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Estudo de gasolinas premium e comum comercializadas no brasil através do método eretic-rmn e quimiometria Study of premium and regular gasolines marketed in brazil through the eretic-nmr method and chemometrics |
Vinícius S. PintoI,II,*; Gerlon de A. R. OliveiraI; Christian D. GomidesI; Marcos R. MonteiroIII; Luciano M. LiãoI
I. Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás, 74690-900 Goiânia - GO, Brasil Recebido em: 19/06/2022 *e-mail: vinicius.silva@ifgoiano.edu.br Gasoline is a complex mixture of hydrocarbons whose detailed study of its chemical profiles is a challenging task. This type of product of great commercial importance has its quality measured in Brazil from classical physical-chemical tests. Although robust, physical-chemical analyses generally require large amounts of assays, solvents, and samples, in addition to not being indicated for the detection of small compositional changes. In this work, NMR and chemometrics were used in the quantitative study of different samples of gasoline with varying ratings of octane and ethanol contents. The results demonstrated the usefulness of NMR spectroscopy both to characterize as well as to distinguish the chemical profiles of regular and premium gasoline. With the application of the ERETIC, the chemical profiles mentioned were quantitatively differentiated and the proportions between hydrocarbons were determined for both types of gasoline. The application of the ERETIC was also successful in the quantitative determination of ethanol contents in regular and premium gasoline. The aforementioned method, which dispenses with the use of quantification standards inserted directly into the sample of interest, was unequivocal in accounting for the volume of ethanol, in addition to showing excellent agreement with the method currently adopted by the Brazilian government. INTRODUÇÃO A gasolina é caracterizada quimicamente como uma mistura complexa de hidrocarbonetos (parafinas, isoparafinas, olefinas, naftênicos e aromáticos, "PIONA") obtida a partir do petróleo. A proporção desses componentes tem impacto direto em propriedades como a temperatura de ebulição, densidade e a resistência do combustível à compressão (propriedade comercialmente chamada de octanagem).1,2 Na composição final da gasolina, compostos nitrogenados e oxigenados também podem estar presentes, sendo esses, adicionados na forma de surfactantes e/ou aditivos antidetonantes.3 No Brasil, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é o órgão governamental responsável pelo monitoramento da qualidade da gasolina. Para tanto, a ANP classifica a gasolina comercializada no Brasil em tipos A e C. A gasolina A é o produto obtido nas refinarias e/ou petroquímicas e caracteriza-se por não apresentar etanol. Já a gasolina C, é o combustível que é revendido em postos e que apresenta etanol em sua composição, sendo esse, adicionado em teores previstos em legislação pertinente. A ANP também utiliza a octanagem expressa na forma do índice antidetonante (IAD) para classificar a gasolina em comum e premium. Os valores mínimos de IAD para as gasolinas comum e premium tipo C são 89 e 91 unidades, respectivamente.4 Para melhorar o desempenho antidetonante da gasolina são utilizados éteres alifáticos e álcoois na forma de aditivos antidetonantes. Os mais usados são o metanol, etanol anidro, n-propanol, isopropanol, n-butanol, 2-butanol, terc-butanol (TBA), éter metil terc-butílico (MTBE), éter etil terc-butílico (ETBE) e o terc-amil metil éter (TAME).5 No Brasil, o etanol anidro é adotado como principal aditivo antidetonante, cujos percentuais devem ser iguais a 27,0 ± 1,0% (v/v) e 25,0 ± 1,0% (v/v), para as gasolinas tipo C comum e premium, respectivamente.6 O uso de etanol na gasolina, além de favorecer o incremento do IAD também auxilia na redução da emissão de poluentes. Por outro lado, a adição do etanol à gasolina apresenta como desvantagem a possível incorporação de água na gasolina o que acarreta em uma menor vida útil do combustível além do risco de separação de fases em baixas temperaturas.3 A alta na tributação sobre a gasolina causada por fatores internos (ex.: tributos federais e estaduais, custos de produção etc.) e externos (ex.: preço do petróleo no mercado internacional, alta do dólar etc.) aliada à facilidade em adulterar a gasolina e a dificuldade do consumidor em identificar a gasolina adulterada favorecem o aumento de fraudes relacionados à gasolina. A adição não declarada de solventes petroquímicos, etanol em limites não previstos em legislação e a adição de gasolina de baixa octanagem à gasolina de alta octanagem são as principais práticas fraudulentas praticadas no Brasil.4 O regulamento técnico da ANP aplicado no monitoramento da qualidade da gasolina contempla ensaios analíticos de inspeção visual, densidade relativa (ABNT NBR 7148, ASTM D 1298), perfis de destilação (ASTM D 86), ponto final de evaporação, IAD ((ASTM D 2700 + ASTM D 2699)/2), teor de hidrocarbonetos (ASTM D 1319), teor de benzeno (ASTM D 6277) e etanol anidro (ABNT NBR 13992). No entanto, identificar as não conformidades supracitadas pode não ser uma tarefa simples em decorrência da semelhança das propriedades físico-químicas das gasolinas e/ou pela simplicidade analítica de métodos como a ABNT NBR 13992.2,7,8 Assim, a implementação de novos métodos capazes de produzir, a partir de poucos experimentos, perfis químicos qualitativos e quantitativos e que permitam a identificação de diferentes tipos de gasolina e fraudes (por exemplo, níveis de etanol) são relevantes no contexto analítico atual. Técnicas cromatográficas e espectroscópicas têm sido aplicadas com sucesso no contexto analítico apresentado.7-16 Em ambas as rotinas, perfis químicos detalhados são comumente coletados de forma rápida e inequívoca, sem o uso de grandes quantidades de solventes. Entretanto, os ensaios cromatográficos são destrutivos e requerem o uso de padrões específicos para quantificação.3,7,9-11 Nesse contexto, dentre as técnicas espectroscópicas, destaca-se a Ressonância Magnética Nuclear (RMN), cuja rotina experimental permite a coleta de perfis químicos de forma rápida e não seletiva, mas com a vantagem de ser um método não destrutivo e não necessariamente exigir padrões para quantificação.2,3,12-16 Em decorrência da proporcionalidade direta entre a área do sinal e o número de núcleos responsáveis pelo sinal de RMN, especialmente na RMN de 1H, é possível a coleta simultânea de perfis químicos qualitativos e quantitativos, o que é interessante na análise de matrizes complexas como a gasolina.17,18 A quantificação por RMN (RMNq) é comumente realizada pela aquisição simultânea de espectros de analitos e de padrões de quantificação internos previamente adicionados à solução de interesse.17 Quando o analito está presente em uma matriz de alta complexidade química (por exemplo, gasolina), a referida rotina quantitativa representa um desafio do ponto de vista analítico, pois a escolha de um padrão de quantificação para RMNq deve atender a requisitos como o custo, a volatilidade, não interagir quimicamente com o analito, tempos de relaxação adequados além de uma estrutura molecular compatível, pois a sobreposição de sinais deve ser evitada.18,19 Como alternativa, Akoka et al. desenvolveram um método de RMNq que elimina a necessidade de inserção de padrões de quantificação diretamente na solução de interesse.19 O método denominado Eletronic Reference To access in Vivo Concentration (ERETIC) consiste no uso de sinais de referência sintetizados eletronicamente, calibrados a partir de soluções de concentração conhecidas. O sinal ERETIC carrega informações constantes sobre o número de núcleos responsáveis pelo sinal, intensidade e área do sinal do padrão usado durante a calibração. Isso permite, através da relativização de sinais (ERETIC versus analito), a determinação da concentração de uma substância de interesse. Além disso, como o sinal ERETIC é sintetizado eletronicamente, ele pode ser adicionado ao espectro de interesse em uma faixa espectral desobstruída, evitando interferências decorrentes da sobreposição de sinais.18-20 Assim, devido à sua natureza não invasiva, o ERETIC pode ser uma alternativa analítica à RMNq aplicada a matrizes complexas, pois não apresenta desvantagens em termos de solubilidade, estabilidade, tempo de relaxação, deslocamento químico e riscos de interação com a matriz.20 A aplicação de RMNq na análise de gasolina gera uma gama de informações que pode não ser facilmente interpretável. Possíveis tendências de agrupamento ou separação de amostras que indicam não conformidades podem não ser reconhecidas por métodos de comparação simples.3,20 Nos casos particulares de adulterações pela mistura de gasolina de diferentes tipos e/ou adição de compostos já presentes na formulação (por exemplo, etanol) em níveis não permitidos, a aplicação da quimiometria no processamento de dados é recomendada.21 Dentre os principais protocolos quimiométricos utilizados neste contexto analítico, destaca-se a análise de componentes principais (PCA).22,23 Na PCA, o conjunto de dados multivariados oriundos dos experimentos de RMN é projetado em um novo espaço estatístico formado por novas variáveis ortogonais chamadas de componentes principais (PCs). Com base na variância de cada amostra dentro do conjunto amostral, a PCA pode ser aplicada uma ferramenta de análise exploratória de dados onde podem ser identificadas possíveis tendências de agrupamentos entre as amostras.21 Na literatura são encontradas aplicações de sucesso da RMN aliada a diferentes ferramentas quimiométricas (HCA, PCA, PLS, SIMCA etc.) em estudos da composição da gasolina,3,10,15,16 identificação de adulterações,21 determinação de propriedades físico-químicas,14 distinção entre gasolinas aditivadas e não aditivas1 e na estimativa de etanol.3 Para tanto, o presente estudo descreve uma abordagem analítica baseada na sinergia entre RMNq e a PCA aplicadas no estudo de gasolinas comum e premium comercializadas no Brasil. Em um viés quantitativo não invasivo inovador, o presente trabalho também apresenta os resultados da aplicação do método ERETIC na determinação de etanol em gasolinas de diferentes tipos (comum e premium) bem como na determinação das proporções de hidrocarbonetos aromáticos, olefínicos e saturados presentes em tais tipos de gasolina.
PARTE EXPERIMENTAL Amostras e análises físico-químicas A amostragem foi composta por 80 amostras de gasolina distribuídas nos grupos controle (RG e PG) e tratamento (códigos RM e PM) conforme a Tabela 1. As amostras do grupo controle, RG e PG, foram submetidas e aprovados pelos testes físico-químicos exigidos pela ANP (cor, aparência, teor de etanol anidro, destilação, índice antidetonante (MON+RON/2) e teor de hidrocarbonetos aromáticos, olefínicos e alifáticos).
Diferentes amostras padrão de gasolinas comum e premium tipo A (isentas de etanol) foram utilizadas para o preparo de gasolinas tipo C em diferentes proporções de etanol (%) e gasolina (%), conforme indicado na Tabela 1. Para cada proporção foi usada uma alíquota diferente de gasolina tipo A. As misturas resultantes compuseram o grupo tratamento (amostras RM e PM), utilizadas para avaliar a capacidade do método ERETIC em detectar diferentes porcentagens de etanol em gasolina. As amostras RM e PM foram obtidas a partir de amostras padrão fornecidas pelo Laboratório de Combustíveis - CCDM/UFSCar credenciado pela ANP. O teor final de etanol em todas as amostras foi determinado pelo teste ABNT NBR 13992 para que fosse avaliado a concordância entre os valores obtidos pelo método ERETIC. Experimentos de RMN de 1H Para cada análise, 100 µL de gasolina foram misturados em 500 µL de CDCl3 contendo tetrametilsilano (TMS) a 0,05% (v/v). A solução resultante foi transferida para tubos de 5mm para as análises de RMN. Todos os experimentos de RMN foram realizados a 25 °C em espectrômetro Bruker Avance III (Bruker, Alemanha) operando a 11,75 T, observando o núcleo de 1H a 500,13 MHz. O espectrômetro foi equipado com sonda BBI de quatro canais de detecção inversa de 5 mm (1H, 2H, 13C e núcleo X). Os espectros de RMN de 1H foram adquiridos pela sequência de pulso ZG (Bruker), com ângulos de nutação de 90 graus. A duração do pulso de rádiofrequência foi determinada automaticamente para cada amostra cujo valor médio foi de 6,90 µsec. A homogeneidade do campo (shimming) e a sintonia foram ajustadas automaticamente para cada experimento. Os espectros foram adquiridos com largura espectral (SW) de 20 ppm, 4 varreduras para atingir o estado estacionário (DS), 128 promediações (NS) e 65.536 pontos de aquisição. O tempo de reciclagem (AQ+D1) foi fixado em 7,23 s, sendo esse, um valor médio estimado para a recuperação da magnetização dos núcleos presentes em toda a faixa espectral. Para tanto, o tempo de recuperação (T1) médio foi estimado através do protocolo de inversão-recuperação, cuja base do método é o desaparecimento dos sinais quando a magnetização longitudinal passa pelo plano x-y em sua recuperação. Nesse protocolo, ocorre a inversão das fases, ou seja, os sinais desaparecem na linha de base, exatamente no tempo nulo, τ (D7, linguagem Bruker). O valor de τ foi aplicado na relação T1 = 1,443*τ. O valor de T1, por sua vez, foi usado na relação "tempo de reciclagem" (AQ + D1) = 5*T1. Os espectros foram processados com 65.536 pontos de digitalização e fator de alargamento da linha igual a 0,3 Hz. As linhas de base e as fases espectrais foram corrigidas automaticamente no software de trabalho (TopSpin 3.2; Bruker BioSpin). O TMS foi usado como referência interna para o deslocamento químico. Calibração do método ERETIC A calibração do método ERETIC, aplicado na determinação dos teores de etanol e das razões entre os hidrocarbonetos aromáticos, olefínicos e saturados das amostras de gasolinas, baseou-se na obtenção de um espectro de RMN de 1H quantitativo de uma solução de cafeína 5,0 mol L-1, solubilizada em CDCl3.18 Os parâmetros de aquisição e processamento espectrais seguiram rigorosamente o protocolo descrito para a obtenção dos experimentos de RMN de 1H (tópico anterior), cujo o tempo de reciclagem de 7,23 s foi suficiente para a recuperação de 99,7% da magnetização associada aos núcleos de hidrogênio da cafeína. O sinal em δ 4,0, associado aos hidrogênios do grupo -CH3 (ligado ao átomo de carbono número 7 da estrutura da cafeína), foi utilizado para a integração da área. O teor de etanol na gasolina, expresso em % v/v, foi obtido através das equações 1 e 2. Em que [etanol]eretic: concentração molar de etanol; [std]: concentração molar da substância padrão usada na calibração do método ERETIC; Ietanol: valor de integração da área do sinal do etanol; Istd: valor de integração da área do sinal da substância padrão; nstd: número de núcleos da substância padrão responsável pelo sinal, cujo valor utilizado foi igual a 3; netanol: número de núcleos de etanol responsáveis pelo sinal, cujo valor utilizado foi igual a 2; Metanol: massa molar do etanol cujo valor utilizado foi de 46,07 g mol-1; Vamostra: volume da amostra de gasolina utilizada na preparação da solução de RMN cujo valor utilizado foi de 100 µL; ρ etanol: densidade do etanol a 20 °C, cujo valor utilizado foi de 789 kg m-3. Análises de PCA A PCA foi realizada no software AMIX 3.9.15 (Bruker BioSpin). A matriz de dados foi obtida pelo procedimento de bucketing espectral dos dados de RMN de 1H, utilizando a forma retangular com 0,05 ppm de largura. O bucketing espectral foi realizado para os sinais presentes na faixa de δ 8,5-0,50, com o modo de integração pela soma das intensidades, resultando em uma tabela com 800 buckets com dados centrados na média. A PCA foi realizada com intervalo de confiança de 95,0% e com 2 PCs que acumularam 98,8% da variância amostral.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Discriminação entre gasolina brasileira regular e premium A Tabela 2 mostra os resultados médios dos principais parâmetros físico-químicos utilizados pela ANP obtidos para amostras de RG e PG. Os resultados foram úteis na certificação da conformidade das amostras RG e PG, adotadas como grupo controle.
O perfil químico das amostras RG indicou a predominância de hidrocarbonetos saturados (45,4%) em detrimento de olefinas (15,7%) e aromáticos (21,9%). A mesma tendência na composição foi observada nas amostras PG, cujos valores para os hidrocarbonetos olefínicos, saturados e aromáticos foram (3,1%), (69,8%) e (5,4%), respectivamente. Ao comparar os perfis químicos, verificou-se que as amostras PG apresentaram maiores teores de hidrocarbonetos saturados que as de RG, as quais são caracterizadas por apresentaram teores de hidrocarbonetos olefínicos e aromáticos mais significativos que PG. Assumindo que tais teores de hidrocarbonetos foram determinantes para os valores de MON, RON e IAD, podemos inferir que a predominância de hidrocarbonetos saturados favorece o incremento da octanagem em gasolinas. As quantidades de hidrocarbonetos nas amostras RG e PG apresentadas na Tabela 2, embora de acordo com a legislação brasileira vigente, podem ser diferentes em gasolinas de diferentes origens e marcas, pois o nível de hidrocarbonetos é influenciado pelo tipo de petróleo e métodos aplicados em sua cadeia de produção.24,25 Os níveis de etanol determinados teste NBR 13992 para as amostras de RG, PG, RM e PM estavam de acordo com o esperado, tanto para o grupo controle (RG e PG) quanto o grupo de tratamento (RM e PM). Esse fato indica que, se outros compostos oxigenados (por exemplo, metanol) estavam presentes nas formulações analisadas, suas concentrações não foram decisivas para os volumes finais. Os resultados apresentados na Tabela 2 trouxeram um panorama quantitativo com pouco detalhamento sobre as estruturas de hidrocarbonetos saturados e insaturados presentes em RG e PG. Com a Figura 1, que apresenta os espectros de RMN de 1H de RG e PG, foi possível coletar informações que permitiram um maior aprofundamento no estudo composicional de gasolinas comercializadas no Brasil. Em geral, a análise espectral da gasolina é complexa, com sinais sendo observados em quase todas as faixas espectrais. A atribuição de pico a pico é impraticável, pois muitos hidrogênios apresentaram sinais com deslocamentos químicos muito próximos, o que favoreceu a formação de sinais com multiplicidades indefinidas. Para tanto, foram apresentadas subdivisões onde predominaram sinais de hidrocarbonetos aromáticos, olefínicos, alifáticos e etanol. As atribuições foram baseadas na literatura.1,3,9,14,15,21,22,25-27
Figura 1. Espectros de RMN de 1H de amostras de gasolinas comum e premium. Para fins didáticos foram apresentadas as seleções das regiões Alifática (δ 1,0 0,6), Olefínica (δ 6,5-4,5), Aromática (δ 8,0-6,7) e setas indicativas dos sinais do etanol
Na região alifática (δ 1,0-0,6), foram identificados os sinais de hidrogênios comumente encontrados em fragmentos terminais tipo -CH3 de hidrocarbonetos saturados (parafinas e isoparafinas). Os sinais identificados em δ 1,27, 0,95, 0,92 e 0,90 foram atribuídos aos hidrogênios do n-octano, substância usada como padrão de referência máxima de octanagem.27 É válido observar que os sinais do n-octano foram mais intensos nos espectros de gasolina premium. O tripleto em δ 1,2, observado em ambos os experimentos (RG e PG), caracterizou os hidrogênios do fragmento -CH3 do etanol. Ao analisar a constante de acoplamento, parâmetro físico que se refere à magnitude da interação entre núcleos vizinhos, determinada a partir do tripleto cujo valor determinado foi de 7,0 Hz, estabeleceu-se que o quarteto em δ 3,68 poderia ser atribuído aos hidrogênios de fragmentos -CH2 do etanol.15,16 Diferentemente dos sinais citados acima, os hidrogênios presentes nos grupos hidroxila (-OH) do etanol foram associados aos sinais de deslocamentos químicos variáveis, observados na faixa de δ 3,0-2,2. Nos espectros das amostras PG, os sinais dos hidrogênios hidroxílicos apresentaram valores de deslocamento químico próximos a δ 2,31, enquanto as amostras RG apresentaram valores próximos a δ 2,52, para o mesmo sinal. Essa imprevisibilidade nos deslocamentos químicos dos hidrogênios hidroxílicos decorre de fatores influenciadores como 1) a participação desses núcleos em processos de troca química; 2) variações nas concentrações de etanol (25% em PG e 27% em RG) e 3) possibilidade de participação em ligações de hidrogênio.3,15 É importante observar ainda que pela simples atribuição pico a pico realizada não foi possível obtermos a informação que tal sinal refere-se apenas a hidroxilas do etanol, haja visto que a gasolina pode conter outros compostos oxigenados (ex: metanol) na forma de contaminantes bem como o solvente de análise (CDCl3) que comumente pode apresentar água. Por outro lado, é atribuição é pertinente, uma vez que a presença de água no solvente CDCl3 origina um sinal no espectro de RMN de 1H em aproximadamente δ 1,60 e além da diferença nos deslocamentos químicos de uma amostra que contém maior quantidade de etanol (RG, δ 2,52) para uma amostra com quantidade inferior de etanol (PG, δ 2,31). Na região olefínica, foram identificados grupos de sinais característicos de hidrogênios vinílicos de fragmentos RHC=CHH (δ 5,9-5,7), RHC=CH (δ 5,65-5,3), CHC=CRR (δ 5,25-5,0), RHC=CHH (δ 5,0-4,8) e RRC=CHH (δ 4,75-4,60). Alcenos tetrassubstituídos, possivelmente presentes nas composições analisadas, não foram caracterizados nos espectros de RMN. Os hidrogênios alílicos (ex: RH-RRC=CRR), possivelmente úteis na distinção deste tipo de olefina em detrimento aos alcenos mono, di e trissubstituídos, comumente apresentam deslocamentos químicos próximos da faixa de δ 2,6-2,0.28 Porém, essa região espectral é comum a hidrogênios benzílicos que, em decorrência das maiores concentrações de compostos aromáticos em RG e PG comparada aos teores de olefinas (Tabela 2), ocasionou a sobreposição dos sinais, impossibilitando a caracterização. Como pode ser visto na Figura 2, a região olefínica das amostras RG apresentou um maior número de sinais quando comparada à mesma região das amostras PG, além de apresentarem maiores intensidades. Tal observação, permitiu inferir com segurança que a amostra RG apresentava uma maior quantidade de alcenos em sua composição, comparada a amostra PG.
Figura 2. Gráfico de escores de PC1 versus PC2 (2a) e pesos (2b) obtidos a partir dos dados de RMN de 1H das amostras de gasolinas RG (azul) e PG (preto)
Na região aromática, foram assinalados os sinais de hidrogênios benzênicos e de anéis benzênicos orto, meta e para-dissubstituídos (ex: xilenos), caracterizados respectivamente em δ 7,35 e δ 7,25-7,15. A tendência entre os números de sinais e intensidades, observada na região olefínica, também foi observada na região aromática. Pela simples análise das intensidades e do número de sinais nas subdivisões espectrais mostradas na Figura 1, foi inferido qualitativamente que houve concordância entre as proporções observadas entre os hidrocarbonetos saturados, olefínicos e aromáticos apresentados na Tabela 1. Tais diferenças nas composições RG e PG foram evidenciadas na PCA (Figura 2), realizada a partir dos dados de RMN de 1H. A variância acumulada explicada pelos dois primeiros componentes foi de 98,8%. No gráfico de escores da PCA (Figura 2a), foi identificada uma forte tendência de separação entre as amostras RG e PG ao longo de PC1, com o grupo de amostras RG situado em escores negativos enquanto o grupo de amostras PG situaram-se em escores positivos. A análise do gráfico de pesos (Figura 2b) indicou os principais descritores químicos (sinais de RMN) responsáveis pela separação entre RG e PG. Os escores positivos de PC1, região do gráfico em que as amostras de PG foram situadas, foi majoritariamente influenciada pelos sinais com deslocamentos químicos presentes na faixa de δ 0,85-0,90, anteriormente associados a sinais de hidrocarbonetos saturados (ex: n-octano). Assim, assumiu-se que os escores PC1 positivos foram responsáveis por discriminar amostras de maiores IAD. Por outro lado, os escores negativos de PC1 foram influenciados pelos sinais de δ 1,25 e 2,35 e 3,65, anteriormente associados a hidrogênios do etanol. Para tanto, concluiu-se que ao longo dos escores negativos de PC1 foram separadas as amostras com maiores teores de etanol, uma vez que as gasolinas RG apresentam 27% do referido álcool em sua composição, enquanto PG, apresentam 25%, de acordo com a legislação vigente. Ambas as tendências observadas indicaram a validade da PCA em discriminar RG e PG, uma vez que tais informações convergiram com observações de outros testes apresentados na Tabela 2. Análise quantitativa de gasolinas comum e premium através do método ERETIC Partindo da premissa de que a área de um sinal de RMN de 1H é proporcional ao número de átomos responsáveis por este sinal,17 foi possível ampliar a comparação composicional entre RG e PG identificada na Figura 2b, através dos valores das integrais das áreas das regiões de interesse (aromática, olefínica, alifático e etanol), referenciadas pela área do sinal absoluto do ERETIC (Figura 3).
Figura 3. Espectros de RMN de 1H de RG e PG. Em destaque foram apresentadas as integrações das áreas dos sinais presentes nas regiões Aromática (δ 8,0 6,7), Olefínica (δ 6,5-4,5), Alifática (δ 1,0-0,6) e etanol (δ 3,9-3,50), referenciados ao sinal ERETIC arbitrariamente posicionado em δ 9,0. As integrações foram realizadas com precisão de ± 0,30 ppm em relação ao centro dos sinais
Como a área de referência (sinal ERETIC) para a integração das áreas de interesse (aromática, olefínica, alifático e etanol) tem o mesmo valor fixo em todos os espectros, concluiu-se que maiores valores de áreas representaram maiores concentrações, para cada área de interesse. Nas amostras RG foram observados maiores valores de integrais para hidrocarbonetos aromáticos, olefínicos e para o etanol, enquanto nas amostras PG, foram observados maiores valores de integrais para a região alifática. A comparação entre as áreas dos espectros RG e PG foi consistente com os perfis obtidos pelos testes ANP, apresentados na Tabela 2. A proporção entre as integrais das áreas de interesse de RG e PG (Aro = 1,67/0,38 = 4,39; Etanol = 2,54/2,24 = 1,13; Ali = 14,51/6,15 = 2,36) indicou a existência de correlação com a proporção entre os valores obtidos pelo método ANP (Aro = 21,9/5,4 = 4,05; Etanol = 26,42/25,8 = 1,02; e Sat = 69,8/45,4 = 1,54). Para os hidrogênios olefínicos, houve uma grande divergência entre os valores (ERETIC Ole = 0,21/0,01 = 21,0; ANP Ole = 15,7/3,1 = 5,06), o que pode estar associado à baixa sensibilidade da técnica de RMN em comparação ao método ANP. Determinação de etanol em gasolinas comum e premium através do método ERETIC O método ERETIC foi aplicado na determinação dos teores de etanol nas gasolinas RG, RM, PG e PM. Para esta etapa, o sinal ERETIC foi posicionado em δ 4,0, conforme a Figura 4. A escolha dessa região espectral foi baseada na proximidade com o sinal do hidrogênio do grupo -CH2 do etanol (δ 3,68) e por se tratar de uma região espectral contendo sinais não sobrepostos.
Figura 4. Integração dos sinais etanol de amostras de gasolina regular e premium conforme e não conformes, relativa ao sinal ERETIC. As integrações foram realizadas com a precisão de ± 0,30 ppm em relação ao centro dos sinais
Os valores de área dos sinais de etanol integrados em relação ao ERETIC aumentaram linearmente com o aumento do etanol para ambos os grupos de amostras. Para o grupo de gasolinas comuns, as integrais observadas foram de 5,89 (RM (25% etanol)), 6,26 (RG (27% etanol)), 6,17 (RM (27% etanol)), 7,00 (RM (30% etanol)), 11,52 (RM (50% etanol)) e 17,04 (RM (75% etanol)). No grupo de gasolinas premium, os valores observados foram de 4,56 (PM (20% etanol)), 5,94 (PG (25% etanol)), 5,68 (PM (25% etanol)), 6,65 (PM (30% etanol)), 11,33 (PM (50% etanol)) e 17,32 (RM (75% etanol)). Os valores de integração das áreas mostrados na Figura 4 foram aplicados na equação 1, substituindo os termos Ietanol / Istd. Com os resultados da equação 1, cujos valores representavam as concentrações molares de etanol em cada amostra, as porcentagens (v/v) de etanol foram determinadas a partir da equação 2. As médias dos resultados foram organizadas na Tabela 3.
O método ERETIC, aplicado na determinação dos teores de etanol presentes nas amostras de gasolina de ambos os grupos, apresentou excelente desempenho e concordância com os valores determinados pelo teste oficial adotado pela ANP (ABNT NBR 13992), para a determinação de etanol em gasolinas comum e premium. Quando as médias foram comparadas, pode-se notar que os resultados do método ERETIC apresentaram menores variações em relação ao valor médio. Por outro lado, as médias dos resultados obtidos pelo método ANP, apresentaram maiores dispersões em torno dos valores médios, o que pode ser explicado pela suscetibilidade do método em incorporar erros experimentais (por exemplo, erro de paralaxe). É válido notar a eficiência do método ERETIC na identificação de pequenas variações exclusivas do etanol em uma ampla faixa de concentrações. Como foi utilizada apenas a área deste componente, não foram considerados os volumes de outros possíveis álcoois cossolubilizados. Os teores de etanol em gasolinas premium determinados pela metodologia ERETIC corroboram a aplicabilidade da RMN para tal fim analítico uma vez que os resultados se somam a observações previamente publicados.3 Em um trabalho antecessor, Pinto25 aplicou um modelo de regressão químico-estatístico baseado em RMN-PLS na determinação de etanol em gasolina premium. Os percentuais de etanol em diferentes amostras de gasolina premium foram alcançados com grande precisão quando foram comparados ao método ABNT NBR 13992.
CONCLUSÕES A determinação de perfis químicos de gasolinas comum e premium por espectroscopia de RMN abre possibilidades analíticas alternativas para contribuir com o estudo da qualidade dos combustíveis, comumente realizados através de ensaios físico-químicos. Embora robustas, geralmente as análises físico-químicas requerem grandes quantidades de solventes e amostras, além de não serem indicadas para a detecção de pequenas alterações composicionais. Neste trabalho, a RMN aliada ao tratamento quimiométrico por PCA foram aplicados na avaliação de diferentes amostras de gasolinas de diferentes tipos (comum e premium) e níveis de etanol. Os resultados demonstraram a utilidade da espectroscopia de RMN de 1H na caracterização dos principais grupos químicos pertinentes aos hidrocarbonetos das gasolinas comum e premium. Com a aplicação do método ERETIC, os perfis químicos mencionados foram discriminados e as proporções entre os hidrocarbonetos aromáticos, olefínicos e parafínicos foram determinadas para ambos os tipos de gasolinas. A aplicação do método ERETIC também obteve sucesso na determinação quantitativa de diferentes teores de etanol em gasolinas comum e premium, conformes e não conformes. Embora a RMN apresente custos operacionais (infraestrutura, necessidade de uso de solventes deuterados e pessoal especializado) altos, os resultados indicam que técnica pode ser elencada como uma alternativa analítica para a avaliação da qualidade da gasolina em tempos de crise, uma vez que inúmeros testes físico-químicos podem ser substituídos por poucos experimentos de RMN que, por sua vez, podem fornecer informações qualitativas (perfis químicos) e quantitativas (teores de hidrocarbonetos e etanol) de maneira concomitante.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materiais (CCDM, UFSCar/UNESP) por ceder as amostras para o estudo, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), IF Goiano e à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) pelo apoio financeiro.
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