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Desenvolvimento de metodologia para determinação de canabinoides em produtos à base de cannabis para fins medicinais Development of a methodology for the determination of cannabinoids in cannabis-based products for medicinal purposes |
Anna S. C. L. Dantas; Matheus N. de Souza; Patrícia C. de Lima; Maria E. D. Lima; Daniela S. Santana; Ricardo L. N. Maranho; André Colonese; Soraya M. Ochs; Mychelle A. Monteiro*
Departamento de Química, Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, 21040-900 Rio de Janeiro - RJ, Brasil Recebido em: 07/06/2022 *e-mail: mychelle.monteiro@incqs.fiocruz.br Medicinal products based on the Cannabis sativa plant are available in Brazil, among them, drug, cannabis products, individual import products, and those provided by patient associations. Despite this, there is no monograph for the evaluation of cannabinoids in Brazilian Pharmacopoeia (BP) or other compendia accepted. Therefore, this work aimed to develop a quick and easy method to quantify cannabinoids in authorized products for medicinal purposes. The method was developed by HPLC-UV, gradient elution composed of formic acid in acetonitrile and water, the flow rate of 0.6 mL min-1 and 220 nm detection. It was possible to resolve the peaks of cannabidiol (CBD), tetrahydrocannabinol (THC), cannabidiolic acid and cannabinol and to quantify CBD (105.35%; 104.07%) and THC (106.62%). The developed method was applied to two products and met the established requirements of precision, accuracy, linearity, and selectivity. This procedure has been tested on four cannabis-based products to attest to its effectiveness. Considering the importance of establishing minimum quality requirements for medicinal products and considering the available products in Brazil, it was found that it is important to evaluate the implementation of other products in the method developed for future validation and later inclusion in the BP. INTRODUÇÃO A Cannabis sativa e produtos derivados estão sendo cada vez mais pesquisados e utilizados para fins medicinais. O efeito psicoativo causado por um de seus constituintes, o tetrahidrocanabinol (THC), é o motivo pelo qual ela é utilizada de forma recreativa e por ser proscrita no Brasil. Apesar disso, desde 2015, produtos derivados da planta podem ser utilizados para fins medicinais de forma regulamentar.1-3 Atualmente, no Brasil, apenas um produto, que contém como princípios ativos os canabinoides THC e canabidiol (CBD), é registrado como medicamento. Entretanto, brasileiros que necessitam dos canabinoides para tratamento de doenças podem ter acesso a produtos com fins medicinais através de prescrição médica, pela aquisição de outros dois tipos de produtos de âmbito sanitário regulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os produtos de importação individual e os Produtos de Cannabis (PC).4,5 No presente momento, existem 19 PC registrados no Brasil e apesar da disponibilidade desses produtos, devido ao valor elevado em que são comercializados, existem pacientes que fazem uso de produtos artesanalmente produzidos e fornecidos por associações de pacientes e familiares de usuários da cannabis medicinal, que possuem autorização da justiça para a atividade.6 Esses produtos de âmbito sanitário precisam ter o controle de qualidade realizado para garantir que atendam aos requisitos de atividade, qualidade, pureza e inocuidade. Assim, são necessários métodos robustos e confiáveis para esta avaliação. Portanto, torna-se necessário quantificar os principais canabinoides utilizados para fins terapêuticos, CBD e THC, além dos canabinoides relacionados, como seus precursores, ácido canabidiólico (CBDA), ácido tetrahidrocanabinólico (THCA) e o já conhecido produto de degradação do THC, o canabinol (CBN), que pode ocorrer dependendo das condições de armazenamento, temperatura e tempo.7 (Figura 1).
Figura 1. Estrutura química dos principais canabinoides no controle de qualidade de produtos derivados de Cannabis sativa para fins medicinais
Ressalta-se, ainda, a importância do controle do teor de THC, visto que é uma substância psicoativa.8 Atualmente, não existe uma monografia compendial para avaliação dos canabinoides e os métodos, até então utilizados, são os desenvolvidos e validados pelos próprios fabricantes.9,10 Portanto, este trabalho visa o desenvolvimento de um método rápido e de fácil aplicação para quantificação dos canabinoides CBD, THC, CBDA e CBN em PC e medicamentos à base de Cannabis a ser desenvolvido e validado em produtos autorizados pela Anvisa e disponíveis no Brasil visando posterior implementação na Farmacopeia Brasileira.
PARTE EXPERIMENTAL Padrões e reagentes A Substância Química de Referência (SQR) de CBD (98 102%) foi adquirida da BSPG Laboratories, a SQR de THC (0,995 mg mL-1) adquirida da Farmacopeia Americana, a SQR de Ácido Canabidiólico (CBDA) (1,00 mg mL-1) adquirida da Dr. Ehrenstorfer e a SQR de Canabinol (CBN) (1,00 mg mL-1) adquirida da Lipomed. Foram fornecidas seis soluções de SQR pelo fabricante do produto 2, utilizadas no desenvolvimento do método cromatográfico: Canabidivarina (CBDV), CBDA, Canabigerol (CBG), CBD, Canabitriol (CBO), tetra-hidrocanabivarina (THCV), CBN, Δ9 THC, Δ8-THC, canabicromeno (CBC) e THCA (0,002 mg mL1); CBG, CBN e CBC (0,002 mg mL-1); CBDA, THCV e THCA (0,002 mg mL1); CBDV e CBO (0,002 mg mL-1) e por fim, duas soluções com os canabinoides CBD (0,1012 mg mL-1) e THC (0,0952 mg mL-1) separadamente. Reagentes acetonitrila, metanol, n-hexano e etanol foram adquiridos da Merck. A água ultra purificada foi obtida por sistema de purificação de água, fabricante Milipore, modelo Milli-Q Integral 10. Instrumentação O desenvolvimento do método foi feito pela técnica de Cromatografia Líquida de Alta Eficiência com Detector de Arranjo de Diodos (CLAE-DAD) em equipamento de módulo único Nexera-i LC2040c 3D Plus da Shimadzu. Utilizou-se coluna cromatográfica com octadecilsilano (C18), (150 x 4,6 mm, 5 μm), fabricada pela ACE. Como amostra utilizou-se uma solução de SQR contendo 11 canabinoides, inclusive CBD, THC, CBDA e CBN, que são os de interesse do trabalho. A Fase Móvel (FM) foi composta de 0,1% (v/v) de ácido fórmico (FOA) em água (A) e 0,1% (v/v) de FOA em acetonitrila (B), com vazão de 0,600 mL min-1, temperatura do forno à 25 ºC e detecção no comprimento de onda ( λ) de 220 nm. A eluição ocorreu nas seguintes condições: 0 10 min de 50 a 95% de A, 10 16 min 95% de A; 16 17 min, retornou-se para as condições iniciais, que foram mantidas até os 18 min. Amostras As amostras dos produtos à base de Cannabis foram adquiridos por meio do programa de monitoramento pós-mercado de produtos da Cannabis e medicamentos contendo CBD/THC da Anvisa. Na etapa de desenvolvimento do preparo de amostra e na avaliação dos parâmetros do método foram utilizados quatro lotes de produtos, de dois fabricantes, ambos formulados em solução oral. Contendo como princípio ativo no Produto 1 somente CBD (200 mg mL-1) e no Produto 2, CBD (25 mg mL-1) e THC (27 mg mL-1). Posteriormente, o método foi testado em mais dois produtos, do mesmo fabricante do Produto 1 e igual formulação, alterando-se apenas suas respectivas concentrações de CBD. Sendo assim para o Produto 3 CBD (20 mg mL-1) e Produto 4 CBD (50 mg mL-1). Preparo da amostra As amostras foram submetidas por diferentes intervalos de tempo à agitação por vórtex, movimento reciprocante (shaker), ou ultrassom, além de refrigeração e centrifugação para separação do veículo oleoso. Como solventes de extração foram testados metanol, metanol: água (9:1), metanol:n-hexano (9:1) e etanol:água (95:5), totalizando nove diferentes condições de preparo da amostra, apresentados na Tabela 1. Dessas condições, A, B e C foram realizadas de acordo com as literaturas disponíveis,11,12 enquanto D, E, F, G, H e I foram desenvolvidas. Cada teste foi realizado com mínimo de duas replicatas.
Alíquotas equivalentes à 100 mg das amostras foram transferidas para tubo de centrífuga e adicionados 4,900 mL do respectivo solvente de extração dos testes observados na Tabela 1. Diluiu-se até a concentração de trabalho (CT) de 100 μg mL-1. Filtrou-se em membrana de politetrafluoretileno (PTFE) 0,45 μm e transferiu-se para vial. Parâmetros de avaliação do método Avaliaram-se os parâmetros de precisão, exatidão, linearidade e seletividade do método para o ensaio de teor de CBD e THC em amostras preparadas e analisadas de acordo com as condições e método analítico desenvolvidos, na concentração de trabalho estabelecida (100 μg mL-1), conforme preconizado na Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 166 de 2017.13 Precisão O parâmetro de precisão foi avaliado pelos resultados dos ensaios de repetibilidade e precisão intermediária. A repetibilidade foi determinada pela injeção em triplicata de seis réplicas individualmente preparadas nas condições de preparo e método analítico estabelecidos no desenvolvimento da metodologia, a 100% da CT, pelo mesmo analista, com a mesma instrumentação em uma única corrida analítica. Para a precisão intermediária seguiu-se o mesmo procedimento, porém, o analista e dia do ensaio foram alterados. O critério de aceitação para esses ensaios foi de Desvio Padrão Relativo (DPR) menor ou igual a 5,0%, para o teor das replicatas.14 Exatidão A exatidão foi avaliada pelos resultados de recuperação (Equação 1) dos princípios ativos obtidos no ensaio de repetibilidade. O critério de aceitação, de acordo com a CT, é de 90 a 107% de recuperação média e 5,3% de DPR.15 Linearidade O ensaio para avaliação desse parâmetro foi realizado através da técnica de adição padrão, pois o desenvolvimento da metodologia foi feito no produto farmacêutico e não se tinha disponível os insumos farmacêuticos ativos, placebos e excipientes.14 Foram adicionadas alíquotas das soluções de SQR às soluções de amostras, e avolumadas com diluente, a fim de que fossem obtidas curvas de adição-padrão com pontos correspondentes a 50%, 75%, 100%, 125% e 150% da CT. Uma curva analítica com as mesmas concentrações foi preparada com o diluente. A linearidade do método foi avaliada através da significância do modelo linear pelo Teste F da Anova para o coeficiente angular, coeficiente de correlação (r), homocedasticidade pelo teste de Breusch Pagan e normalidade pelo teste de Shapiro Wilk, calculados pelo Software Action Stat®. Seletividade Neste estudo as matrizes sem o analito não estavam disponíveis, portanto, a seletividade foi avaliada pela comparação das curvas de adição do padrão nas matrizes dos produtos 1 e 2 com a curva analítica dos padrões em cinco níveis, equivalentes a 50%, 75%, 100%, 125% e 150% da CT. A seletividade do método foi avaliada utilizando o Software Action Stat®, pelos parâmetros de igualdade de intercepto, paralelismo e coincidência. Aplicação da metodologia em produtos à base de Cannabis Para a realização do preparo de amostra no ensaio de doseamento dos produtos, transferiu-se 100 μL de amostra para um tubo Falcon de 15 mL, contendo 4900 μL de etanol 95%. Agitou-se por inversão. Agitou-se por vórtex durante 5 minutos. Levou-se ao banho-maria acoplado a ultrassom por 5 minutos. Centrifugou-se por 10 minutos a 5000 rpm. Uma porção do sobrenadante foi aliquotada, de acordo com a concentração de ativo, para alcançar a concentração de 100 μg mL-1 para um tubo contendo uma porção suficiente para volume final de 5000 μL de etanol 95% (v/v). Filtrou-se em membrana de PTFE 0,45 μm e transferiu-se para vial de CLAE. Cada produto analisado foi realizado por meio de triplicatas independentes entre si.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Preparo da amostra As nove condições de preparo de amostra foram avaliadas pelos resultados de recuperação dos princípios ativos CBD e THC (Tabela 2) estimados em relação aos valores de concentração estabelecidos pelos fabricantes. O valor de recuperação média utilizada como critério de aceitação, de acordo com a CT, foi de 90% a 107% e 5,3% de DPR.15
O teste A corresponde às condições do método analítico do fabricante do produto 1. O resultado do produto 2 nesse método foi satisfatório para análise de THC e insatisfatório para CBD, com valor superior ao estabelecido como critério de aceitação. No entanto, foi observada baixa variação de resposta entre as replicatas dos analitos. As condições de análise do método do fabricante do produto 2 não puderam ser aplicadas ao produto 1, pois o solvente de extração não permitiu a solubilização da sua matriz oleosa. Os testes B e C correspondem a métodos descritos na literatura aplicados a produtos de interesse medicinal. O teste B foi o proposto no trabalho de Ciolino e colaboradores,11 em que a amostra é transferida para um frasco contendo etanol 95%, misturada em vórtex para dispersar ou dissolver a matriz, e sonicada por 30 min caso a matriz não tenha sido dissolvida. Observou-se que em 5 min de agitação em vórtex foi obtida uma dispersão eficaz das amostras no solvente de extração, portanto, essa condição foi mantida para avaliação do método descrito neste artigo. Além da reprodução do método, avaliou-se a influência no tempo de ultrassom (0, 15 e 30 min) para a recuperação dos analitos. Esse teste foi realizado em duas ocasiões, na primeira avaliou-se apenas a recuperação de CBD e na segunda foram avaliadas as recuperações dos dois analitos. A influência do tempo no ultrassom mostrou ser mais importante para o produto 1, formulado em óleo. Para as replicatas que não passaram pelo ultrassom foi observado uma recuperação menor, em relação às que permaneceram por 15 e 30 min. O teste C foi proposto no trabalho de Carvalho e colaboradores.12 Pelos resultados obtidos, o método foi mais adequado para o produto 2 do que para o 1, no qual o DPR foi maior do que 5%, entretanto, o valor de recuperação para CBD no produto 2 encontra-se acima de 107%. Valores de recuperação próximos a 100% foram obtidos para os dois produtos na reprodução dos métodos da literatura. Porém, esse último método emprega um longo processo de extração (aproximadamente 80 min), portanto, foi proposto um teste em que fosse utilizado o solvente de extração usado por Carvalho e colaboradores12 no procedimento descrito por Ciolino e colaboradores11 (Teste D). A proposta de alteração no método mostrou-se insatisfatória, pois as recuperações foram inferiores ao necessário para ambas as amostras. O mesmo procedimento também foi testado alterando-se o solvente de extração para metanol (Teste E). Os resultados de recuperações médias foram próximos a 100%, entretanto, os coeficientes de variação ficaram próximos ao limite aceitável (5,00%). Alterações nas condições analíticas do método do fabricante do produto 1 também foram propostas. Como a desvantagem observada no método original foi a realização de diversas etapas, que consomem mais de 60 min para execução, foi testada a adaptação do método condensando todas as etapas em apenas uma (Teste F). O resultado do teste foi satisfatório para os dois produtos, porém, o valor de DPR para o produto 1 foi próximo ao limite de 5,00%. No teste G, propôs-se um novo procedimento, com mais etapas de processo de extração da amostra, além da adição de uma etapa de centrifugação para redução de interferentes da matriz. Como o produto 1 foi o que apresentou desempenho inferior nos métodos testados anteriormente, apenas ele foi utilizado como amostra. Obteve-se valor de recuperação de CBD dentro do critério de aceitação. Apesar dos bons resultados já obtidos, testou-se mais uma condição, com menor tempo de execução. As amostras foram transferidas para um tubo de polipropileno, adicionou-se etanol 95%, agitou-se por inversão e depois em vórtex por 5 min, metade das replicatas ficaram por 5 min no ultrassom (Teste H) e a outra metade seguiu direto para a etapa seguinte (Teste I), em que foram centrifugadas a 3214 × g durante 10 min. Por fim, diluiu-se o sobrenadante à CT e filtrou-se a solução em membrana PTFE 0,22 μm para vial. O peso dessas alíquotas foi registrado e posteriormente os valores de recuperação foram corrigidos de acordo com a densidade. Os resultados de ambos os testes foram satisfatórios. Nos testes B, D e E foram realizados os mesmos procedimentos de extração e centrifugação das amostras, variando apenas os solventes de extração, etanol 95%, metanol:n-hexano (9:1) e metanol, respectivamente. Observou-se que a extração com etanol:água (95:5) foi a mais eficiente, assim como observado na literatura.11,16 Esse resultado se deve à alta afinidade do etanol pela estrutura molecular dos canabinoides.17 Por fim, durante os testes para o desenvolvimento do método, foi possível notar que por se tratar de amostras com maior viscosidade, a aliquotagem em uma micropipeta mecânica de deslocamento de ar não foi eficaz, pois a solução não consegue ser totalmente escoada da ponteira, o que pode ocasionar erros. Esse problema pode ser solucionado com a utilização de pipeta e ponteira de deslocamento positivo ou, pela amostragem por medida gravimétrica, caso a densidade do produto seja conhecida. Dentre os testes realizados, o Teste H foi o que apresentou resultados de recuperação dentro dos limites estabelecidos, com baixo DPR e menor tempo de execução, além de ter sido um dos testes em que o volume das alíquotas foram também pesadas. Portanto, dentre os métodos testados, este foi o selecionado. Método cromatográfico A coluna cromatográfica com C18 foi a mais utilizada nos métodos descritos na literatura, apesar de nesses métodos serem utilizadas majoritariamente colunas com tamanhos de partículas inferiores a 3 μm, que auxilia a eficiência de separação dos analitos, no presente trabalho utilizou-se uma com 5 μm por ser a coluna mais encontrada na maioria dos laboratórios de cromatografia.17-19 As soluções de FM para o sistema cromatográfico mais utilizadas nos métodos da literatura foram de FOA em água e em acetonitrila. Contudo, alguns artigos obtiveram melhor resolução dos picos com a utilização de soluções tampão como FM.19-23 No entanto, além das informações da literatura, considerou-se a praticidade no preparo das soluções e a compatibilidade das FM com CLAE acoplada a espectrometria de massas sequencial, caso posteriormente haja interesse de transferência do método para esta outra técnica analítica, considerada mais eficiente na análise de produtos derivados da cannabis para fins medicinais.18 Portanto, soluções a 0,1% de FOA em acetonitrila e em água, utilizadas como FM A e B, respectivamente, foram testadas, em diferentes proporções e modos de eluição. Todos os testes foram realizados em vazão de 0,600 mL min-1. Foram testados gradientes iniciando com maior e menor porcentagem da FM aquosa, seguido de aumento da fase orgânica. Nas corridas em que a porcentagem da fase aquosa era maior do que 50%, foi observado que os picos não foram eluídos em corridas de até 20 min. Os melhores resultados de resolução foram obtidos em eluição com gradiente, na proporção inicial de 50:50, e com aumento da fase orgânica até 95%. Dentre esses gradientes, a condição com resultados mais satisfatórios teve a eluição ocorrendo nas seguintes condições: 0 10 min de 50 a 95% de A, 10 16 min 95% de A; 16 17 min, retornando-se para as condições iniciais, sendo mantidas até os 18 min. Essas proporções também foram utilizadas por Protti e colaboradores22 para separação de CBD, THC, CBN, CBDA e THCA. Por conseguinte, avaliou-se nas condições de gradiente selecionadas, a utilização do forno da coluna em 25 ºC e em 37 ºC (Figuras 2 e 3). Os sinais cromatográficos dos canabinoides foram eluídos entre 9 e 16 min, e nomeados de A - K.
Figura 2. Picos cromatográficos na ordem de A - K, na concentração de 0,002 mg mL-1, vazão de 0,600 mL min-1, λ= 220 nm, volume de injeção de 20 μL e temperatura de forno de 25 °C
Figura 3. Picos cromatográficos na ordem de A - K, na concentração de 0,002 mg mL-1, vazão de 0,600 mL min-1, λ= 220 nm, volume de injeção de 20 μL e temperatura de forno de 37 ºC
A correspondência entre os sinais cromatográficos e cada canabinoide, além dos valores de resolução encontram-se na Tabela 3. Apesar de não ter sido possível obter resolução suficiente para os 11 canabinoides, considerou-se que a resolução entre os canabinoides do objetivo do presente trabalho é atingida.
A temperatura mais elevada reduziu a resolução de 7 dos 11 sinais cromatográficos. Portanto, utilizando a condição com temperatura de 25 ºC, foram injetadas as soluções SQR de CBD, THC, CBDA e CBN para comparação dos tempos de retenção, com o objetivo de identificar os picos correspondentes a esses canabinoides. Os outros sinais foram deduzidos pela ordem de eluição através da comparação com o método do produto 2, que possui FM com composição semelhante a testada e pela comparação dos cromatogramas obtidos após injeção das três soluções contendo: CBG, CBN e CBC; CBDA, THCV e THCA; CBDV e CBO. Esse recurso foi utilizado, uma vez que os padrões desses canabinoides não estavam disponíveis de forma isolada. Os sinais que apresentaram resolução inferior à necessária para quantificação no teste foram CBD - CBG, CBO - CBD e Δ8-THC - Δ9-THC. As duplas CBD - CBG e Δ8-THC - Δ9-THC não apresentaram resolução de linha de base em nenhuma das condições testadas. A dificuldade na separação entre CBG e CBD também foi relatada na literatura.24,25 Para resolver esses picos, Fekete e colaboradores24 utilizaram temperatura de 50 ºC e Krizman,25 37 ºC, ambos utilizando como FE octadecilsilano, entretanto, também utilizaram soluções tampão como parte aquosa da FM. A resolução desses picos foi obtida por Citti e colaboradores20 pela alteração do modo de eluição, de isocrático para gradiente, e pela troca do comprimento da coluna cromatográfica, de 50 mm para 100 mm, ambas C18, com o mesmo diâmetro e tamanhos de partícula, 3,0 mm e 2,7 μm, respectivamente. Também foi utilizado por Nemeskalová e colaboradores26 como FE uma coluna C18 e modo de eluição em gradiente para tentar resolver os picos CBD, CBG, entretanto, não obtiveram sucesso e a separação foi considerada insuficiente para detecção apenas por ultravioleta (UV). No método do fabricante do produto 2, a dupla CBD - CBG, junto com CBG - CBDA e CBC - THCA são consideradas críticas para adequação do sistema. As resoluções que essas duplas obtiveram no método desenvolvido foram iguais ou superiores ao limite especificado pelo método do fabricante. Portanto, baseado no método desenvolvido, podem ser realizadas otimizações, a fim de conseguir melhor separação entre os onze picos presentes na solução. Quanto a detecção, foi selecionado o comprimento de onda de 220 nm, uma vez que foi o valor aproximado de comprimento de onda com absorção máxima para os picos na solução de SQR e nas soluções de amostra, tanto para os canabinoides ácidos quanto para os neutros. Esse comprimento de onda também foi utilizado nos métodos dos fabricantes 1 e 2. Assim como relatado na literatura, foi observado que os canabinoides ácidos também apresentaram picos de absorção entre 270 nm e 310 nm.17,18 Parâmetros de avaliação do método Precisão O resultado do ensaio de repetibilidade e precisão intermediária do método para CBD e THC nos produtos 1 e 2 estão apresentados na Tabela 4. Os valores calculados de DPR foram inferiores a 5,0%, tanto no ensaio de repetibilidade, quanto no de precisão intermediária, o que atesta a precisão do método.
Exatidão Os resultados do ensaio de exatidão para CBD e THC nos produtos 1 e 2 são apresentados na Figura 4. De acordo com o critério definido, os resultados de recuperação e DPR encontram-se dentro das faixas de aceitabilidade, portanto, considera-se que o método possui exatidão.
Figura 4. Resultados de recuperação de CBD e THC nos produtos 1 e 2
Linearidade Para o ensaio de linearidade para CBD foram preparadas 3 curvas, no diluente e uma curva de adição padrão em cada produto testado, com cinco concentrações entre 0,050 mg mL-1 e 0,150 mg mL-1 correspondentes a faixa de 50% a 150% da CT, e os resultados da avaliação pelo Software Action Stat® estão apresentados na Tabela 5.
De acordo com os resultados, não foram rejeitados a significância do modelo linear pelo teste F da ANOVA, hipótese de normalidade dos resíduos e homocedasticidade da variância. Os valores dos coeficientes de correlação foram inferiores a 0,990, portanto, a linearidade da curva na faixa de 50% a 150% da CT não foi confirmada por esse teste, apenas pelos outros três avaliados. Cabe ressaltar que apesar do coeficiente de correlação (r) ser amplamente empregado como indicação da qualidade do ajuste do modelo, o mesmo é interpretado equivocadamente como teste de linearidade por si e não deve ser usado isoladamente. O coeficiente de correlação r deve ser usado somente para descrever o modelo de regressão.27 Os resultados da avaliação do estudo de linearidade para THC com o Software Action Stat® estão dispostos na Tabela 6.
De acordo com os resultados, não foram rejeitados a significância do modelo linear pelo teste F da ANOVA, a hipótese de normalidade dos resíduos e a homocedasticidade da variância. Os valores dos coeficientes de correlação foram superiores a 0,990, portanto, a linearidade da curva na faixa de 0,050 mg mL-1 a 0,150 mg mL-1 foi confirmada. Seletividade Os resultados para o ensaio de seletividade para CBD e THC nos produtos 1 e 2 são apresentados na Tabela 7.
Na comparação entre as retas do diluente com os produtos 1 e 2 para o analito CBD e na comparação entre as retas do diluente com o produto 2 para THC, foi observado que elas possuem o mesmo intercepto, são paralelas e coincidentes. Portanto, foi possível constatar que o método é seletivo. Aplicação da metodologia em produtos à base de Cannabis A metodologia desenvolvida foi aplicada em quatro produtos de Cannabis obtendo-se os seguintes resultados, conforme apresentado na Tabela 8. O valor de recuperação média utilizada como critério de aceitação, de acordo com a CT, foi de 90% a 107%.15 Dessa forma, todos os resultados se mostraram satisfatórios dentro do critério estabelecido.
CONCLUSÕES Neste trabalho foi possível desenvolver um método para determinação de CBD, THC, CBDA e CBN por CLAE-UV. As condições cromatográficas otimizadas permitiram uma análise rápida, em tempo total de 18 min, e resoluções aceitáveis entre os picos cromatográficos. Na avaliação de métodos para preparo das amostras estudadas, concluiu-se que o procedimento que empregou etanol:água (95:5) como solvente de extração, etapas de agitação por inversão, por vórtex e ultrassom, além de centrifugação, apresentou melhores resultados de recuperação em menor tempo de execução. O método otimizado (condições cromatográficas e preparo de amostra) foi aplicada a dois produtos e, através da avaliação de parâmetros de validação de método analítico, foi possível constatar que ela é precisa, exata, linear e seletiva para CBD e THC. Os resultados obtidos demonstraram que é possível aplicar o método nos demais produtos à base de cannabis que são comercializados no país. E com dados promissores, o método pode ser validado e auxiliar nas ações de vigilância sanitária.
AGRADECIMENTOS Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS-FIOCRUZ), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
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