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Educação


Robótica educacional, ensino de química e aprendizagem cooperativa: uma proposta para o curso de ensino superior em Engenharia Civil
Educational robotics, chemistry teaching and cooperative learning: a proposal for the course of University education in Civil Engineering

Ricardo Silvério Gomes Pinheiro; Márlon Herbert Flora Barbosa Soares*

Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia, 74045-155 Goiânia - GO, Brasil

Recebido em: 20/12/2021
Aceito em: 18/04/2022
Publicado em: 26/05/2022

Endereço para correspondência

*e-mail: marlon@ufg.br

RESUMO

Students, generally, are afraid of studying chemistry because they understand that it is a very complex area of knowledge and that it doesn't has use in daily lives and in intended profession, which is a problem we identified in a Civil Engineering course. With this, we proposed a project in this course, based on educational robotics and educational cooperation, with the intention to form a group of students and a teacher to make a robot involving chemical knowledge in civil construction. The group made a robot, using an Arduino kit and material recycling, to identify electrochemical corrosion in concrete structures. We conducted a case study about the group through the analysis of gestures, products made, and notes in a notebook, from which two cooperative categories emerged: planning and application. From these categories, we identified that the students had their cognitive structures unbalanced by difficult situations, trials, errors, and diverse knowledge. The formation of a new equilibrium condition resulted from individual and social developments in constant interdependence, allowing the joint construction of knowledge, whose complexity increased during the process and culminated in the realization of the robot. All these aspects characterized cooperative learning.

Palavras-chave: educational robotics; cooperative learning; chemistry teaching; electrochemical corrosion; civil engineering.

INTRODUÇÃO

Os estudantes, de forma geral, têm receio de estudar Química, principalmente por entenderem ser uma área de conhecimento altamente complexo e não compreenderem sua utilidade no dia a dia ou mesmo na profissão pretendida. Mais especificamente no curso superior de Engenharia Civil, os professores das disciplinas específicas acabam por dar menos atenção ao conteúdo das disciplinas básicas, como é o caso da Química, sem perceberem que esse conhecimento é essencial para a formação do profissional.

A Química está presente no curso de Engenharia Civil porque as construções civis estão permeadas por processos químicos, como: o endurecimento da mistura de cimento, areia e água, a maturação do concreto, a oxidação e corrosão das estruturas metálicas de vigas e colunas, entre outros. Esses processos envolvem vários conceitos indispensáveis para que o profissional possa identificar problemas e encontrar soluções em obras, bem como prever sua durabilidade e planejar estruturas com base em seu tempo de exposição a certos fatores (clima, salinidade, alcalinidade, acidez, etc). Ocorre que na maioria das vezes não há contextualização nas aulas de Química envolvendo o ambiente de trabalho do profissional de Engenharia Civil, e nas aulas práticas de disciplinas específicas os conceitos químicos não são retomados. Com isso os estudantes não compreendem a aplicabilidade desses conhecimentos e criam a visão de que não sejam importantes para sua formação.

Tendo como base a problemática acima apresentada, desenvolvemos um projeto que pudesse abordar o conhecimento químico de forma contextualizada e tendo o estudante como sujeito ativo. Para isso, combinamos robótica educacional com cooperação educativa e formamos um grupo com estudantes de diferentes períodos e um professor de Química, com o intuito de desenvolver um robô que envolvesse conhecimento químico na área de construção civil. Nosso objetivo de pesquisa foi identificar e analisar o ensino e a aprendizagem dos sujeitos durante o desenvolvimento do robô, partindo do questionamento: quais aspectos demonstram a aprendizagem de conceitos químicos por meio de projeto de robótica educacional combinada com cooperação educativa num curso de Engenharia Civil?

 

OS ROBÔS E A ROBÓTICA EDUCACIONAL

Quando falamos em robô ou robótica as pessoas sempre criam a imagem de uma máquina móvel que fala e tem comportamento parecido ao do ser humano, o que é uma visão transmitida pelas mídias digitais ao divulgar sobre o desenvolvimento de tecnologias de última geração em países desenvolvidos. O que poucos compreendem é que os robôs estão presentes também na indústria e na medicina, pois são utilizados para reparar plataformas de petróleo a grandes profundidades e auxiliar os médicos nas cirurgias de alto risco. Porém, estão mais próximos ainda de nós, realizando as tarefas mais corriqueiras em nossos lares, como: a impressora, a máquina de lavar, o forno micro-ondas etc.1 Isso significa que o conceito de robô é amplo e não se refere somente às formas humanoides.

Baseando-se em diversos autores,2-5 podemos definir robô como objeto físico e/ou virtual, multifuncional e reprogramável capaz de realizar diversas tarefas, desde mover objetos até realizar medições, podendo ser móvel ou estático, humanoide ou não humanoide, e que apresente autonomia do sistema de controle mesmo que parcialmente. Os robôs encontrados em nossos lares (impressora, máquina de lavar e forno micro-ondas) possuem programação específica que pode ser alterada por interferência humana, mas uma vez que essa programação é iniciada executa várias funções automáticas para alcance do objetivo final. Podemos compreender isso a partir da impressora, que apresenta múltiplas funções: recebe arquivo para impressão, puxa o papel, escreve no papel, devolve o papel, etc. Essas funções podem ser reprogramadas quando queremos, por exemplo, que seja realizada uma impressão em frente e verso ou com mais páginas de um mesmo lado da folha. O robô que denominamos impressora apresenta tanto uma estrutura física como virtual.

Os robôs podem ser classificados em: móveis, imóveis e simuladores estáticos. Os robôs móveis são aqueles que se locomovem sobre rodas ou esteiras, podendo movimentar-se para frente, para trás, para esquerda ou direita. Os robôs imóveis são aqueles que não se locomovem e realizam suas ações sobre uma base fixa, podendo ter partes móveis. E os simuladores estáticos são uma categoria especial de robôs imóveis, que simulam fenômenos diversos, como: um sistema de trânsito de uma cidade ou mesmo uma casa com luzes que acendem e apagam e portas e janelas que abrem e fecham.3,5 Uma das principais atribuições dos simuladores estáticos é como recurso de ensino ao simular conceitos, fórmulas e ferramentas didáticas. Esse é o caso do Robô Imóvel Tabela Periódica (RITP) desenvolvido por Lima et al.,5 que se trata de uma placa com vários LEDs em que cada um representa um elemento químico, e suas diferentes cores representam grupos diferentes da Tabela Periódica. Os LEDs acendem conforme o grupo da Tabela que será estudado. Dessa forma, o Robô Imóvel Tabela Periódica é um exemplo de dispositivo em que os conceitos da robótica educacional foram aplicados. Entendemos que a robótica educacional consiste em caracterizar ambientes de aprendizagem diversificados que reúnem desde materiais alternativos como sucata entre outros recicláveis, latas e metais diversos, até os mais sofisticados equipamentos que são os Kits de montagem compostos por diversas peças, sendo motores, sensores, entre outros (p. 22).4

A definição apresentada nesse fragmento supera a ideia de que construir um robô seja algo distante da realidade dos alunos, pois a robótica educacional combina os conhecimentos básicos da robótica moderna com materiais inutilizados para criar algo útil. Existem para essa finalidade os kits robóticos de fácil manuseio que permitem a implementação de várias funções para um pequeno protótipo. Entre os mais utilizados estão: o Arduíno, Cyberbox e Lego Mindstorms.

O kit Arduíno apresenta custo mais baixo e contém como elemento principal uma placa eletrônica com saídas digitais e analógicas para ligar LEDs, motores, sensores, fazer medições etc. Essa placa recebe comandos por meio de um cabo USB, ligado a um computador de mesa ou celular, cujos comandos são dados através de uma interface que utiliza a linguagem de programação C++.3 A Figura 1 apresenta uma placa Arduíno do tipo Mega (a) e um kit Arduíno completo (b) com: uma placa Arduíno tipo Uno, LEDs, jumpers, protoboard, sensores, motores e outros dispositivos.

 


Figura 1. a) Placa Arduíno Mega. b) Kit Arduíno6

 

A robótica educacional nos permite trabalhar com vários conceitos, disciplinas, métodos e materiais diversos, inclusive o kit Arduíno, que é muito popular nas escolas atualmente. Um dos métodos que podemos utilizar combinado com esse tipo de robótica é a cooperação educativa, que apresentaremos no tópico seguinte.

 

COOPERAÇÃO EDUCATIVA E APRENDIZAGEM COOPERATIVA

O ser humano aprendeu a trabalhar em grupo conforme foram surgindo dificuldades para garantir sua sobrevivência individual. A revolução industrial (final do século XVIII e início do século XIX) foi um fato que contribuiu para isso, pois a chegada das máquinas a vapor levou a um grande número de desempregados devido à substituição do trabalho manual pelas novas tecnologias da época. Muitos trabalhadores inconformados com tal situação, principalmente pela competitividade entre os semelhantes e o lucro concentrado nas mãos de poucos, criaram as cooperativas como forma de somar suas capacidades para estarem à altura de concorrerem com as grandes indústrias. Esse foi o início do cooperativismo, que surgiu como uma resposta ao capitalismo industrial que se encontrava em expansão.7 O movimento do cooperativismo se estabeleceu como uma união dos trabalhadores, na qual cada um com seu trabalho era parte de um todo, isto é, cada indivíduo estava a cooperar com o grupo.

No dicionário de Língua Portuguesa de Aurélio Buarque a cooperação é definida como a operação, ação ou trabalho em conjunto, e o termo "conjunto" se refere à reunião das partes, levando-nos a definir cooperação como o desenvolvimento em partes separadas para alcance de um objetivo comum ao grupo.8 Em Panitz9 (p.3, tradução nossa) encontramos uma definição muito semelhante quando o autor afirma que "a cooperação é uma estrutura de interação projetada para facilitar a realização de um produto ou objetivo final específico por meio de pessoas que trabalham em conjunto em grupos". Corroborando com essas definições Silva10 e Garcia e Soares11 apresentam cooperação como o trabalho em grupo para alcance do produto final por meio da divisão de tarefas, em que o professor tem papel de destaque e função de direcionar os sujeitos, além de caracterizar a aprendizagem deles. Nesse caso, o conhecimento é construído de forma compartimentalizada para depois se tornar um só.

Para Piaget, a cooperação é um aspecto social que mantém relação de interdependência com o desenvolvimento lógico individual do ser humano, ou seja, ela é tanto produto de operações individuais agrupadas como a causa dessas operações. Esse equilíbrio somente alcança seu estado final de interpendência no estágio operacional, que é quando o sujeito consegue coordenar ações com outros sujeitos de modo que estas sejam reversíveis, o que constitui operações. Até alcançar esse estágio é o aspecto individual que sobressai, principalmente nos primeiros anos de vida. O aspecto social só se desponta com o aparecimento da linguagem e do pensamento em torno de 2 a 3 anos (mas pode variar). É a partir desse ponto que surge a função simbólica e o egocentrismo, mas o sujeito ainda não tem capacidade de cooperar.12,13

Cooperar é operar em comum e trata-se de operações individuais agrupadas por meio de novas operações de correspondência e/ou reciprocidade, sendo algo que ocorre quando o sujeito atinge o estágio operacional (em torno dos 7 anos, mas pode variar). É a partir desse estágio que a criança consegue superar o animismo do pré-operatório, desenvolver as explicações lógicas de causalidade sobre coisas e manter discussões com outros sujeitos, pois não confunde seu ponto de vista com o dos demais. Para isso, é necessária uma relação de respeito mútuo entre os indivíduos no falar, no pensar e no agir. É algo que conduz à solidariedade coletiva e leva à formação de consensos, espírito democrático e autonomia para criar, revisar ou mesmo seguir as regras internas do grupo. A cooperação piagetiana é, portanto, produto social do desenvolvimento individual, assim como influencia a ocorrência desse desenvolvimento, o que significa que as funções individuais e coletivas se referem umas às outras sem que haja hierarquia entre elas.12-14 Por isso, quando nos referimos à aprendizagem cooperativa estamos falando do desenvolvimento tanto individual quanto social do sujeito.

A junção de vários elementos das definições apresentadas acima levou-nos à proposição da cooperação educativa como um processo específico para o meio educacional. Nesse processo os alunos são reunidos em torno de uma problemática para ser compreendida e resolvida, cujas tarefas são divididas, executadas e depois reunidas por meio: da organização entre os membros do grupo, do estabelecimento de boas relações sociais e do processamento coletivo de informações. A divisão de tarefas pode ocorrer entre integrantes e/ou subgrupos formados por estes, de forma que cada um tenha uma função específica. Devido a isso, é necessário alguém que direcione e coordene todos os membros e ou/subgrupos, cabendo esse papel ao professor, que deve orientar, motivar e observar os sujeitos na construção dos conhecimentos, podendo também apresentar propostas, mas primando pelas operações conjuntas, o respeito mútuo, o diálogo, os consensos e a autonomia de todos os membros na tomada de decisões.9-12,14,15 Entendemos que na cooperação o professor não é detentor do saber e, muito menos, o centro do processo, embora se mantenha como direcionador em posição de maior destaque. O que há é um deslocamento equilibrado de autoridadea do professor para o aluno, em que ações deste último garantirão a concretização do produto final que caracterizará a aprendizagem cooperativa.

A aprendizagem cooperativa pode ser compreendida através de três grandes perspectivas: motivacional, de coesão social e cognitiva. Na perspectiva motivacional a aprendizagem cooperativa é resultado do encorajamento do grupo através de recompensas que o leve a alcançar o sucesso, sendo oposto ao estímulo-resposta behaviorista e à meritocracia capitalista. Trata-se de recompensa grupal, que depende do sucesso individual de cada um dos membros, isso é, a recompensa é dada ao grupo somente se todos alcançarem a aprendizagem desejada, o que será possível se houver ajuda mútua. Para evitar que apenas um ou dois indivíduos realizem todo o trabalho excluindo os demais, é importante que seja esperado mais de um produto por grupo, o que pode ser alcançado com a divisão de tarefas entre os integrantes. Todos deverão, ao final, estar cientes do que cada um desenvolveu, de forma que a parte de um só faça sentido juntamente com a parte do outro.15 Segundo Silva10 (p.31) "a recompensa se configura como o incentivador ao desenvolvimento do sujeito, uma vez que o desempenho do aluno avaliado pelo professor será o critério para premiação".

Na perspectiva de coesão social a aprendizagem cooperativa é resultado da preocupação dos integrantes com o próprio grupo. Diferentemente do aspecto motivacional, cujo interesse no sucesso é decorrente de uma recompensa, a perspectiva de coesão social parte do pressuposto que existe uma preocupação (desvinculada de qualquer recompensa) dos integrantes com o desempenho uns dos outros. Entre as principais marcas dessa perspectiva estão atividades que buscam fortalecer os laços afetivos e os processos de autoavaliação. Isso leva a uma relação de interpendência entre os indivíduos para que busquem em conjunto o sucesso coletivo.10,15

Na perspectiva cognitiva a aprendizagem cooperativa é resultado do processamento mental de informações, que depende da complexidade do problema apresentando para que as soluções sejam pensadas coletivamente. Essa perspectiva deriva em outras duas: desenvolvimentista e de elaboração cognitiva. A primeira entende a aprendizagem cooperativa como intrínseca à realização de tarefas cooperativas, entre as quais podem ser citadas: atividades de descoberta em grupo, discussão, argumentação e apresentação de pontos de vista, em que os sujeitos têm oportunidade de corrigir raciocínios inadequados e ampliar seu domínio de conceitos. Na segunda, a aprendizagem cooperativa é resultado da reestruturação ou elaboração cognitiva de material por meio da tutoria. Nesse método, os integrantes do grupo se dividem entre os papeis de: recordador e ouvinte. Enquanto o recordador resume as informações sobre determinado material, o ouvinte corrige erros e ajuda a pensar em formas para o outro integrante recordar as ideias mais importantes, havendo depois uma inversão dos papéis.15

Vemos na perspectiva cognitiva que o indivíduo somente elabora sua lógica ao cooperar com os outros, e o inverso também é válido, pois é necessária, de início, uma lógica individual já desenvolvida para que haja cooperação.12 Dessa forma, as três perspectivas são complementares,15 o que entendemos que juntas culminam na aprendizagem cooperativa. Enquanto a motivação é desencadeada pela recompensa, a coesão social é resultante das relações interpessoais e a cognição é decorrente do processamento mental de informações. Todas elas buscam o aumento de interações entre os sujeitos para alcance de um objetivo, tendo a coesão social mais ligada ao aspecto social e a cognição relacionada ao desenvolvimento lógico individual. A motivação a nosso ver tem relação com os dois aspectos, pois pode ser uma motivação para processar mais informações ou mesmo para que surjam relações afetivas entre os sujeitos. Ela é o ponto inicial da cooperação, que se desdobra no decorrer do processo em desenvolvimentos cognitivo e social.

O aspecto cognitivo requer uma fundamentação mais detalhada sobre como ocorre a coordenação de pontos de vista e/ou de ações e o processamento mental de informações. Com base em Piaget,13 a aprendizagem resulta do desenvolvimento da estrutura cognitiva, que se molda, amplia-se e adapta-se ao meio através da assimilação e acomodação. A assimilação é a incorporação de informações pelo sujeito a partir do que está previamente acomodado em sua estrutura cognitiva. Quando vemos um livro ou pegamos um lápis, estamos assimilando-os. A acomodação, por sua vez, é a modificação da estrutura cognitiva para que esses objetos assimilados possam fazer sentido ao sujeito. Ambos os processos se equilibram, pois sempre assimilaremos para acomodar e partiremos do acomodado para assimilar. No caso do livro ou o lápis, estaremos partindo de algo que tem sentido para nós e que vai se modificar com a nova assimilação. Talvez a acomodação não ocorra imediatamente à assimilação, o que vai depender dos estímulos e das informações envolvidas.

Em resumo, a aprendizagem cooperativa é desencadeada pela cooperação educativa, e consiste no desequilíbrio e formação de novo equilíbrio entre os aspectos individuais e sociais, que se mantém em constante interdependência. Definimos ainda cooperação educativa como um método de ensino em grupo no qual há divisão de tarefas entre os alunos ou subgrupos formados por estes, com o intuito de operar conjuntamente para construir conhecimento de forma compartimentalizada, que reunido irá caracterizar o produto final coletivo. Nesse processo o professor é o direcionador, orientador e desloca parte de sua autoridade ao aluno, visando fornecer todas as condições para que este seja ativo e desenvolva-se individualmente e socialmente num ambiente em que se preze a autonomia, o espírito democrático e o respeito mútuo.9-12,14 Dessa forma, a centralidade não está nos indivíduos, mas sim na busca constante em manter um equilíbrio entre os papeis designados para que ocorra aprendizagem cooperativa.

 

MÉTODO DE PESQUISA

O método adotado nessa pesquisa foi o estudo de caso, que segundo Morgado16 apresenta três dimensões: exploratória, descritiva e interpretativa. É exploratório porque busca familiarização com o fenômeno e vai se reconstruindo conforme avança. É descritivo porque se baseia na recolha de dados de forma detalhista e fiel ao contexto. E é interpretativo porque o investigador busca a compreensão dos fenômenos e seus significados.

Para delimitar o caso a ser estudado propusemos um projeto de desenvolvimento coletivo de um robô que envolvesse conhecimento químico na construção civil. Inicialmente realizamos um convite em todos os períodos do curso de Engenharia Civil, e de forma voluntaria foram aparecendo os interessados em participarem do projeto. Além disso, como haveria uso de kit Arduíno e programação em C++, foram convidados estudantes do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (TADS) do IF Goiano para nos dar o respaldo à parte envolvendo software. De forma geral, formamos um grupo constituído por: sete estudantes de diferentes períodos do Curso de Engenharia Civil da Faculdade de Iporá (FAI); três estudantes do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (TADS) do IF Goiano e um professor de Química da FAI. Realizamos 40 reuniões no Laboratório de Eletrônica da Faculdade de Iporá (FAI) durante 1 ano, sendo 15 reuniões para planejamento e 25 reuniões para confecção do protótipo.

Para a coleta de dados utilizamos a observação participante, cujo "investigador é instrumento central da observação" (p. 89).16 Isso dá a ele uma responsabilidade muito grande no que diz respeito à precisão e descrição fidedigna do que observa. Por isso, nesta pesquisa, o investigador é também o próprio professor de Química. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados câmera para captação de imagens e um diário de campo para anotações de momentos importantes durante o processo. Utilizamos a análise de conteúdo de Bardin para análise dos dados,16,17 que pode ser definida como um conjunto de técnicas sistemáticas para análise das comunicações e dos conteúdos das mensagens, que não se restringe a textos e palavras, pois apresenta a função expressiva também. Por isso, faz parte desse conjunto de técnicas a análise de expressão, que se relaciona com a forma como o conteúdo aparece em discursos, imagens, gestos, etc. Realizamos a análise dos produtos confeccionados pelos estudantes e sua relação com as expressões e falas apresentadas pelos sujeitos durante o processo. As expressões foram anotadas em diário de campo e também analisadas em vídeos, assim como as falas foram transcritas destes.

Depois de constituir o corpus documental procedemos com a leitura e análise seletiva da totalidade dos dados. Em seguida realizamos a categorização, que consiste numa operação de classificação e reagrupamento de informações em categorias, do qual emergiu: a categoria cooperativa de planejamento (CCP) e a categoria cooperativa de aplicação (CCA). A última etapa da análise foi a realização das inferências - embora o processo inferencial estivesse permeando toda a análise - que consiste no processo transitório da descrição para a interpretação e compreende as deduções lógicas sobre as categorias.16,17

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após várias reuniões o grupo decidiu desenvolver um robô capaz de identificar processos de corrosão eletroquímica em vigas e colunas de concreto armado em construções civis. No início as tarefas foram divididas conforme a área de estudo específica de cada indivíduo, cabendo aos alunos de engenharia desenvolver circuitos e mecanismos, enquanto os alunos de TADS ficaram responsáveis pelo desenvolvimento e adaptação dos softwares. O professor de química saiu da posição de mero sujeito e assumiu o papel de orientador e coordenador dos subgrupos, além de explicar e expor conceitos químicos quando necessário. Com essa configuração, podemos identificar as características citadas anteriormente para a cooperação educativa: foco no produto final, divisão de tarefas, construção compartimentalizada e o professor como direcionador e orientador do processo.9-11 A construção do robô demandou a correta aplicação dos conhecimentos de: mecânica, na parte de mobilidade; software na parte de comandos e funções, e química, eletrônica e concreto armado na parte de integração dos sensores e circuitos para realização das funções.

O desenvolvimento do robô nos levou a planejar, aplicar, replanejar e reaplicar, por mais de uma vez. Esses momentos trouxeram-nos expressões gestuais, falas dos integrantes e produtos confeccionados. Por muitas vezes foi necessário mudar os procedimentos ou refazer partes do protótipo. Diante disso e após as exaustivas leituras e análise do diário de campo, das falas transcritas, dos produtos obtidos e das imagens captadas, emergiram do processo cooperativo duas categorias, às quais denominamos:

- Categoria cooperativa de planejamento (CCP): representa o planejamento do protótipo ou de partes deste a partir do que ainda não foi testado ou a partir de erros e resultados insatisfatórios de aplicação anterior. Essa categoria leva a uma nova aplicação, que pode levar a novo planejamento. Está mais ligada às ideias, às reflexões, e à busca de soluções concretas.

- Categoria cooperativa de aplicação (CCA): representa a aplicação de conhecimentos planejados para desenvolvimento do robô ou mesmo a aplicação de conhecimentos novamente planejados a partir do erro e/ou resultados insatisfatórios. Essa é a categoria do concreto, do produto, daquilo que é palpável. Ou se tem o produto como fora planejado ou se tem um produto inadequado.

Ambas as categorias se retroalimentam num ciclo que pode perdurar até que se atinja o produto desejado. Um planejamento leva a uma aplicação, que pode levar a novo planejamento e nova aplicação. Por isso, inferimos que na cooperação educativa há uma retroalimentação categórica, que é representada pela Figura 2.

 


Figura 2. Retroalimentação categórica

 

O planejamento e a aplicação representam momentos da cooperação que foram identificados em todo o processo e, por isso, apresentamos alguns fragmentos que sustentam a presença dessas categorias. O primeiro fragmento abaixo se refere ao momento em que os alunos tiveram o contato inicial com o kit Arduíno.

Nessa reunião, com duração de 3 h, fizemos testes com o kit Arduíno utilizando circuitos montados pelos alunos e os softwares básicos produzidos na linguagem C++. Nesses testes os alunos fizeram LEDs piscar e construíram um mini semáforo. Testaram também motores, para saber como respondiam ao programa criado. A parte da programação foi realizada pelos alunos do curso de Tecnologia e Análise em Desenvolvimento de Sistemas. Os testes foram realizados por todos juntos, tanto programadores quanto alunos de engenharia. Os alunos de engenharia conheciam mais sobre circuitos e, portanto, ensinaram aos programadores como montava. Ao mesmo passo os alunos programadores mostraram um pouco como eram feitos os programas (DIÁRIO DE CAMPO).

O sistema de semáforos com LEDs foi uma forma do grupo se inteirar da montagem de circuitos e compreender o funcionamento da placa eletrônica e dos códigos em linguagem C++. Os alunos de engenharia entendiam mais sobre circuitos e ficaram responsáveis pela montagem destes no teste com LEDs. Os alunos de TADS dominavam softwares e ficaram a cargo de desenvolver a programação para acionar os LEDs. Essa divisão de tarefas se deu pela afinidade com a área de formação dos sujeitos, porém na demonstração do funcionamento todos observaram e participaram atentamente enquanto as explicações eram apresentadas. Após isso, os alunos de TADs tentaram montar circuitos e os alunos de engenharia tentaram manusear o software, o que entendemos na perspectiva de Piaget,13 que os sujeitos estavam assimilando sem necessariamente acomodar todas as informações. A acomodação é diferente para cada um, sendo que os momentos posteriores seriam imprescindíveis para sua ocorrência.

A divisão de tarefas conforme a afinidade por área é resultado de várias acomodações que os alunos alcançaram em seus respectivos cursos de formação. Por isso, ao se depararem com conhecimentos distintos e objetos com os quais tinham pouca familiaridade, realizaram um contato sensorial (observaram, manusearam e colocaram os objetos em funcionamento), que funcionou como estímulo para as demais etapas. É possível identificar nesse momento inicial uma perspectiva de coesão social,15 pois a reciprocidade entre alunos de engenharia e alunos de TADS, bem como a paciência que cada um teve em explicar o funcionamento e os conceitos, demonstram cuidado, empatia e preocupação para que o outro entendesse. Podemos ver também de uma perspectiva motivacional que um subgrupo sabia que sem o outro não haveria como construir robô,15 ou seja, a expectativa de obter o protótipo funcionou como recompensa e levou a uma preocupação recíproca.

Ao longo da montagem de circuitos e do manuseio do software era necessário testar diferentes configurações, pois nem sempre a placa Arduíno funcionava corretamente quando algum componente elétrico estava montado errado ou quando o código de comando estava com algum componente gráfico inadequado. Os alunos de TADS, ao tentarem montar o mesmo circuito que os alunos de engenharia, colocaram um resistor associado de forma errônea, não permitindo o funcionamento do mini semáforo. E os alunos de engenharia também tentaram acionar o circuito através dos comandos do software e cometeram erros que foram identificados e refletidos através de novos planejamentos e aplicações.

Através das tentativas, erros e novas tentativas os alunos realizaram sucessivas assimilações e acomodações, levando-os à adaptação ao objeto a partir de uma resposta que o próprio objeto fornecia ao sujeito. É dessa forma que a estrutura cognitiva foi desequilibrada, ou seja, ao entrar em contato com a informação o sujeito buscava constantemente que isso lhe fizesse sentido, o que é alcançado com a formação de um novo equilíbrio.13 Foi a partir desse processo que houve a compreensão sobre a placa Arduíno. Além disso, constatamos que os indivíduos estavam operando em conjunto mesmo com a divisão de tarefas, pois havia operações distintas que constituíam parte de um único processo operacional em que as tarefas realizadas por um subgrupo despertavam os interesses do outro, levando-os a uma compreensão recíproca.12 Houve, portanto, o respeito mútuo entre os subgrupos diante das informações e explicações expostas, que foram assimiladas e posteriormente cada sujeito buscou construir seus próprios conhecimentos.

O segundo fragmento abaixo traz um momento posterior em que o grupo buscava definir as funções do robô. Nessa discussão surgem as propostas que prevalecerem como função principal do protótipo:

 

Professor - A armadura metálica quando entra em estado de corrosão funciona como uma pilha. Uma pilha faz com que um dos eletrodos seja corroído. E sabendo que a pilha gera uma diferença de potencial, se medirmos a voltagem entre dois pontos do metal, poderemos saber se ali estará tendo uma corrosão ou não.

Aluno 1 - Podemos medir também a voltagem num material sem processo de corrosão para podermos ver a diferença.

Aluno 2 - Mas no caso dessa leitura, se estiver uma falha no ferro todo, a detecção será de todo o material. Não conseguiremos achar um local em específico, até porque muitas vezes as estruturas já são usadas em estado de oxidação avançado.

Aluno 7 - Geralmente colunas de concreto são iniciadas e não terminadas. Aí uma parte da estrutura metálica fica exposta e depois vem e continuam a obra com essa estrutura já oxidada, sendo que pode já estar ocorrendo um processo de corrosão dentro da parte pronta.

Aluno 3 - Lá no Centro mesmo, tem um prédio não terminado, e todas as ferragens estão bem oxidadas. Esse podia ser um exemplo para a gente se basear.

Aluno 10 - E antes da gente determinar o que o robô vai fazer, precisamos visitar obras da cidade para entender melhor as patologias mais decorrentes.

 

A ideia da medida de diferença de potencial (ddp) ou voltagem foi estimulada pelo professor, que iniciou com uma explicação sobre o funcionamento das pilhas, instigando o restante do grupo a trazer outras ideias. Surge então a preocupação dos alunos de engenharia com as estruturas metálicas das construções civis da cidade de Iporá, demonstrando a intenção em resolver problemas reais do contexto local. Além disso, nas falas acima percebemos que vários alunos possuíam concepções prévias acomodadas sobre oxidação e corrosão, o que foi essencial para assimilações posteriores.

Conforme o diálogo apresentado no segundo fragmento, foi realizado um teste de medida de voltagem em materiais com avançado processo de oxidação e em materiais sem oxidação perceptível a olho nu, de forma a criar um critério que pudesse ser aplicado às estruturas metálicas do concreto. O terceiro fragmento a seguir, retirado do diário de campo, descreve o momento desse teste:

Nessa reunião com duração de 3 h, foram testadas estruturas metálicas de aço em avançado estado de oxidação; pouco estado de oxidação e sem estado de oxidação perceptível a olho nu. Percebeu-se, nos testes realizados, que o estado de oxidação mais avançado gera uma ddp mais alta, e o material sem estado oxidação perceptível a olho nu, gera ddp zero. Com essas características foi possível idealizar um sistema robótico capaz de medir ddp para identificar o estado de oxidação de estruturas metálicas em concreto armado. Uma observação importante é que houve ddp diferente de zero quando as estruturas metálicas estavam molhadas, o que significa que a solução de água e outras substâncias funcionaram como eletrólito, o que também foi importante para chegar à conclusão de que a umidade significativa no interior do concreto armado é prejudicial à estrutura (DIÁRIO DE CAMPO).

O teste com materiais oxidados foi muito importante para os estudantes pensarem nas relações entre corrente elétrica, processo químico e software. Para isso, os alunos de engenharia ficaram responsáveis pela montagem de componentes na protoboard e suas conexões com a placa Arduíno, como mostra a Figura 3a. E os alunos de TADS, mesmo não tendo muita familiaridade com conceitos químicos, sabiam manusear o software para medida de ddp utilizando a placa Arduíno. Por isso foram responsáveis pela organização da linguagem/código do software mostrado na Figura 3b.

 


Figura 3. a) Circuito para medir ddp; b) Código em C++ para ddp

 

Na Figura 3a os dois polos utilizados para medida de ddp são os dois fios verdes, em que uma das extremidades se encontra conectada na protoboard e a outra extremidade é para contato com o material que se deseja medir a ddp. Na Figura 3b, percebe-se que a tensão é medida pelo terminal A2 da placa Arduíno, um dos terminais analógicos. Os resultados dos testes podem ser vistos na Tabela 1.

 

 

Os resultados descritos no terceiro fragmento e na Tabela 1 confirmaram as hipóteses do grupo de que as estruturas metálicas oxidadas eram pilhas em funcionamento e que a medida de ddp era um aspecto a ser levado em consideração na identificação de corrosão eletroquímica. Essas observações permitiram concluir que o contato do metal com água e ar são determinantes na velocidade da oxidação, algo que ficou evidente quando as estruturas aparentemente não oxidadas foram molhadas e obteve-se uma ddp diferente de zero. Com isso, foi concluído que o concreto ao ser molhado torna-se uma solução eletrolítica mais condutora do que o concreto seco, demonstrando a importância de a estrutura metálica nunca ficar exposta. Outro consenso criado pelo grupo foi que quanto maior for a ddp medida, maior também será o índice de oxidação da estrutura e, consequentemente, a corrosão.

Essas conclusões são resultado de construções conjuntas a partir de várias informações assimiladas durante os testes que ampliaram as noções prévias dos alunos sobre oxidação e corrosão e sua relação com a ddp. Isso foi possível pela motivação do grupo em ter o primeiro resultado positivo e com base na coesão social que permitiu aos sujeitos compartilharem informações entre si e as processassem para concretização das ideias, o que caracterizou o início da formação de um novo equilíbrio entre os aspectos individuais e sociais.13,15

Nas estruturas metálicas de construções civis o ferro metálico é o constituinte essencial que mantém contato direto com o concreto. O concreto apresenta uma grande quantidade de minerais, que em contato com água torna-se uma solução condutora de eletricidade. Todas essas condições favorecem a formação de ferrugem, sendo um processo em que o ferro metálico age como ânodo ao ser oxidado na presença de gás oxigênio do ar e umidade (equação 1). A porção do metal em contato com maior concentração de oxigênio funciona como cátodo, sendo esse o local onde o oxigênio é reduzido na presença de água (equação 2). A água forma uma solução eletrolítica que culmina na oxidação de ferro metálico (Fe0) a íon ferroso (Fe2+), caracterizando a corrosão. O íon ferroso se precipita como hidróxido ferroso (Fe(OH)2), conforme equação 3, e depois é oxidado a hidróxido férrico (Fe(OH)3), conforme equação 4. Esse, por sua vez, leva ao principal produto da corrosão (conforme equação 5): o óxido férrico hidratado (Fe2O3 ∙ xH2O), popularmente conhecido como ferrugem, de coloração castanho-avermelhada.18 A equação 6 apresenta a reação global do processo. E a Figura 4 ilustra a formação de ferrugem a partir do ferro metálico.

 


Figura 4. Oxidação do ferro à ferrugem na presença de água e ar atmosférico (figura adaptada)19

 

Reação anódica:

Reação catódica:

Reação de precipitação:

Reação de oxidação do Fe2+:

Reação de formação da ferrugem:

Reação Global:

A compreensão sobre corrosão eletroquímica levou os alunos de engenharia a levantarem mais um problema: para medir a ddp diretamente na estrutura metálica seria necessário perfurar o concreto, o que era um risco, pois poderia danificá-lo e ainda expor o metal à umidade e concentração de gás oxigênio mais elevadas. Diante disso, houve necessidade de voltar novamente ao planejamento para encontrar uma solução viável. Após algumas pesquisas à literatura de construções civis foi encontrado um método de medida de resistividade superficial do concreto que permitia relacioná-lo ao estado de oxidação da estrutura metálica interna, mesmo sem ter contato com esta. Essa função de medida de resistividade foi baseada no "método dos quatro eletrodos",20,21 que foi adaptado para dois eletrodos com o objetivo de ser compatível com a placa Arduíno. Assim, uma ddp fixa de 5 V seria aplicada aos eletrodos, permitindo a passagem de uma corrente elétrica ao entrar em contato com o concreto, seguindo princípios das Leis de Ohm. A ddp consumida pelo concreto seria detectada e o software calcularia a resistividade do material. Conforme a Tabela 2, quanto menor a resistividade, mais forte é o meio eletrolítico e maior será o índice de corrosão.

 

 

O circuito representado na Figura 5a foi montado pelos alunos de Engenharia para medir a ddp do concreto. É possível observar que a ddp entre os terminais 7 e 8 é 5 V e a resistência RC é de um resistor acoplado ao sistema, de valor conhecido, enquanto a resistência RX é a do concreto. O ponto M é onde se encontra a ligação ao terminal analógico da placa Arduíno que mede a ddp entre o ponto M e o terminal 7, correspondente a consumida por RX. Quando o circuito estivesse fechado, a placa Arduíno iria medir a ddp consumida por RX, que deveria ser um valor menor que 5 V, uma vez que ela é dividida entre ambos os resistores no circuito em série. Esse circuito foi adaptado de um sistema que mede resistência de soluções aquosas e baseia-se também na ddp.22

 


Figura 5. a) Circuito para medir ddp;22 b) Sensor para medir ddp

 

Para adaptação à placa Arduíno, os alunos de engenharia desenvolveram um sensor específico para medir a ddp consumida pelo concreto, com base no circuito da Figura 5a. Esse sensor foi fabricado com uma caixinha de plástico como suporte e apresentava dois eletrodos cilíndricos e de mesmas dimensões em aço inoxidável. Os dois eletrodos correspondiam aos terminais de RX e teriam contato diretamente com o concreto, como mostra a Figura 5b.

Os alunos de TADs ficaram responsáveis pela adaptação do software do circuito acima conforme modelo encontrado em bibliotecas virtuais próprias para Arduíno.22 Tendo um software que calcula resistência a partir da ddp, daria para modificá-lo em prol de calcular a resistividade. Esse software está representado na Figura 6a., e foi adaptado com a adição da fórmula proposta para o método de quatro eletrodos,20 conforme equação 7 abaixo.

 


Figura 6. a) Código do software para cálculo de resistência a partir de ddp; b) Código do software modificado para calcular resistividade

 

Nessa equação a resistividade (ρ) em ω m é igual ao produto de 2π pela distância (d) entre os eletrodos que fazem a medida de RX (resistência do concreto). E a resistência do concreto poderia ser obtida pelo software da Figura 6a. Nesse software foi acrescentada a fórmula ρ = RX/7,96. O valor de 7,96 é resultante da simplificação da equação 7, sendo a distância (d) entre os eletrodos de 2 cm. Após inserção dessas informações, o software passou a ter a configuração mostrada na Figura 6b.

Até aqui foi possível perceber que a função do robô estava determinada e algumas partes já se encontravam materializadas, como os circuitos e o software. Esses produtos foram obtidos a partir da divisão de tarefas entre os sujeitos conforme suas afinidades com as áreas de conhecimento envolvidas. Tanto o circuito quanto o software mantinham uma relação com os conceitos de corrosão eletroquímica no objetivo de detectar prováveis índices de corrosão. Por isso vemos uma evolução do grupo desde a montagem de circuitos e software de semáforo até a montagem de algo útil para a construção civil.

O ajustamento de operações individuais umas às outras caracterizou a cooperação, o que percebemos na sintonia entre os alunos de engenharia e os alunos de TADS, pois as ações de um subgrupo precisavam estar coerentes com as ações do outro. Em cada subgrupo também percebemos uma coerência interna necessária para desenvolvimento das partes robóticas, visto que os indivíduos dividiram as tarefas entre si com base na autonomia, confiança e respeito recíproco. Havia tanto momentos de confecção individualizada e como de junção das partes na busca de constituir um robô. Mesmo nas confecções individualizadas, era necessário que os alunos estivessem trocando e processando informações, e para isso foram essenciais a boa convivência e a formação de laços afetivos no decorrer de um ano. À medida que esses laços se tornavam mais fortes, havia maior preocupação com o grupo e mais informações compartilhadas a serem processadas individualmente e coletivamente, e tudo isso estimulado pela busca incessante da recompensa, ou seja, o produto final.12,15

A aprendizagem cooperativa se caracterizou pelo grupo lidar inicialmente com problemas mais simples e depois mais complexos, seguindo a lógica piagetiana13 do desenvolvimento. Em todo contato com alguma informação nova ou nos momentos em que imprevistos ocorriam, percebíamos o desequilíbrio que isso provocava nos estudantes, principalmente pelas expressões de descontentamento e dúvidas. Mas por meio de novas tentativas, que envolviam várias assimilações e acomodações, entre planejamentos e aplicações diversas, o grupo conseguia alcançar um novo equilíbrio, o que ficava explícito nos resultados positivos seguidos de comemoração e animação, principalmente diante de uma situação de difícil solução.

Com o tempo o grupo criou uma identidade com diálogos e interações mais intensas, demonstrando uma afinidade entre os membros. Os sujeitos se desenvolveram individualmente e socialmente à medida que interagiram, se motivaram e processaram informações, pois os laços afetivos tornaram-se mais fortes juntamente com o aumento da complexidade do conhecimento construído na confecção do robô, exigindo mais diálogo e interação. Com isso, identificamos um novo estado de equilíbrio entre os fatores individuais e sociais quando analisamos o projeto do início ao fim.12,13,15

É preciso destacar o papel do professor como o direcionador e como quem esteve a todo o momento estimulando os alunos, trazendo ideias, textos e algumas soluções para serem refletidas pelo grupo, além de manter o foco e apresentar conceitos e explicações sobre eletroquímica. Em alguns momentos definia a tarefa que cada sujeito realizaria dentro do próprio subgrupo, e outras vezes o subgrupo com sua autonomia dividia as tarefas entre os integrantes. Essas tarefas eram pensadas e executadas com o objetivo de serem reunidas de forma coesa, por isso o software e o circuito, mesmo confeccionados separadamente, tinham que apresentar compatibilidade.

O próximo passo, após o software e os circuitos, foi a confecção das estruturas físicas de mobilidade do robô, visto que o grupo decidiu por um protótipo que se locomovesse em ambientes de construção civil (robô móvel). O robô apresentou três estruturas de mobilidade: a base inferior de locomoção, em formato de esteiras; o tronco com mobilidade vertical e a base superior de mobilidade para frente e para trás. A base inferior permitiria o robô se movimentar em diferentes locais, seja um piso de concreto ou somente aterrado. O tronco seria essencial para que as medidas de resistividade fossem realizadas a diferentes alturas em colunas e/ou vigas. E a base superior seria responsável por pressionar os eletrodos e fixá-los no concreto para medida da resistividade. A Figura 7 mostra essas partes em seu processo de confecção, sendo possível perceber que o robô foi majoritariamente desenvolvido por meio de reciclagem de material inutilizado, pois o ambiente de robótica educativa não é constituído somente por materiais sofisticados, mas também alternativos.4 Os alunos viram a reciclagem viável para baratear o protótipo e também porque muitos dos materiais necessários era de difícil acesso, ou seja, não foi uma opção, mas sim uma necessidade.

 


Figura 7. a) Confecção da base inferior; b) Base inferior; c) Esqueleto do robô com base inferior, tronco e base superior

 

Segundo Rosa et al.23 "a reciclagem é o resultado de uma série de atividades pelas quais materiais que se tornariam descartáveis, ou estão descartados, são desviados, coletados, separados e processados para serem usados como matéria-prima na manufatura de novos produtos" (p. 5172). Corroborando com essa definição, Lomasso et al.24 afirmam que a reciclagem realoca no processo produtivo produtos sem utilização, sendo "imprescindível que os processos de reciclagem acompanhem as consequências geradas pelos avanços tecnológicos, através de métodos e técnicas que permitam lidar adequadamente com os novos níveis de resíduos obtidos" (p. 4).

Baseando-se nessas concepções, compreendemos que o robô foi desenvolvido por meio de reciclagem, pois utilizamos: sobras de metais obtidos a preços mínimos em metalúrgicas; engrenagens de marcha de bicicleta e correntes descartadas em lixeiras de oficinas de bicicleta para confeccionar esteiras; redutores de rotação de ventilador para os motores de locomoção; motores de impressoras e aparelhos de som inutilizados; pulverizador manual sem utilidade para confecção do tronco do robô, com movimentos de sobe e desce; mini capacete de engenheiro e partes e impressora inutilizada para confecção da cabeça do robô, com movimentos de vai e vem, permitindo aos sensores presentes na cabeça a realização de medições; fios, relês, transistores e resistores retirados de vários computadores e estabilizadores inutilizados para montagem de circuitos.

Além da função de medir ddp e calcular a resistividade, o grupo ainda acrescentou algumas funções secundárias ao robô: identificação da existência ou não de fissuras no concreto através do sensor ultrassônico e medida da temperatura ambiente em que se encontra a estrutura. Essas funções juntas poderiam mostrar como a corrosão é favorecida ou não nas condições em que o concreto armado se encontra. Ao final, o robô apresentou comandos de medir temperatura e ddp, calcular resistividade, detectar fissuras em concreto, mover-se na horizontal e mover a cabeça na vertical e para frente e para trás. Todos esses comandos seriam dados por meio de um módulo Wi-Fi, que receberia os sinais do software via celular ou notebook. Para isso os alunos de TADs foram desafiados a juntar os softwares num só e ainda criar um painel de comando para essas funções. O fragmento abaixo demonstra o momento em que houve essa discussão:

 

Professor - E em relação à parte de programação, o que vocês estão pensando?

Aluno 4 - Nós vamos precisar dos requisitos já levantados para iniciar.

Professor - E nesse caso vocês estão pretendendo construir um programa único para o robô?

Aluno 5 - O problema da programação é a quantidade de movimentos que o robô vai necessitar. Porque tem movimento de vai e vem, rotação e outros.

Professor - E nesse programa precisamos inserir valores. Isso é possível?

Aluno 5 - O problema é que o Arduíno não tem uma interface gráfica que permite isso. Nós precisaríamos fazer em Java para conseguir esse processo.

Aluno 4 - Mas dá para testarmos sem termos o protótipo pronto. Podemos usar o celular para fazer essa inserção de valores e montar os circuitos básicos.

 

Nesse fragmento o professor desafia e estimula os alunos de TADS em relação à programação do robô, fazendo com que o Aluno 4 reivindicasse os requisitos (funções do protótipo) que ainda estavam em processamento pelo outro subgrupo. Isso levou a outro assunto, que foi a unificação dos softwares num só, mas dependia também do trabalho do outro subgrupo. Dessa forma, enquanto os alunos de engenharia não conseguiam desenvolver uma parte física, era impossível que os alunos de TADS pensassem na respectiva estrutura virtual. E da mesma forma para realizar a unificação de todos os softwares, foi necessário constituir as funções do robô e boa parte da estrutura de mobilidade.

Os produtos finais de todo o processo são mostrados na Figura 8, onde vemos o robô, que recebeu o nome de "Robô Engenheiro" (Figura 8a), e ao lado está representado o painel de controle do protótipo (Figura 8b). Esse painel é uma interface gráfica em que há botões para movimentação na horizontal e vertical, além de ter um visor onde são mostrados os valores de resistividade (calculado a partir da ddp), temperatura e valores do sensor ultrassônico. Os sensores de temperatura (nariz do robô), ultrassônico (olhos do robô) e de resistividade (boca do robô) ficaram em funcionamento o tempo todo, mas os valores mostrados no painel somente teriam validade quando houvesse contato direto com o concreto. Esse contato ocorreria todas às vezes que em posicionamento adequado a cabeça fosse acionada para frente, empurrando os eletrodos contra a estrutura e mantendo-os fixos.

 


Figura 8. a) Robô Engenheiro; b) Painel digital de comando do robô

 

A cooperação educativa possibilitou o alcance do produto final construído por meio da divisão de tarefas e reuniões de partes confeccionadas separadamente, tendo o professor como direcionador do processo e garantindo a autonomia dos alunos. Observamos que a motivação, coesão social e processamento mental de informações foram se intensificando à medida que a complexidade dos problemas aumentava, estimulando as interações e sendo influenciados por estas. Isso sustenta a defesa da interpendência entre os fatores individuais e sociais, cujos equilíbrios envolvidos foram perturbados diante de situações difíceis que exigiram novas assimilações e acomodações, formando novos equilíbrios e culminando na aprendizagem cooperativa. O robô, enquanto estrutura física e virtual concretizada, foi o principal produto dessa aprendizagem, sendo possível por meio de operações conjuntas, respeito mútuo e atos solidários recíprocos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho, retomamos o questionamento inicial: quais aspectos demonstram a aprendizagem de conceitos químicos por meio de projeto de robótica educacional combinada com cooperação educativa num curso de Engenharia Civil? O desenvolvimento do robô colocou os alunos diante de situações difíceis, tentativas, erros e diversos conhecimentos que levaram à desequilibração, tanto de suas estruturas cognitivas quanto das relações entre fatores individuais e sociais, formando um novo estado de equilíbrio. Isso permitiu a construção conjunta de conhecimentos, cuja complexidade aumentou no decorrer do processo e culminou na concretização do robô. Todos esses aspectos caracterizam a aprendizagem cooperativa e demonstra que a cooperação educativa foi satisfatória. Defendemos ainda que o Ensino de Química no curso de Engenharia Civil é indispensável para a formação de um profissional que possa aplicar e reconstruir o conhecimento em sua prática e utilizá-lo na compreensão do contexto. Por isso, mais propostas como essas devem estar presentes nos currículos de nível superior, principalmente em disciplinas consideradas básicas.

 

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