,30 quando compararam os resultados obtidos por alunos de química que usaram analogias para aprender sobre equilíbrio químico (conteúdo que envolve diversos níveis de representação) com os de alunos que não as usaram. Para uma utilização educacionalmente bem-sucedida de analogias não basta os professores terem vontade de as usar, mas é, antes, preciso que tenham uma formação adequada para as utilizarem em contexto didático, de modo a poderem conduzir adequadamente as discussões17 e a tomarem consciência que as analogias não devem ser usadas como uma mera explicação alternativa de conceitos difíceis, pois, frequentemente, as analogias são mais evidentes para quem as usa do que para quem as recebe.31 No entanto, alguns estudos baseados em observação de aulas17,31 sugerem que os professores usam analogias de uma forma espontânea e não planificada, sem terem consciência de que estão a usar esse recurso didático ou confundindo analogias com outros recursos didáticos, como exemplos, modelos e outros. Nesse contexto, os objetivos deste estudo foram os seguintes: caraterizar as analogias sobre o átomo e a estrutura atómica que professores de química geral utilizavam nas aulas que lecionavam na licenciatura em ensino de química; e compreender as razões e o modo como os professores em causa usavam as analogias nessa disciplina de química do ensino superior universitário.
METODOLOGIA A consecução do primeiro objetivo do estudo (que é parte de uma investigação mais abrangente descrita em Arão24 exigia recolha dados por observação de aulas, pois, segundo McMillan e Schumacher,32 a observação é a técnica que informa sobre o que os professores realmente fazem. Essa técnica, para além de requer bastante tempo, exige autorização para entrar na sala de aula do professor observado. Por essas razões, convidou-se apenas dois professores (P1 e P2), um de cada universidade, para participarem neste estudo. Um dos professores era doutor (P1) e outro era mestre (P2) em química e eram eles que, normalmente, lecionavam química geral na respetiva universidade. Foram observadas e gravadas em áudio as 11 aulas de 60 minutos que, sobre o átomo e a estrutura atómica, lecionaram os dois professores (P1 lecionou 6 aulas e P2 lecionou 4 aulas). Refira-se que, segundo os programas da disciplina de Química Geral, o conteúdo em causa deveria ser lecionado em oito aulas de 60 minutos cada, o que significa que os professores gastaram menos tempo do que o curricularmente previsto para a abordagem do tema. A gravação em áudio (meio menos intrusivo do que o vídeo) não perturbava o normal decurso das aulas e permitia o registo do discurso para posterior análise das analogias usadas pelos professores. A observação centrou-se: no número de analogias; nos conteúdos químicos de incidência das analogias; no conteúdo do análogo utilizado; nos pontos fortes e fracos das analogias. Para alcançar o segundo objetivo, ou seja, para perceber por que razão e como os professores usavam analogias, por que o faziam de determinada forma e como as selecionavam, recorreu-se ao inquérito por entrevista, concretizado através de uma entrevista semiestruturada, que foi áudio-gravada. Ela foi realizada na universidade em que cada professor trabalhava e, tal como recomendam McMillan e Schumacher,32 num lugar em que estava apenas o investigador e o entrevistado. As respostas dos entrevistados foram sujeitas a análise de conteúdo, centrada num conjunto de aspetos, procedimento que, como defendem Bogdan e Biklen,33 reduz a subjetividade da análise e facilita a comparação entre os professores. Para o efeito, considerou-se o objetivo de cada pergunta e procurou-se, nas respostas de cada entrevistado, a passagem que continha informação relacionada com o mesmo, identificaram-se as ideias subjacentes a cada uma dessas passagem e compararam-se as mesmas para os dois entrevistados. A fim de sustentar as interpretações efetuadas, na secção seguinte serão apresentados pequenos extratos das entrevistas dos quais emergiram as referidas interpretações.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS No que concerne ao uso de analogias, durante as aulas observadas, constatou-se que ambos os professores recorreram a analogias, mas verificou-se uma grande diferença entre os números de analogias usadas pelos dois professores. Nas aulas gravadas (seis do P1 e quatro do P2) constatou-se que o professor P1 usou 17 analogias em 417 minutos (o que dá uma média de uma analogia em cada 24,5 minutos) e o professor P2, em 218 minutos, apresentou cinco analogias (o que dá uma média de uma analogia em cada 43,6 minutos). Os dois professores usaram, durante a lecionação do conteúdo em causa, uma única analogia comum (analogia de pudim de passas/ bolo de passas), constante no manual escolar (ME) de química da autoria de Barros (2014), que era adotado (à data de recolha de dados) nas escolas secundárias moçambicanas. Acresce que, das restantes 16 (das 17) analogias usadas pelo professor P1 e as restantes quatro (das cinco) analogias apresentadas pelo professor P2, algumas podem ser encontradas em livros didáticos em uso em outros países (ex.: sistema planetário, esfera maciça, bola que desce rampa e escadas, planeta terra girando em torno do sol, saída de um asteroide da sua órbita), mas outras parecem ter sido criadas pelos mesmos, pois não se conheciam, não se encontraram na literatura revista, nem em ME e não foram referidas pelos professores de didática entrevistados num estudo realizado por Arão24 sobre a formação em analogias facultada a futuros professores moçambicanos de química. Nas Tabelas 1 and 5 sintetizam-se as 17 analogias usadas pelo professor P1 nas aulas em que foi observado a lecionar conteúdos sobre o átomo e a estrutura atómica, as quais recorrem a uma diversidade de análogos (comportamentos do ser humano ou de seres não humanos, corpos celestes, alimentos e objetos diversos), cuja natureza foi considerada para agrupar as analogias nas referidas tabelas. Em cada tabela, a par com a síntese das analogias, é apresentada, também, a análise das diversas analogias, a qual resulta do respetivo mapeamento, seguindo a metodologia proposta por Ferry.8
A fim de ilustrar o mapeamento efetuado, transcreve-se a apresentação, verbal, da analogia 10, tal como foi apresentada pelo professor P1 em uma das aulas observadas: "Imagina quando um individuo fica zangado você continua ainda definitivamente zangado? O que se sucede depois de algum tempo. Depois de algum tempo você volta ao estado natural, você respira fundo de alívio. Assim também acontece quando o eletrão sai do estado fundamental ao estado excitado com absorção de quantum de energia e volta ao seu estado fundamental com emissão de quantum de energia que havia absorvido. Quer dizer que a senhora ficou nervosa, ficou excitada saiu e foi a casa da mãe e depois de baixar os nervos ela voltou a sua casa o que corresponde a emissão de quantum de energia e regresso ao estado fundamental onde a energia é baixa." (P1) O mapeamento dessa analogia (Tabela 6) evidencia as correspondências entre elementos do domínio alvo e do domínio análogo (E1, E2 e E3), a correspondência entre mudanças de comportamento desses elementos [E2 (r1) e E1(r2)] e as relações entre relações no domínio alvo e relações no domínio análogo [A1(E1)]. Esses aspetos são importantes quando se usa analogias que são complexas e que, como decorre do que foi escrito na primeira parte do texto, precisam de ser bem explicitadas para poderem ser devidamente entendidas. O mapeamento das analogias permite, também, obter informação sobre a consitência interna das analogias, na medida em que obriga a explicitar os elementos que constituem cada analogia e as relações que entre eles se estabelecem, facilitando a análise da validade científica e pedagógica das relações estabelecidas entre o(s) elemento(s) considerado(s) alvo(s) e o(s)considerado(s) análogo(s). Os pontos fracos que emergiram do mapeamento das analogias são evidências da respetiva inconsistência interna.
A análise apresentada nas Tabelas 1 and 5 mostra que a maior parte das analogias usadas pelo professor P1 têm potencialidades e limitações, o que é concordante com resultados obtidos por outros autores.11,21,34 Contudo, esse tipo de análise não parece ter sido, nem mesmo implicitamente, efetuado pelo professor antes de usar as analogias nas suas aulas. Na verdade, embora tenha tentado apresentar algumas descrições para facilitar a compreensão das analogias (por exemplo, na analogia 10, descreveu o que sucede com o eletrão excitado e depois da desexcitação, relacionando-o com o comportamento da pessoa nervosa e depois de estar calma), tal como aconteceu no estudo realizado por Kim et al.,21 P1 não considerou pertinente ou não conseguiu apresentar as potencialidades e as limitações das analogias usadas. Essa omissão pode levar os estudantes a estabelecer relações concetuais pouco apropriadas com o conceito em causa e, até, a construir ideias erradas sobre os conceitos que P1 queria ensinar. Na verdade, mais de um terço das analogias usadas por esse professor envolviam comparações do átomo e de partículas subatómicas com o ser humano e seus comportamentos (ex.: as analogias 8, 10, 12, 15 e 17) ou com animais ou seres imaginários (ex.: a analogia 11 e a analogia 16) ou com corpos celestes e seus movimentos (ex.: as analogias 4, 13 e 14), com alimentos, como frutas e suas caraterísticas (ex.: as analogia 1) ou pudim de passas (ex.: analogia 3) e com objetos de natureza diversa (ex.: as analogias 2, 5, 6, 7 e 9). Como foi referido anteriormente e como Akaygun, et al.22 reconhecem, esse tipo de comparações pode ser problemático, pois os estudantes podem fazer uma transferência indevida de caraterísticas e comportamentos do ser humano, de animais ou dos corpos celestes para o átomo e para as partículas subatómicas. Note-se que as analogias apresentadas por P1 eram analogias verbais, não tendo o professor recorrido, em nenhum caso, a elementos visuais (imagens) ou gráficos (esquemas), os quais, como referem Dourado et al.; Vasconcelos e Arroio35,36 podem ajudar os alunos a fazer a transição do domínio macroscópico (do dia a dia) para o sub-microscópico (da Química). A Tabela 7 apresenta as analogias que foram usadas pelo professor P2 nas aulas observadas e a respetiva análise resultante de um mapeamento semelhante ao explicitado na Tabela 2.
A análise das analogias apresentada na Tabela 7 resultou do mapeamento estrutural das diversas analogias utilizadas por P2, nas suas aulas. A fim de ilustrar esse mapeamento, transcreve-se a apresentação, verbal, da analogia 1 pelo professor P2:
Na Tabela 8 apresenta-se o mapeamento desta analogia, o qual evidencia as correspondências entre elementos do domínio alvo e do domínio análogo (E1 e E2) e a correspondência entre mudanças de comportamento desses elementos (E1 (r1) e E1 (r2)), aspeto importante quando se usa analogias.
Da análise apresentada na Tabela 3, constata-se que, tal como se verificou no caso de P1, todas as analogias usadas pelo professor P2 têm potencialidades e limitações. Contudo, nas aulas, P2 limitou-se, tal como P1, a apresentar as analogias, sem as explorar para evidenciar as suas potencialidades e limitações, o que é especialmente grave quando as analogias estão, elas próprias, erradas. Isto acontece com a analogia 5, em que a relação deveria ser oposta da apresentada, sendo que, além disso, essa analogia, pelo análogo a que recorre, pode ferir a sensibilidade de algumas pessoas, o que a torna inadequada. Na verdade, essa analogia demonstra machismo e desprezo pelas mulheres, o que pode pode fazer as estudantes sentir-se desconfortáveis nas aulas e até desmotivá-las da aprendizagem da química. Note-se ainda que, com exceção da analogia 2, as analogias utilizadas comparam o átomo ou os seus elementos com pessoas ou com comportamentos de pessoas. Essa incidência pode ser problemática pois, segundo Treagust et al.,37 os estudantes podem ser tentados a transferir o comportamento humano para o átomo e para os respetivos eletrões, o que não ajuda na aprendizagem. Conhecidas as analogias utilizadas e pelos problemas importava compreender por que razão usavam este recurso didático. Apesar dos problemas identificados nas analogias observadas nas respetivas aulas, quando entrevistados, ambos os professores afirmaram que usavam analogias quando, durante as aulas, sentiam que os alunos precisavam de uma ajuda para aprender, o que, à luz dos resultados da investigação20 faz sentido. Como refere um dos professores, essa necessidade pode depender do nível cognitivo dos alunos:
Contrariamente ao que a investigação recomenda, mas tal como foi constatado por Rahayu e Sutrisno; Maharaj-Sharma-Sharma e Sharma; Ramos et al.,30,38,39 as analogias são utilizadas pelos professores de modo não planeado como e sem que o seu uso seja explicitado,40 uma vez que fazem um uso espontâneo das mesmas:
De um modo geral, algumas analogias eram criadas pelos próprios professores, entre outros porque, como refere P1, algumas analogias incluídas em livros de química são usadas pelos professores, mas são de má qualidade e isso tem consequências negativas para os alunos:
Note-se que, nas aulas observadas, os professores usaram uma analogia retirada de um ME em uso em Moçambique e algumas outras existentes em livros utilizados em outros países, embora o possam ter feito de modo inconsciente. Efetivamente, a investigação tem mostrado que as analogias incluídas em ME apresentam, de facto, pouca qualidade31,41 e que isso prejudica os alunos.41-44 Esses professores afirmaram que já tinham ouvido falar de analogias, através de leituras (P1) e no mestrado realizado (P2). No entanto, são foram capazes de dar uma definição completa do conceito de analogia. Na verdade, e tal como haviam constatado Farias et al.,45 em estudos semelhantes, limitaram-se a dizer que uma analogia é uma comparação, sem explicarem como deve ser efetuada essa comparação (P1), e que deve usar aspetos do contexto do aluno, sem mencionarem a necessidade de ela estabelecer uma relação entre o domínio alvo e o domínio análogo:
Essas ênfases parciais mantiveram-se quando os professores foram questionados sobre o que consideravam ser uma boa analogia, tenho, contudo, acrescentado que a analogia deve ajudar a compreender o assunto ou a atingir os objetivos da aula:
Note-se que, uma vez que uma boa analogia deve explicitar as comparações entre o domínio alvo e o domínio análogo, especificar a validade das comparações que apresenta e envolver um análogo que seja familiar ao aluno,31,46 essas definições estão incompletas, não referindo um dos aspetos chave: as limitações das analogias. No entanto, ambos os professores reconhecem potencialidades e limitações no uso de analogias para ensinar química. No que concerne às potencialidades, reconhecem que melhoram o entendimento de entidades muito pequenas, invisíveis, e que não são usadas no quotidiano (P1) e que facilitam a aprendizagem de conceitos abstratos e difíceis, uma vez que assentam na explicitação de relações entre algo conhecido e algo que não se vê (P2):
Os professores justificam as suas opiniões sobre as potencialidades das analogias no contexto do ensino de química com base em ideias aceites por especialistas da área ex.: Rodriguez & Towns; Jonane; Ferraz & Terrazzan.46-48 No entanto, no que respeita às limitações, das analogias, apenas um dos professores (P2) explicou a sua opinião, afirmando, em concordância com a literatura,49 que, se o uso das analogias não for bem planificado, elas podem conduzir a resultados indesejados, porque o aluno pode não as interpretar do modo que o professor pretendia:
Finalmente, afirmaram que não enfrentavam dificuldades no ensino com base em analogias na disciplina de química geral, mas que iriam passar a planificar o seu uso. No entanto, enquanto P2 não explicou por que razão iria passar a fazer isso, o professor P1 afirmou que não enfrentava dificuldades porque, quando escolhia analogias, tinha em conta os conhecimentos prévios dos alunos e escolhia as analogias a utilizar em função dos mesmos. Segundo esse professor, esse cuidado faz com que as analogias não criem dificuldades aos estudantes:
O facto de o professor P1 ter usado muitas analogias e ter afirmado que não enfrentava dificuldades quando apresentava analogias nas aulas pode fazer pensar que os seus alunos aprenderam mais sobre o tema em causa do que os de P2. No entanto, e apesar de haver evidências de que os alunos gostam de analogias,30 decorre do que foi dito anteriormente que a ocorrência, ou não, de aprendizagem com base em analogias não depende linearmente da quantidade das analogias usadas, mas mais da qualidade delas e do modo como são utilizadas, fatores que, como defendem Kim et al.,21 dependem da formação para o uso de analogias contextos específicos. Ora apesar de terem ouvido falar de analogias, nenhum dos professores tinha tido formação formal em analogias, tendo o professor P1 afirmado que ia fazendo autoformação, durante a preparação das suas aulas. Acresce que, não existindo mecanismos de monitorização da autoformação, não se pode dispor de dados sobre a sua eficácia e efeito no ensino da Química Geral.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES Este artigo relata um estudo em que se investigou a utilização de analogias por dois professores de química geral de duas universidades moçambicanas para ensinar sobre átomo e estrutura atómica. Constatou-se que ambos os professores usaram analogias, embora em quantidades diferentes. Algumas dessas analogias constavam dos ME de química que estavam em uso nas escolas moçambicanas e em livros didáticos de química de outros países, mas outras analogias os professores criavam para lecionarem os referidos conceitos. Constatou-se, também, que todas as analogias apresentavam pontos fracos e eram usadas de forma espontânea e não planificada. O estudo sugere que os professores pareciam não ter consciência desse facto, pois eles afirmaram não tinham dificuldades na utilização desse recurso didático. Assim, os professores parecem ter consciência das limitações das analogias existentes nos manuais escolares, mas não das limitações das que eles próprios criam. A utilização espontânea de analogias, observada em outras investigações,17,31 é problemática, pois pode levar ao uso de analogias erradas ou ao uso pouco cuidado de analogias com limitações e à consequente indução de ideias erradas nos alunos. É positivo o facto de os dois professores terem manifestado disponibilidade para mudarem as suas práticas em relação ao uso de analogias, mas essa mudança de comportamento, para surtir o efeito desejado, e como recomendam Orgill et al.,49 deve ser acompanhada por formação para o uso de analogias no ensino de química. Tendo sido programada a observação de aulas para verificar o tipo de analogias que os professores de química geral usavam, uma das atividades que poderia ter sido realizada tinha a ver com o estudo das analogias que os estudantes criavam para os conceitos em estudo e, especificamente, para o conceito do átomo e estrutura atómica. Estudar essas analogias poderia não só ajudar a entender o que os alunos pensam sobre o átomo, mas também ajudar a adquirir uma ideia sobre a adequação das analogias que foram usadas pelos professores. Analogias que foram recolhidas neste estudo poderão constituir um excelente material a utilizar com professores em formação, de modo a prepará-los para usarem adequadamente analogias para ensinar conceitos difíceis de química46,50 e a adotarem uma atitude mais critica face às analogias incluídas em manuais escolares que, como investigação realizada por Akcay; Gonçalves e Julião43,51 sugere, nem sempre são adequadas. Como a consistência interna de uma analogia depende do alvo (no caso átomo e estrutura atómica), do análogo (factos e fenómenos do dia a dia) e da(s) relação(ões) estabelecida entre eles, a formação para o uso de analogia precisa de integrar, entre outros, conhecimentos sobre analogias e sobre química e aprendizagem da química, a fim de evitar o uso de analogias que reforcem ou provoquem aprendizagens indesejadas. A organização dessa formação é urgente, e, provavelmente, deve abranger professores de outras universidades, de química geral e de outras disciplinas de química, pois os resultados da investigação disponível, aliados aos obtidos neste estudo, sugerem que a utilização espontânea de analogia parece ser uma prática algo generalizada e o uso inadequado de analogias em cursos de formação inicial de professores pode, adicionalmente, levar os estudantes a, no futuro, usarem nas suas aulas as analogias incorretas que os seus professores utilizaram. Note-se que a informação recolhida neste estudo pode permitir organizar melhor essa formação, pois fornece alguns elementos que realçam a necessidade de o conteúdo da analogia atender ao contexto cultural em que os professores trabalham. Finalmente, refira-se que a preparação dessa formação deve ser muito cautelosa e cuidada, para ser eficaz e capaz de motivar pessoas que podem não estar muito convencidos que precisam dela, reação espectável por parte de professores, em especial de professores do ensino superior.
AGRADECIMENTOS À Universidade Pedagógica e à Universidade Licungo, de Moçambique, pela concessão da bolsa de estudos que permitiu ao primeiro autor realizar um doutoramento de que faz parte esta investigação. Ao Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho (UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020) que cofinanciou o trabalho, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.
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