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Assuntos Gerais


A química na literatura de Primo Levi: aspectos filosóficos sobre experimentação, matéria e ofício químico
Chemistry in Primo Levi's literature: philosophical aspects on experimentation, matter and the profession of chemistry

Rafaela ValeroI; Rafael C. MoriII,*; Luciana MassiIII

I. Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, 17033-360 Bauru - SP, Brasil
II. Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, 09210-580 Santo André - SP, Brasil
III. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, 14800-901 Araraquara - SP, Brasil

Recebido em: 21/09/2022
Aceito em: 03/11/2022
Publicado em: 12/01/2023

Endereço para correspondência

*e-mail: rafael.mori@ufabc.edu.br

RESUMO

The Italian chemist Primo Levi (1919-1987) published a testimonial literature about the period he was captive in Auschwitz, later exploring other literary genres. In his work as a whole, the science-art relationship takes place both in terms of content (when chemistry and scientific knowledge are themes) and form (when the author appropriates the language and logic of science to communicate his experiences, especially those lived in the concentration camp). Three themes related to the chemical universe are present in Levi's writings: experiments, man's relationship with matter and chemistry as a work. In this article, we bring these topics closer to current discussions in the field of philosophy of chemistry. The philosophical discussion and Primo Levi's literature converge on the understanding that experiments assumes a particular role in chemistry, that matter is a central category for this science and that the chemical profession raises ethical questions, such as those related to impacts of the incessant production of new substances.

Palavras-chave: Primo Levi; literature; philosophy of chemistry.

INTRODUÇÃO

O distanciamento da sociedade em relação à ciência é reconhecido e se expressa claramente em resultados de pesquisas de percepção pública.1 Quanto a isso, o cenário da química tende a ser ainda pior que o da astronomia ou da matemática, por exemplo, dado que essa separação dificulta que o público conheça e interprete fenômenos muito presentes na vida, além de entravar sua capacidade coletiva de se manifestar sobre eles.2 Ademais, a suposta "potencialidade para o mal" da química tende a ser mais conhecida que sua importância para o bem-estar da vida humana.2

Alguns pesquisadores apostam em narrativas literárias, com temáticas científicas, como um caminho para aproximar os estudantes da ciência.3 Eles pressupõem que esse tipo de texto estaria mais presente no cotidiano dos alunos, favorecendo tal aproximação por fornecer exemplos e contextualizar o conteúdo científico. Infelizmente, sabemos que a literatura está tão distante do cotidiano dos estudantes, e da população em geral, quanto a ciência.4

Porém, concordamos que alguns autores conseguem mesclar esses diferentes domínios e fornecer uma perspectiva da ciência mais integrada com a vida e a humanidade. De fato, alguns personagens associados a uma dessas práticas, literatura ou ciência, chamam a atenção por suas bem-sucedidas incursões na outra, estabelecendo uma "ponte entre duas culturas". É essa a expressão usada por Zanetic,5 inspirado em Snow,6 para se referir ao legado daqueles que transitaram da arte para a ciência, ou vice-versa, sugerindo inclusive a possibilidade de novas fecundações mútuas entre esses dois campos. Ainda, o autor recolhe exemplos, com referência à física e à literatura, de "escritores com veia científica" e, na outra mão, de "cientistas com veia literária". No primeiro grupo, elencam-se nomes como Edgar Allan Poe (1809-1849), Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821-1881), Emile Zola (1840-1902) e Augusto Emílio Zaluar (1825-1882). Já no outro conjunto, considerando principalmente suas contribuições para a divulgação científica, listam-se personalidades da física do século XX, como Albert Einstein (1879-1955), Niels Bohr (1885-1962), Lev Davidovich Landau (1908-1968) e Richard Feynman (1918-1988).

A divisão um tanto esquemática de Zanetic é desafiada por outros exemplos, incluindo personagens da ciência que nos interessa, a química. É o caso de Aleksandr Porfirevich Borodin (1833-1887),7 com sua profícua carreira tanto como compositor de música clássica, quanto como estudioso de reações orgânicas; seria, assim, um químico com veia musical ou um músico com veia química?

Dilema análogo resulta do conhecimento de outra personalidade que percorreu paralelamente os mundos químico e artístico: o italiano Primo Levi (1919-1987), químico e escritor que, desde a tenra idade, interessou-se pelas humanidades, pelo mundo natural e pelo conhecimento científico. Judeu, tornou-se escritor após a experiência de ser deportado para Auschwitz ao final da Segunda Guerra Mundial, com uma literatura de testemunho sobre o período em que esteve cativo, posteriormente, explorando outros gêneros - e, muitas vezes, convertendo a química, de ofício, a conteúdo de suas obras. Diversas análises sobre esse autor revelam a originalidade de sua visão sobre a química,8 o que pode mobilizar reflexões sobre essa ciência e sua natureza. Por unir os mundos químico e literário, Levi se considerava uma espécie de centauro, mas acreditamos que o amálgama que sua obra produz entre as duas áreas supera a metáfora da parte humana/parte cavalo; trata-se, isto sim, de uma verdadeira hibridização, resultando numa química humanizada.

Neste artigo, temos como objetivo geral apresentar e analisar a relação de Primo Levi com a química. Para isso, primeiramente, narra-se uma breve biografia de Levi, ressaltando-se a presença da química, enquanto trabalho e ciência, em sua vida. Na mesma seção, aproveita-se para destacar, do conjunto de sua criação literária, obras em que a química recebe mais atenção, bem como elementos da fortuna crítica associada a tal produção. Por fim, considerando a forma como química e literatura se entrelaçam em Primo Levi, analisamos três temas que perpassam seus escritos, podendo interessar especialmente ao público químico: o trabalho experimental, a relação do homem com a matéria e a química como ofício. A análise desses temas será conduzida a partir de excertos de obras de Primo Levi, em diálogo com discussões da filosofia da química.

Elos entre química e literatura na vida de Primo Levi

Descendente de judeus, Primo Levi (Figura 1) nasceu em 1919, em Turim, crescendo num ambiente que valorizava a leitura e as ciências naturais.9 Sua educação escolar ocorreu no momento histórico em que o regime fascista direcionava mudanças curriculares que enfatizavam disciplinas de história e linguagens, em detrimento das ciências naturais, que muito interessavam a Levi.10 De fato, de tão entusiasmado pelas ciências e, principalmente, pela química, o jovem Primo Levi frequentava o laboratório improvisado do irmão de um amigo, para realizarem experimentos, escondidos.11 Seu interesse pela química tinha, ainda, outro impulso: por não estar contaminada pela ideologia fascista, parecia servir-lhe como uma espécie de resistência.8

 


Figura 1. Retrato de Primo Levi em 1960, de autoria desconhecida (fonte: Wikimedia Commons)12

 

Embora as leis de segregação racial, promulgadas em 1938, privassem os judeus de muitos direitos, Primo Levi cursou Química na Universidade de Turim, graduando-se em 1941 com honras e destaque. Apesar das homenagens, seu diploma summa cum laude trazia a inscrição "de raça judia" - o que era tido como um estigma, naquele contexto.11 Após graduar-se, o jovem químico trabalhou numa mina de amianto próxima a Turim e, depois, numa indústria farmacêutica em Milão.10

Em 1943, Levi foi levado ao campo de concentração de Fòssoli, na Itália, e depois transferido para Auschwitz. Lá, sobreviveu por onze meses,13 graças a uma confluência de acontecimentos, especialmente, a coincidência de Levi possuir sólida formação química e de os alemães, então, precisarem do trabalho dos prisioneiros. Segundo ele próprio:

"Sobrevivi graças à combinação de acasos raros: nunca fiquei doente, recebi comida de um operário italiano 'livre', nos últimos meses pude me prevalecer de minha qualidade de químico e trabalhar num laboratório da fábrica imensa, em vez de ficar na lama e na neve."14

Portanto, em Auschwitz, a formação como químico permitiu que Primo Levi usufruísse (ainda que dentro de limitadas condições) de privilégios, como passar o dia num local fechado, protegido do frio e do trabalho pesado que seu corpo desnutrido não suportaria. Naquelas condições extremas, roubava vidrarias e outros objetos a que tinha acesso, para revender a outros prisioneiros, participando do curioso mercado clandestino que movimentava o Lager.15 Além disso, em seus textos, ele narra tentativas desesperadas e engenhosas de complementar sua nutrição com compostos químicos (e seus produtos de reação) presentes no laboratório.

De volta à Itália, Levi retomou a profissão de químico e, após poucos meses em Turim, começou a escrever sobre a experiência em Auschwitz.10 Disso resultou o livro É isto um homem?, e, daí em diante, a escrita se faria cada vez mais presente em sua vida. No lugar de considerar que vivia uma vida dupla, Primo Levi enfatizava a natureza miscível de seus ofícios - como já dissemos, apresentando-se como um centauro, um híbrido, uma vez que era químico e escritor.16

Dedicou-se ao ofício na SIVA, uma fábrica de tintas e vernizes, onde rapidamente se tornou diretor do laboratório, estando empregado até 1975, quando se aposentou, aos 56 anos.11 Conforme aumentava sua aclamação como literato, ampliava-se a participação de Levi como redator de textos em jornais, publicando narrativas e ensaios que, posteriormente, seriam reunidos em novos livros. O italiano obteve reconhecimento ainda em vida, recebendo diversos prêmios; por exemplo, a obra de divulgação científica A tabela periódica foi considerada pela Royal Institution of Great Britain como "O melhor livro de ciência já escrito em todos os tempos."17

Primo Levi faleceu aos 67 anos, em 1987, na mesma casa onde nasceu e viveu por toda a vida, ao cair do terceiro andar no vão da escada, supostamente, cometendo suicídio.

A criação literária de Primo Levi totaliza, atualmente, cerca de duas dezenas de livros. Na Tabela 1, elencamos informações sobre as obras em que a química recebe maior destaque, considerando as traduções em português.

 

 

Dentre as obras da Tabela 1, aquela em que a química é posta em maior evidência, em termos de forma e conteúdo, é a já citada A tabela periódica, escrita entre 1973 e 1975. O livro divide-se em 21 capítulos (que podem ser considerados como contos relativamente independentes, no plano geral da obra, geralmente com teor autobiográfico) cujos títulos provêm de diferentes elementos químicos: argônio, hidrogênio, zinco, ferro, potássio, níquel, chumbo, mercúrio, fósforo, ouro, cério, cromo, enxofre, titânio, arsênio, nitrogênio, estanho, urânio, prata, vanádio e carbono. Assim, em cada capítulo, existe uma relação direta entre um dado elemento da tabela periódica de Mendeleiev (Figura 2) e a história narrada. Mais precisamente, A tabela periódica traz a química e o trabalho do químico como temas articuladores. Malewtiz20 interpreta que:

"(.) a decisão de Levi de intitular seu trabalho Il sistema periodico ('O sistema periódico') em vez do mais literal (.) La tavola periodica parece sugerir que a química é uma ciência humanista e que o comportamento da matéria foi totalmente resolvido em um conjunto de leis abstratas."

 


Figura 2. No esqueleto da tabela periódica, destaque para os 21 elementos que nomeiam os capítulos de "A tabela periódica", de Primo Levi

 

Na próxima seção, voltaremos a tratar desse livro, e de outros, de Primo Levi. Por ora, cabe a reflexão: se, na história da literatura, há diversos escritores que também foram cientistas e obras que tematizam a ciência, em que sentido esse químico e escritor se distingue de seus congêneres?

Na busca por respostas, a relação que Levi fixa entre ciência e literatura se tornou objeto de vários estudos - ou, ao menos, costuma ser salientada pelos perscrutadores de seus escritos.

Baumgarten,21 entendendo ciência e arte como discursos, considera que, em Primo Levi, eles estão "sutilmente entrelaçados, iluminados reciprocamente - a tal ponto que é difícil distinguir qual é o teor e qual o veículo do discurso metafórico que emerge de sua conversa." Schehr,22 por sua vez, afirma que Levi propõe um discurso triplo, simultaneamente, científico, literário e político; nenhum desses discursos, isoladamente, poderia explicar o contexto do pós-guerra, daí a proposta dessa forma de expressão complexa e compósita. Além de tais hibridismos discursivos, a literatura de Primo Levi veicula, também, preocupações com o impacto social da ciência e da tecnologia.23

Em termos de filiação intelectual, o químico e escritor é associado a movimentos como humanismo e iluminismo,24 refletindo sua busca por princípios universais contra o racismo e a segregação nazista.20 Nesse sentido, Druker24 explica que ele manifesta fé no homem (e não em Deus), na razão, e, sobretudo, "na capacidade da mente humana de entender o mundo material" (p. 5, tradução nossa).

Patruno25 explica que "Como escritor, como homem de ciência, cuja inclinação é observar e analisar", Primo Levi "pode olhar e apresentar a provação de Auschwitz como algo a partir do qual há uma lição a ser aprendida" (p. 159, tradução nossa). Se ele acreditava, de fato, haver uma lição advinda de Auschwitz, não podemos afirmar. Mas concordamos que, na sua produção textual, há características de um observador afeito à investigação científica, tomada não como apêndice ou adorno, mas como meio pelo qual sua escrita era tecida. Motola26 destaca que Levi, assim, "não estava reduzindo o ato de escrever ao de uma fórmula científica ou matemática", pelo contrário, "estava equiparando o ato de escrever - para ele, substantivo e sólido - ao de uma descoberta científica que resulta na apreensão do universal" (p. 210, tradução nossa). Para Åhr,27 Levi se esforça em "ser retórico e transparente", conforme "uma técnica aperfeiçoada pela ciência" (p. 350). Maciera18,19 concorda: técnica e ciência não apenas estão presentes nos escritos de Primo Levi, mas são, em verdade, uma chave para interpretá-los. Como o próprio Levi14 admitia, "escrevo porque sou químico. Minha profissão me serve para comunicar experiências" (p. 175).

Durante quarenta anos, Primo Levi atuou profissionalmente como químico, principalmente de vernizes. Apesar de não ser um acadêmico, pesquisava para o fabrico e desenvolveu e patenteou dois produtos para a SIVA,10 sendo justo considerar que Levi exercia uma atividade de pesquisa, que o mantinha em contato com o fazer científico. Também como reflexo disso a linguagem do cientista faz parte de sua literatura, o que é indicado pelo modo - inusual em textos literários - como o autor escrevia e escolhia as palavras, conforme Motola:26

"A ordem regular sujeito-verbo-objeto das sentenças, bem como a ausência de modificadores (classe de palavras, como advérbios, que modificam um verbo, adjetivo ou outro advérbio) indica um estilo tão despido, tão desprovido de dispositivos literários e semânticos comuns, que sugere a maneira desapegada do cientista. O efeito no leitor, no entanto, é uma evocação de emoção, compaixão e repulsa, em proporção quase inversa à prosa contida e silenciosa" (p. 204, tradução nossa).

Ainda tratando do léxico, levanta-se que palavras relacionadas à formação química aparecem mais de mil vezes nos escritos de Levi,28 sendo que a ocorrência da palavra específica "química" é de cerca de trezentas vezes.19,29 Mas os elos entre química e literatura, em sua obra, não se resumem a uma questão meramente vocabular. Nesses escritos, a química é o alicerce, o que embasa o seu modo de escrever, pautado em pressupostos e técnicas também presentes na ciência.19

Pensando nessa relação particular que Levi estabelece entre química e literatura, a seguir, analisamos elementos da filosofia da química presentes em temas de suas obras.

O sentido da química para Primo Levi

Buscando lançar luz sobre temas pouco mencionados nos estudos revisados na seção anterior, dedicamos esta seção à análise do sentido que a química parece assumir na vida e na obra de Levi. Assim, e considerando as obras da Tabela 1 (com destaque para A tabela periódica), identificamos três categorias que, por sua recorrência na caracterização da química por Levi, merecem ser focalizadas: o trabalho químico experimental, a relação do homem com a matéria e a química como ofício.

Alertamos que tal divisão não é orgânica (visto que os três temas constantemente se imbricam e se retroalimentam na prosa de Primo Levi), mas colabora para maior clareza expositiva. Para cada uma dessas categorias, faremos associações entre excertos de Levi e temas de estudo da filosofia da química, orientando-nos, principalmente, por algumas sínteses da literatura dessa área, produzidas por autores brasileiros.30,31

O trabalho químico experimental

A dimensão experimental é uma das facetas mais imediatamente associáveis ao trabalho químico. Mas a experimentação não é apenas uma prática, e sim uma práxis, uma relação teórico-prática. Afinal, o investigador químico, atuando sobre a matéria, guia-se por uma hipótese, por mais rudimentar que ela seja; não fosse assim, a experimentação resumir-se-ia a um tateio. Como diz Sánchez Vázquez32 - e inversamente do que crê o senso comum - a práxis experimental tem a teoria como fim imediato; para o autor, "Leva-se a cabo o experimento para provar uma teoria ou determinados aspectos dela. (.) Um determinado experimento (.) pode ter consequências práticas, mas não diretamente, e sim por meio da teoria que busca comprovar" (p. 232).

Em "Hidrogênio", capítulo de A tabela periódica,11 Primo Levi narra peripécias químicas de dois adolescentes - ele mesmo e seu amigo Enrico - no improvisado laboratório que já mencionamos neste artigo. Especificamente, o texto conta a aventura resultante de uma montagem simples, a eletrólise da água, com um resultado espantoso (ao menos para o narrador do conto):

"Ergui com cuidado o vidro do catodo e, mantendo-o emborcado, acendi um fósforo e o aproximei. Deu-se uma explosão, pequena mas seca e irada, e o vidro se estilhaçou (por sorte, tinha-o à altura do peito, não mais acima) e me restou na mão, como um símbolo sarcástico, o círculo do fundo.

Fomos embora, comentando o acontecido. A mim tremiam-me um pouco as pernas; sentia medo retrospectivo e, ao mesmo tempo, um orgulho tolo por haver confirmado uma hipótese e por haver desencadeado uma força da natureza. Então, era mesmo hidrogênio: o mesmo que queima no sol e nas estrelas e de cuja condensação, em eterno silêncio, se formam os universos" (p. 33).

Além de espaço para aventuras clandestinas no território da ciência e para singelos testes de teorias, o laboratório assume, para o Primo Levi já graduado, um status mais solene. Isso, por duas razões.

Primeiramente, porque o laboratório é povoado de objetos tão particulares, tão específicos, que precisam receber nomes próprios. Melhor dizendo, os instrumentos da práxis experimental, em sua singularidade, acabam mesmo por materializar uma parte da história da química: ao passo em que se convertem como que em extensões corporais dos químicos de hoje, permanecem rendendo tributo aos químicos do passado. Nas palavras de Levi, num texto publicado na antologia O ofício alheio,33 "a química não nasceu já pronta como Minerva, e sim laboriosamente, através de experimentos e erros pacientes, mas cegos, de três gerações de químicos que falavam línguas diversas e que frequentemente se comunicavam entre si por cartas (.)" (p. 133). Quanto à história materializada nas vidrarias, ainda em O ofício alheio,33 Levi faz questão de recuperá-la:

"(.) os manuais de minha profissão precedente abundam de nomes já próprios e agora comuns, ou usados como comuns: o kipp, o bunsen, o buchner, o soxhlet, objetos engenhosos nascidos nos laboratórios químicos do século passado, que gozam da honrosa semiternidade que foi negada aos seus inventores. Quem ainda se recorda do professor Soxhlet, químico, médico e filósofo morávio? Já virou pó há mais de meio século, mas o genial extrator idealizado por ele (o soxhlet) trabalha ainda hoje em todos os laboratórios, com aquele seu ritmo lento, intermitente e silencioso que o torna semelhante a um órgão do nosso corpo" (p. 173).

A segunda razão que faz do laboratório um ambiente mais austero, em comparação com o caráter lúdico que ele assumia nas experimentações clandestinas de Levi adolescente, é sua dimensão ritualística. Também em O ofício alheio,33 o texto "O sinal do químico" traça esse paralelo entre iniciação à ciência, em seu espaço específico, e admissão numa espécie de ordem:

"Na verdade, o ingresso no laboratório tinha em si algo de ritual iniciático. Havia os aventais brancos, para rapazes e moças: apenas alguns heréticos, ou desejosos de parecer assim, usavam-nos cinzas ou pretos. Havia a espátula de bolso, insígnia da corporação. Havia a cerimônia de entrega dos objetos de vidro: frágil, sagrada porque frágil, e 'se você quebrar, vai pagar'; pela primeira vez na carreira estudantil, ou mesmo na vida, você respondia por algo que não era seu, que lhe era solenemente afiançado (com recibo assinado)" (p. 220).

Além desses aspectos, nota-se o envolvimento afetivo de Levi com a prática experimental, cujas descrições humanizam os conteúdos científicos, como seu relato sobre a destilação, no capítulo "Potássio", de A tabela periódica:11

"Destilar é bonito, antes de tudo, porque é um ofício lento, filosófico e silencioso, que te mantém ocupado mas deixa tempo para pensar noutras coisas, um pouco como andar de bicicleta. Mais ainda, porque comporta uma metamorfose: de líquido a vapor (invisível), e deste novamente a líquido; mas neste caminho duplo, para cima e para baixo, atinge-se a pureza, condição ambígua e fascinante, que parte da química e vai muito longe" (p. 62).

O debate sobre a experimentação contribui para um dos temas centrais da filosofia da química, que é o reducionismo, isto é, a (im)possibilidade de a química se reduzir à física, apresentando-se como um campo específico desta.30 Na defesa da irredutibilidade da química, alguns dos autores citados por Lemes e Porto (como Lazlo e Schummer)30 apresentam os seguintes argumentos: o trabalho experimental mesclado com o teórico é uma especificidade dessa ciência; na química, o experimento químico volta-se primordialmente para a síntese e a análise, e não ao escrutínio de teorias, como na física; além disso, ao isolar e identificar objetos, a química também produz novos objetos.

Curiosamente, há um exemplo que consta tanto na obra de Levi quanto no bojo de uma dessas discussões sobre a experimentação e a natureza e a especificidade da química, envolvendo a sacarose. No capítulo "Arsênio", em A tabela periódica,11 Levi relata uma situação em que precisou analisar uma amostra de açúcar para verificar se havia nela algum tipo de contaminação, como suspeitava quem o contratava, um homem idoso:

"(.) dada a anamnese, ou seja, as suspeitas do velhinho, seria imprudente consumir aquele açúcar assim às cegas, e mesmo apenas prová-lo. Dissolvi um pouco em água destilada: a solução ficou turva, certamente alguma coisa não estava bem. Pesei um grama de açúcar no cadinho de platina (nossa menina dos olhos) para incinerá-lo: subiu no ar poluído do laboratório o cheiro doméstico e infantil do açúcar queimado, mas logo depois a chama se fez lívida e se percebeu um odor bem diferente, metálico, aliáceo, inorgânico, ou antes contra-orgânico: pobre do químico que não tivesse nariz" (p.168-169).

Cerruti,34 também tomando o caso do açúcar, menciona os cuidados necessários na análise química, e como esse tipo de prática é diferente da dos físicos. Lemes e Porto30 discorrem sobre como esse exemplo contribui para o entendimento de questões da filosofia da química:

"(...) tendo uma amostra de sacarose, o químico pode dar uma colher dessa substância e algumas regras de uso adequado (por exemplo, utilizar em alimentos ou em uma fermentação) para um colega. Com isso, amostras de substâncias podem ser transferidas de um laboratório para outro. No entanto, físicos de alta energia (os que trabalham com partículas de alta energia e núcleos de átomos), trabalham, por exemplo, com decaimentos do méson J/psi, e assim, não conseguem dar uma 'colher' (.) desse fenômeno para outro laboratório. Com isso, Cerruti conclui que a diferença da química para a física é que a física tem o objetivo de criar fenômenos, enquanto a química tem como objetivo produzir substâncias. Na química, os reagentes são os principais instrumentos de separação e purificação, para operar no nível macroscópico. Mas, para completar tal operação, os químicos necessitam do auxílio de solventes, que criam, ou modificam, as condições experimentais; e de indicadores, que permitem fazer medições" (p. 131).

Ainda sobre o tema da experimentação, Lemes e Porto30 destacam que não há consenso sobre se a química "se centraliza na experimentação; se na manipulação de entidades teóricas ou de substâncias químicas; se os químicos devem ser realistas ou não; ou se a química é ou não redutível à física" (p. 134). De toda forma, é notável como a prosa de Primo Levi, principalmente em seus momentos mais autobiográficos, destaca o papel da experimentação - e a partir de uma visão nada ingênua (e, portanto, afeita ao universo intelectual da filosofia da química), por provir de um escritor que exerceu por décadas o ofício químico - na relação que o homem trava com a matéria, nosso próximo tema.

A relação com a matéria

Na subseção anterior, foi mencionado que, para Levi, o ingresso no laboratório ainda preservava algo de seita, de iniciação, de hermetismo, talvez como um resquício do passado alquímico.

Um dos intelectuais que propôs discussões pioneiras no campo da filosofia da química, Gaston Bachelard (1884-1962), em sua tentativa de "psicanalisar" o conhecimento, tangencia esse assunto.35 Mais especificamente, a questão sobre a qual o pensador francês se debruça é a persistência do pensamento alquímico ao longo dos séculos, inclusive até o século XX. Nas palavras de Bachelard,35 "é surpreendente que doutrinas tão fúteis consigam ter uma história tão longa, continuem a se propagar, mesmo com o desenrolar do progresso científico, até os dias de hoje" (p. 58). A resposta a esse mistério estaria não propriamente nos fatos objetivos, mas em condições psicológicas, e o que distingue o alquimista do químico, então, seria uma diferença de mentalidade, de visão de mundo. Para Bachelard, o pensamento alquímico radica em simbolismos inconscientes - daí a dificuldade do espírito científico em agir contra tendências psicológicas não perceptivas e, eventualmente, retroceder para um estágio pré-científico.

Dessa forma, assim como os ferreiros e alquimistas mantinham uma concepção mágico-vitalista sobre a matéria,36 é comum que os químicos, ainda que operando sob a égide de uma filosofia materialista, se deparem com resistências, por parte das substâncias, que parecem dotá-las de uma espécie de rebeldia - como explica Levi no texto "O escritor não escritor", presente na coletânea A assimetria e a vida:14

"Porque, para quem trabalha, a matéria é viva: mãe e inimiga, indolente e aliada, burra, inerte, perigosa às vezes, mas viva como bem sabiam os fundadores que trabalhavam sozinhos, sem reconhecimento e sem apoios, com a razão e a fantasia. Alquimistas já não somos; mas qualquer um que tenha lidado com a matéria sabe dessas coisas. Por que então não criar um drama37 em que os personagens sejam os elementos de que a matéria é composta? Os jovens me escrevem: 'Se a química fosse como o senhor conta, eu viraria químico'. É um dos cumprimentos de que mais gosto" (p. 173).

Essa relação conflituosa, que opõe espírito e matéria, ou o ideal e o material - mas, afinal, trata-se de uma falsa dicotomia, dado que o cérebro, órgão do pensamento, é também matéria -, é um dos temas recorrentes nas obras de Levi. Por exemplo, veja-se o seguinte excerto de "Ferro", de A tabela periódica,11 tratando da principal atividade dos laboratórios didáticos de análises qualitativas, a marcha analítica:

"Havia elementos fáceis e francos, incapazes de se esconderem, como o ferro e o cobre; outros, insidiosos e fugidios, como o bismuto e o cádmio. Havia um método, um esquema refletido e antigo de pesquisa sistemática, uma espécie de pente e de rolo compressor a que nada (em teoria) podia escapar, mas eu preferia inventar de cada vez meu caminho, com rápidas e extemporâneas incursões de guerra de movimento em lugar da rotina extenuante da guerra de posição: sublimar o mercúrio em pequenas gotas, transformar o sódio em cloreto e reconhecê-lo em fragmentos cristalizados sob o microscópio. De um modo ou de outro, aqui a relação com a Matéria mudava, tornava-se dialética: tratava-se de uma luta de esgrima, uma luta a dois. Dois adversários desiguais: por uma parte, a interrogar, o químico implume, inerme, com o livro de texto de Autenrieth como único aliado (.); por outra, a responder por enigmas, a Matéria, com sua passividade dissimulada, velha como o Todo e portentosamente rica de enganos, solene e sutil como a Esfinge. Começava então a soletrar o alemão, e me encantava o termo Urstoff (que significa "Elemento": literalmente, "substância primigênia"), assim como o prefixo Ur que aí aparece e que expressa justamente origem antiga, distância remota no espaço e no tempo" (p. 44).

A matéria também é vista pelo escritor como motivação para o estudo da química e como aliada, revelando seu caráter ambivalente. Ao mesmo tempo, indica-se a centralidade da ciência química para Levi - como mostram outras passagens do mesmo capítulo citado acima:11

"(.) a nobreza do Homem, adquirida em cem séculos de tentativas e erros, consistia em tornar-se Senhor da matéria, e (.) eu me matriculara em Química porque queria manter-me fiel a esta nobreza. (.) vencer a matéria é compreendê-la e compreender a matéria é necessário para compreender o universo e a nós mesmos (.)" (p. 47).

No mesmo livro, o capítulo seguinte, "Potássio",11 traz considerações afins, em meio a um subtexto político:

"A química, para mim, deixara de sê-lo [deixara de ser fontes de certeza, como conclui o parágrafo anterior]. Conduzia ao coração da Matéria, e a Matéria nos era aliada justamente porque o Espírito, caro ao fascismo, nos era hostil; mas, chegado ao quarto ano de Química Pura, não podia mais ignorar que a própria química, ou pelo menos a que nos era ministrada, não respondia às minhas perguntas" (p. 57).

Há outros textos de Primo Levi em que a matéria é tomada não apenas como indomável, mas inesgotável, no sentido de que o exercício profissional do químico o leva, constantemente, a se deparar com novos fenômenos e princípios - "princípios químicos", mas também, "princípios éticos". Por exemplo, O ofício alheio33 traz o texto "A força do âmbar", em que Levi relata duas situações profissionais envolvendo o perigo iminente de uma explosão de grandes proporções. O princípio químico, que soa como novidade para o escritor enquanto personagem de seu próprio texto, é a noção de que a eletricidade estática pode se manifestar não apenas a partir do atrito de materiais sólidos, mas também envolvendo líquidos. Diante da "ascensão espontânea de uma substância", que parecia "mágica e misteriosa", ele encontra "a explicação num texto especializado: realmente, alguns líquidos, entre eles os hidrocarbonetos muito puros, se eletrificam caso fluam em dutos a velocidades superiores a certos limites" (p. 156).

Já os relatos focados na estadia forçada em Auschwitz são aqueles que explicitam a emergência de princípios éticos - ou, pelo menos, a relativização de uma ética tradicional, de origem judaico-cristã - a partir da relação do homem com a matéria. Assim, quando Levi abraça a oportunidade de trabalhar no laboratório do complexo (como já dissemos, passando a praticar furtos de instrumentos para vendê-los no mercado clandestino do campo e, às escondidas, criar "receitas" para prover seu corpo com as calorias de que necessitava, já que não eram suficientes na sua parca ração diária), seu ofício químico, de atividade vital, se converte em atividade de sobrevivência. A fome, como escreve no capítulo "Cério" de A tabela periódica,11 era uma companheira constante, e a "ética da privação" o autorizava a roubar e a valer-se de seu saber científico teórico-prático para resistir à desumanização:

"Sob o aspecto, precisamente, das substâncias que se podiam roubar proveitosamente, aquele laboratório era terreno virgem, todo por explorar. Havia benzina e álcool, presas banais e incômodas: muitos os roubavam em vários pontos das oficinas, a oferta era alta e alto também o risco, porque para os líquidos é preciso recipiente. (.) Roubara algumas centenas de gramas de ácidos graxos, trabalhosamente obtidos por oxidação da parafina por algum colega meu do outro lado da barricada: comera a metade deles, e verdadeiramente saciavam a fome mas tinham um sabor tão desagradável que renunciei a vender o resto. Tentara fazer frituras com algodão hidrófilo, que apertava contra a chapa de um pequeno forno elétrico; possuíam um vago sabor de açúcar queimado, mas se apresentavam tão mal que não as considerei comerciáveis (.). Também me esforcei por ingerir e digerir a glicerina, baseando-me no raciocínio simplista de que, sendo esta um produto da cisão dos graxos, deve ser metabolizada e fornecer calorias de algum modo; e talvez fornecesse, mas à custa de desagradáveis efeitos secundários" (p. 140-141).

Esse relato de A tabela periódica é, assim, eloquente demonstração de como o conhecimento científico - produto do trabalho coletivo ao longo da história -, de potência espiritual, pode se transformar em potência material libertadora. Quanto a isso, caberia refletirmos sobre a constatação de Konder,38 de que é característico dos regimes autoritários a perseguição e a censura aos intelectuais, dada a potência libertadora e revolucionária do conhecimento.

Pelos extratos apresentados acima, podemos afirmar que, para Levi, a química é, simplesmente, a ciência cujo objeto de estudo é a matéria. Labarca, Bejarano e Eichler31 apontam esta como uma das possíveis definições da química. Já Lemes e Porto30 recuperam de outro filósofo da química, Eric Scerri, discussões sobre a matéria que contribuiriam para o debate envolvendo o reducionismo: "Scerri defendeu a não redução epistemológica da química, pois as teorias físicas baseiam suas previsões em modelos matemáticos, enquanto a química se baseia em classificações relacionadas a qualidades da matéria (por exemplo: cor, cheiro, textura etc.)" (p. 131). Assim, tanto na literatura de Primo Levi, quanto nas discussões filosóficas, a matéria emerge como categoria central para a química, enquanto ciência e ofício.

Um químico brasileiro que recentemente nos deixou, Aécio Pereira Chagas (1940-2022), também num texto de cunho histórico-filosófico,39 reconhece a centralidade dessa categoria para os químicos - a quem chama de "modificadores da matéria por excelência". Chagas ficou conhecido por propagar, em escritos e palestras, uma definição de química que supera a clássica e lacônica conceituação de "ciência da matéria e de suas transformações", e que vale a pena ser transcrita, abaixo, segundo o texto ora mencionado:39

"A química pode ser conceituada como a atividade do químico. É tudo aquilo que o químico faz e como ele faz. A atividade do químico apresenta dois aspectos: um aspecto prático, de modificar a matéria de uma certa maneira, e um aspecto teórico, de pensar sobre a matéria e suas modificações em termos de átomos e moléculas, ou seja, da teoria molecular. A atividade do químico é sempre uma interação entre esses dois aspectos complementares, interdependentes, dialéticos: o fazer e o pensar, a prática e a teori" (p. 18, grifos do autor).

Portanto, a definição de Chagas relaciona a química a uma práxis, tratando-a, explicitamente, como atividade, ou seja, uma forma de trabalho. Na próxima subseção, veremos que, em Primo Levi, a química enquanto ofício é outro tema de suma importância.

A química como ofício

Diversos textos de Levi focam na relação de seu ofício e a matéria, articulando os temas que exploramos nas duas subseções anteriores. Aliás, é sintomático que, como um dos pais da química moderna, o químico e escritor cite não os previsíveis nomes de Robert Boyle (1627-1691) ou de Antonoie Lavoisier (1743-1794), e sim Justus von Liebig (1803-1873), "um pioneiro em todos os campos da química pura e aplicada" (p. 173),33 explicitando a importância que essa ciência assume no mundo do trabalho e da indústria. A própria nomeação dos capítulos de A tabela periódica demonstra, eloquentemente, o quanto a química de Primo Levi é contígua à atividade produtiva, industrial. Como mostrado na Figura 2, que expõe diagramaticamente quais são os elementos que intitulam os capítulos do livro, nota-se a presença de metais amplamente utilizados na indústria (como ferro, níquel, zinco e chumbo), chamando a atenção a inexistência de elementos transurânicos, de interesse mais teórico do que prático.

Abaixo, alguns excertos, de variadas obras de Levi, aludem a esse tema:

"Ora, as coisas que eu vi, experimentei e fiz em minha vivência anterior (como químico) são hoje, para mim como escritor, uma fonte preciosa de matéria-prima, de acontecimentos a ser contados, e não apenas acontecimentos: também de emoções fundamentais que surgem ao misturar-se com a matéria (que é um juiz imparcial, impassível, mas duríssimo: se você erra, ela o pune sem piedade), a vitória, a derrota. Esta última é uma experiência dolorosa mas saudável, sem a qual não nos tornamos adultos e responsáveis. Acho que cada colega químico que tenho poderá confirmar: aprende-se mais dos próprios erros que dos próprios êxitos. Por exemplo: formular uma hipótese explicativa, acreditar nela, apaixonar-se por ela, controlá-la (ah, a tentação de falsificar os dados, de dar-lhes um empurrãozinho) e por fim verificar que está errada é um ciclo que na profissão do químico se encontra com muita frequência 'no estado puro' (.)" (p. 12).33

"É o espírito que domina a matéria, não é verdade? (...) Lancei-me ao trabalho com o mesmo ânimo com o qual, num tempo não muito distante, escalávamos uma rocha; e o adversário era sempre e ainda o mesmo, o não-eu (...), a matéria estúpida, inertemente inimiga, assim como inimiga é a estupidez humana, e tão poderosa quanto essa última em sua obtusidade passiva. Nosso ofício é conduzir e vencer essa batalha interminável (...)" (p. 154).11

"Há quem diga que a vida começa aos quarenta anos: pois bem, para mim começaria, ou recomeçaria, aos cinquenta e cinco. De resto, ninguém garante que ter vivido mais de trinta anos no ofício de emendar longas moléculas presumivelmente úteis ao próximo, e no ofício paralelo de convencer o próximo de que minhas moléculas lhe eram efetivamente úteis, não ensine nada sobre o modo de emendar palavras e ideias juntas ou sobre as propriedades gerais e específicas de seus colegas homens" (p. 163-164).40

Na contínua busca pela especificidade de seu ofício, isto é, o que o distinguiria de outras profissões igualmente dignas, Primo Levi esbarra na questão da "língua dos químicos", à qual dedica dois textos, que podem ser lidos também em O ofício alheio.33 No primeiro deles ("A língua dos químicos I"), é interessante como o autor tangencia a filosofia da química, especificamente, a questão ontológica41 relativa à incessante criação de novos entes químicos:

"Ainda que seu ofício seja mais recente que o dos teólogos, dos enólogos ou dos pescadores, também os químicos, desde suas origens, sentiram a necessidade de ter uma linguagem específica. Todavia, ao contrário das outras linguagens profissionais, a dos químicos teve de se adaptar a um serviço que acho que é único no panorama dos infinitos jargões especializados: tem de indicar com precisão, e possivelmente descrever, mais de um milhão de objetos distintos, já que são dessa magnitude (e crescem a cada ano) os compostos químicos desenterrados na natureza ou construídos por síntese" (p. 133).

Bachelard, em obra filosófica integralmente dedicada à química,42 também se debruça sobre essa questão, ressaltando o que seria o "empirismo ativo" de uma ciência focada menos em fatos e mais em efeitos. Nessa discussão, o pensador francês identifica uma especificidade da química, frente a outros campos do conhecimento sobre o mundo natural, que está intimamente relacionada à questão da atividade produtiva: "No mundo do químico, não se pode decerto dizer que tudo o que é possível existe naturalmente, mas se pode afirmar que tudo o que é possível pode ser fabricado" (p. 204).

Voltando à questão simbólica, Lazlo, citado por Lemes e Porto,30 afirma que "o químico utiliza uma linguagem icônica simples, para expressar conceitos complexos e explicar fenômenos ainda mais complexos" (p. 132). Ora, se os químicos possuem uma língua, está posta, na prosa de Primo Levi, a universalidade do conhecimento químico, isto, seu caráter objetivo e sua possibilidade de ser comunicável mesmo entre falantes de distintos idiomas maternos. Essa universalidade permeia uma das passagens de É isto um homem?, quando o narrador, cativo em Auschwitz, é entrevistado por um Doktor. A arguição tem o objetivo de testar o conhecimento químico de Levi, candidato à inesperada e fortuita vaga de trabalho que surge num dos laboratórios do complexo. Nesse teste, ele é perguntado sobre seu desempenho na graduação e sobre qual foi o tema de seu trabalho de conclusão de curso. Surpreendentemente, a resposta agrada ao entrevistador:13

"Algo me protege. Minhas pobres velhas 'medidas de constantes dielétricas' interessam particularmente a este loiro ariano de sólida existência; pergunta-me se falo inglês, mostra-me o livro de Gattermann - e isso também é absurdo, inverossímil, que aqui, aquém da cerca de arame farpado, existe um livro de Gatterman absolutamente idêntico ao livro no qual eu estudava na Itália, no quarto ano da faculdade, em minha casa" (p. 109).

Trata-se de um dos poucos momentos de humanização que Levi experimenta no campo. Pela primeira vez desde que ali aportara, era tratado como homem, por um alemão, que o chama por Sie (senhor), e não como um animal, como os soldados do Lager faziam para se referir aos judeus. É o diálogo sobre a química, mediado pela existência de um registro material dessa ciência (o livro didático, dando corpo a esse conhecimento e a essa linguagem específica), que cria a oportunidade de que duas pessoas, educadas diferentemente, falando línguas distintas e ocupando lugares diferentes numa hierarquia social arbitrária, superem - ainda que apenas por poucos instantes - o antagonismo. Novamente, eis o caráter libertador da química, na situação limítrofe do terror em Auschwitz.

Outros textos incidirão, pelo contrário, sobre o trabalho em sua forma alienadora e desumanizante. Em É isto um homem?,13 a chegada de Primo Levi a Auschwitz é marcada pelo primeiro contato do italiano com um lema que, naquele campo de extermínio, só poderia soar uma piada de péssimo gosto: "A viagem levou uns vinte minutos. O caminhão parou; via-se um grande portão e, em cima do portão, uma frase bem iluminada (cuja lembrança ainda hoje me atormenta nos sonhos): ARBEIT MACHT FREI - o trabalho liberta" (p. 20). Não tardaria a que Levi encontrasse, no aforismo de "boas vindas", seu conteúdo irônico, dado que o trabalho forçado, no cativeiro, tinha como finalidade não a libertação, mas a aniquilação do pouco de humanidade que, dia após dia, se esvaía de cada prisioneiro. Naquele mundo em que tudo parecia de ponta cabeça, sobreviver é resistir e, para isso, a dimensão moral precisa ser igualmente invertida ou relativizada - e eis a reflexão de Primo Levi sobre isso, em outro fragmento de É isto um homem?:13

"(.) o roubo na fábrica, punido pelas autoridades civis, é autorizado e incentivado pelos SS; o roubo no Campo, severamente reprimido pelos SS, é considerado pelos civis como operação normal de troca; o roubo entre Häftlinge (prisioneiros), em geral, é punido, mas a punição toca, com igual gravidade, tanto ao ladrão como à vítima. Desejaríamos, agora, convidar o leitor a meditar sobre o significado que podiam ter para nós, dentro do Campo, as velhas palavras 'bem' e 'mal', 'certo' e 'errado'. Que cada qual julgue, na base do quadro que retratamos e dos exemplos que relatamos, o quanto, de nosso mundo moral comum, poderia subsistir aquém dos arames farpados" (p. 87).

Não é difícil encontrar, nos parágrafos finais de cada texto de Levi, uma espécie de "moral", sendo perceptível a preocupação do autor em não redundar num "moralismo". Trata-se, isto sim, de uma moral refletida, ou, o que dá no mesmo, uma ética. E se a ética é um dos campos de estudo da filosofia, não admira que haja uma ética química sendo discutida no interior da filosofia da química, e cujas questões estão umbilicalmente relacionadas ao tema da química enquanto ofício. Afinal, sendo o químico um profissional que "pensa com as mãos",43 e estando a química tão mais próxima da indústria que outras ciências,44,45 é necessário refletir sobre os impactos (sobre ambiente e sociedade) decorrentes da incessante síntese de novas substâncias. Há textos de Primo Levi que parecem sensíveis a tais questões, por exemplo, "A força do âmbar", presente em O ofício alheio:33

"Nosso mundo se torna cada vez mais complicado, e cada um de nós se especializa em algo cada vez mais ínfimo e atual. Os ofícios perigosos são muitos, e a análise dos perigos (evidentes e ocultos) deveria constituir o guia de cada formação profissional. Nunca se conseguirá anular todos os riscos nem resolver todos os problemas, mas cada problema solucionado é uma vitória, em termos de vida humana, saúde e riquezas salvas.

A competência não tem substitutos (.). A boa vontade, a coragem, o espírito de sacrifício, inteligência extemporânea, não servem muito; ao contrário: na falta de competência, podem ser nocivos. Aos homens de boa vontade se prometeu a paz sobre a terra, mas, nas situações de emergência, pobres daqueles que se fiam nos socorristas que dispõem apenas de boa vontade" (p. 159).

Por fim, é importante destacar que, para Levi, ser químico e escritor levava ao compromisso ético de divulgar essa ciência, quase como uma atribuição profissional, e de contribuir para que o conhecimento científico fosse mais humanizado e presente na vida das pessoas. Veja-se o excerto abaixo, extraído da coletânea A assimetria e a vida:14

"Mesmo aquele ato de escrever contos era um escrever sobre 'coisas'. Mas eu me sentia em dívida para com meu ofício diário; acreditava que tinha desperdiçado uma oportunidade ao não falar da experiência de um trabalho que muitos acreditam ser árido, misterioso e suspeito. Acreditava ter descoberto certa parcialidade nos livros que lia. Era uma impressão que me pesava no estômago fazia tempo e sempre encontrava novas confirmações. Todos sabem que tipo de vida leva um corsário, um aventureiro, um médico, uma prostituta. Sobre nós, químicos, transmudadores de matéria, ofício de ilustre ascendência, não há muitas pistas, e me parecia justo "preencher uma lacuna". Assim nasceu O sistema periódico [A tabela periódica]" (p. 172-173).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, considerando a importância das relações entre ciência e arte, química e literatura, expusemos algumas palavras sobre a vida e a obra de Primo Levi, químico e escritor italiano que ganhou renome internacional após relatar, em seus livros, sua sobrevivência aos horrores de Auschwitz. Mas seus livros não se restringem à literatura de testemunho, podendo ser encontradas, em seu conteúdo, também reflexões sobre a química, de ponto de vista de quem a tomou como profissão por décadas. Assim, considerando a onipresença da química na escrita de Levi e o sentido que ela assume para o autor, identificamos três temas recorrentes, associados a essa ciência, e que podem ser aproximados de reflexões (mais ou menos contemporâneas) sobre a filosofia da química: a importância da experimentação para o químico, a relação do homem com a matéria e a química enquanto ofício.

Existem ainda outras aproximações que, por exiguidade de espaço, não foi possível abordar neste artigo. Por exemplo, uma das questões atualmente debatidas pela filosofia da química envolve a estereoisomeria, mais precisamente, a quiralidade, que é compreendida como um contra-argumento ao reducionismo (em resumo, porque a descrição mecânico-quântica de dois enantiômeros é idêntica, o que torna a física insuficiente para explicar moléculas com propriedades químicas dessemelhantes).46 Ora, Primo Levi, num texto tardio de 1984, intitulado "A assimetria e a vida" (e tão emblemático que veio a intitular a antologia em que foi recolhido),14 reflete sobre as bases moleculares do metabolismo e sobre o predomínio de aminoácidos como enantiômeros levógiros, incorrendo numa verdadeira filosofia química ao especular sobre a "causa eficiente" (na terminologia aristotélica que adota) de tal quebra de simetria. Infelizmente, não foi possível explorar o percurso intelectual que o químico e escritor elabora ao tratar desse tema tão particular, e tão instigante, da reflexão filosófica sobre a química.

À época em que Primo Levi faleceu, o negacionismo do holocausto já era uma realidade em diversos debates públicos, o que o tornava extremamente desgostoso e desconcertado. Hoje, a sociedade precisa lidar com outros negacionismos, inclusive no âmbito da ciência, e mesmo com o perigoso ressurgimento de ideias próximas àquelas que conduziram ao aprisionamento (e à aniquilação) de pessoas como o próprio Levi. A literatura desse químico e escritor, ao prover as novas gerações com um testemunho daquela tragédia, e também com reflexões profundas sobre a ciência e o fazer científico, surge como um imprescindível antídoto à negação do caráter libertador do conhecimento e do avanço da história - merecendo ser mais conhecida por químicos e não químicos.

 

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15. A palavra para "campo de concentração" em alemão é Konzentrationslager. Lager, portanto, é uma palavra usual que aparece em textos que tratam de Auschwitz, referindo-se ao local de aprisionamento.

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28. A contagem de palavras é do estudioso Gianlorenzo Marino e a informação consta em Primo Levi, de Marco Belpoliti, publicado em 2010 pela editora Mondadori de Milão.

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44. As possibilidades de cursos de graduação na área da química refletem essa proximidade: bacharelados em química com habilitação tecnológica (voltada para indústria), bacharelados em química industrial e engenharias químicas. Note-se que os primeiros cursos de engenharia física e de bioengenharia, no Brasil, não possuem muito mais do que duas décadas de existência, enquanto as graduações em engenharia química e química industrial são aproximadamente centenárias.

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