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2:05, qua nov 27

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Nota Técnica


Impressão 3d de separador magnético: uma abordagem acessível para o preparo de amostras no diagnóstico da COVID-19
3d printing of magnetic separator: an affordable approach to sample preparation in the COVID-19 diagnosis

Habdias A. Silva-NetoI; Gerson F. Duarte-JuniorI; Gabriela Silvério BazílioII; Juliana Alves Parente-RochaII; Diego B. ColugnatiII; Clayton L. BorgesII; Wendell K. T. ColtroI,III,*

I. Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás, 74690-900 Goiânia - GO, Brasil
II. Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Goiás, 74690-900 Goiânia - GO, Brasil
III. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioanalítica, 13084-971 Campinas - SP, Brasil

Recebido em: 28/07/2022
Aceito em: 21/11/2022

Endereço para correspondência

*e-mail: wendell@ufg.br

RESUMO

This report describes the fabrication of a low-cost magnetic separator holder combining 3D printing and compact neodymium blocks for allowing magnetic extraction and purification of RNA from samples collected by nasopharyngeal swab from patients infected by SARS-CoV-2. The device was designed to contain 24 entrances for plastic microtubes in an arrangement like a commercial device. The proof of concept of the proposed device was successfully demonstrated through the sample extraction and purification of swab samples collected from eight patients suspected of SARS-CoV-2 infection. The sample preparation protocol was performed using a commercial kit containing magnetic beads and different solutions. The performance of the printed device was compared to a commercial magnetic separator, usually employed in the golden standard techniques. The fabrication of the 3D printed magnetic separator was completed under optimized printing conditions within 6 h at cost of 4 USD per unit. The RNA extracted from samples using both devices was analyzed by reverse transcriptase quantitative polymerase chain reaction (RT-qPCR) and the achieved results have indicated no statistical different at confidence level of 95%. Based on the achievements, the use of 3D printing and neodymium blocks have demonstrated an alternative route to be used in routing analysis associated to COVID-19 diagnosis.

Palavras-chave: additive manufacturing; magnetic beads; nasopharyngeal swab; SARS-CoV-2.

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 impactou diversas áreas da sociedade incluindo a saúde, a economia, a política e a pesquisa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 6,22 milhões de pessoas faleceram em decorrência dos efeitos desse vírus.1 O cenário pandêmico no Brasil foi devastador. Ainda, segundo a OMS, mais de 663 mil pessoas tiveram suas vidas ceifadas em detrimento dos efeitos agudos e crônicos da COVID-19.1 Durante o início da pandemia no Brasil, por volta do primeiro trimestre de 2020, os hospitais tiveram, de uma maneira geral, problemas de falta de leitos preparados para o enfrentamento do surto viral. Dentre os principais problemas, cita-se a falta de infraestrutura básica de modo a acomodar e isolar pacientes infectados pelo vírus da COVID-19. Além disso, os hospitais e o sistema de saúde, em geral, foram afetados pela falta de equipamentos, insumos e mão de obra qualificada gerando, consequentemente uma superlotação dos leitos.2

Em resposta às dificuldades mencionadas acima, diversos setores vinculados à indústria e à academia juntaram esforços para adaptar processos de produção na tentativa de fabricar equipamentos de proteção individual (EPIs) e materiais de higiene pessoal tais como máscaras de proteção facial, respiradores, sanitizantes e álcool em gel, por exemplo. Outras estratégias foram colocadas em prática com o intuito de reduzir o quantitativo de infecções pela COVID-19 incluindo, principalmente, o distanciamento social, a conscientização da população acerca da gravidade do surto viral, bem como a aquisição de vacinas recomendadas pela OMS.3,4

Os esforços realizados por parte dos poderes privado e público foram de grande valia no enfrentamento da pandemia da COVID-19, os quais permitiram o desenvolvimento de dispositivos alternativos para auxiliar na prevenção e no tratamento dos pacientes infectados. Com destaque, pode-se citar as adaptações de maquinários industriais e insumos químicos para a produção em larga escala de protetores faciais, álcool em gel e respiradores.5,6 Entretanto, o aumento do número de casos de COVID-19 gerou uma demanda maior nos laboratórios de análises clínicas dedicados ao diagnóstico da doença incluindo não apenas os insumos necessários para os procedimentos estabelecidos mas também a falta de ferramentas ou dispositivos utilizados no preparo da amostra biológica coletada dos pacientes.

As principais técnicas utilizadas no diagnóstico molecular da COVID-19 são a RT-qPCR (do inglês, reverse transcriptase quantitative polymerase chain reaction)8 e a RT-LAMP (do inglês, loop-mediated isothermal amplification).9 Nas duas técnicas se faz necessário o preparo da amostra que envolve a extração do RNA do material coletado. Dentre os métodos de obtenção do material biológico, o uso do swab para coleta do fluido na região da nasofaringe é um dos mais utilizados. Tradicionalmente, o processo de extração de RNA é realizado combinando um kit comercial de extração que inclui (i) soluções químicas e (ii) partículas magnéticas funcionalizadas (beads), as quais são utilizadas conjuntamente com uma estante (também conhecido como rack) para promover a separação magnética.7 A Figura 1 apresenta uma representação do processo de atração magnética de beads em solução.

 


Figura 1. Ilustração do processo de remoção de nanopartículas dispersas em solução utilizando um separador magnético: (i) partículas magnéticas dispersas no seio da solução; (ii) partículas magnéticas sendo atraídas pelo ímã

 

Diante dos destaques associados ao enfrentamento da pandemia, diferentes técnicas emergentes de fabricação foram exploradas com sucesso na construção de equipamentos ou suportes alternativos. Um dos exemplos de sucesso inclui a tecnologia aditiva de impressão tridimensional (3D) devido ao baixo custo dos insumos, acessibilidade dos materiais e versatilidade operacional.10 Exemplos de aparatos produzidos com impressão 3D incluem desde EPIs, respiradores, dispositivos para testagem e habitações de emergência, por exemplo.6,10-12 Conforme apresentado acima, e até onde se tem conhecimento, os estudos relatados à técnica de impressão aditiva não exploram a fabricação de separador magnético utilizando insumos acessíveis e que tenham apelo para a etapa de preparo de amostras visando o diagnóstico molecular da COVID-19.

Neste cenário, o principal objetivo deste estudo visa à fabricação de um separador magnético via impressão 3D visando auxiliar à extração de RNA em fluidos biológicos. O dispositivo foi projetado combinando uma estante impressa e pastilhas magnéticas com um total de 24 entradas para microtubos. Como prova de conceito, o dispositivo foi combinado com o kit comercial para promover a extração de RNA das amostras coletadas com swab nasal. Neste estudo, um total de oito amostras coletadas de pacientes com suspeita de infecção por SARS-CoV-2 foram exploradas e analisadas via RT-qPCR. Com o intuito de validar o sistema proposto, os resultados obtidos com o separador magnético fabricado via impressão 3D foram comparados com os dados obtidos com um dispositivo comercial.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Reagentes e materiais

As partículas magnéticas utilizadas, também denominadas como beads, fazem parte do kit comercial de extração MagMAX®CORE Nucleic Acid Purification Kit (ThermoFisher, Waltham, MA, EUA). O filamento termoplástico ácido poli(lático) (PLA) de diâmetro 1,75 mm foi adquirido na 3Dfila (Belo Horizonte, MG, Brasil). As pastilhas magnéticas de neodímio (15 × 15 × 8 mm) foram adquiridas na Sulmag (Novo Hamburgo, RS, Brasil).

Fabricação do separador magnético

O separador magnético foi desenvolvido em três etapas. Na primeira etapa (i), o projeto do objeto 3D foi desenvolvido utilizando o software SolidWorks® e o modelo foi convertido no formato stl (disponível no Material Suplementar). Na sequência (ii), o software SlicerPrusa® foi utilizado para selecionar as condições de impressão, incluindo o preenchimento de 20%, o diâmetro interno do bico de 0,4 mm, a altura da camada de 0,35 mm, a velocidade de impressão em 60 mm s-1 e o tempo estimado para construção das duas peças igual a 6 h. Durante a segunda etapa, o objeto foi construído utilizando uma impressora 3D modelo i3 MK2 da Prusa Research (Praga, República Checa) e o material termoplástico de PLA de cor branca. Para impressão via modelagem por fusão e deposição (FDM)13 foram fixadas as temperaturas de 220 °C e 60 °C para o bico e mesa de impressão, respectivamente. Por fim, a terceira etapa (iii) foi realizada combinando o suporte impresso com as vinte e quatro pastilhas magnéticas de neodímio com o auxílio de cola epóxi (Araldite®, Tekbond). A ilustração do processo de fabricação bem como as dimensões do separador magnético estão apresentadas na Figura 2.

 


Figura 2. (A) Representação dos projetos do suporte 3D com impressão em modo vertical (I) e horizontal (II); (B) Representação do processo de montagem do suporte 3D para separação de partículas magnéticas: (i) encaixe das 24 pastilhas magnéticas ao suporte 3D; (ii) encaixe entre a parte superior (cor amarelo) contendo os ímãs com o suporte inferior (cor azul) contendo os 24 encaixes para microtubo plástico; (iii) imagem real do dispositivo com foco no alinhamento entre ímã e microtubo plástico

 

Procedimentos de coleta e preparo da amostra

As amostras de swab nasofaríngeo foram coletadas de oito pacientes com suspeitas de infeção por SARS-CoV-2. Cada material biológico foi preparado em 3 mL de solução salina (NaCl 0,9% m/v) e armazenado em tubos plásticos modelo Falcon® de 15 mL,7,14 os quais foram identificados numericamente de #1 a #8. As amostras coletadas foram fornecidas pelo LACES/UFG, que detém autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás.

O procedimento para extração de RNA das amostras de swab nasofaríngeo foi realizado de acordo com o protocolo mencionado pelo fabricante. As amostras foram transferidas para criotubos plásticos de 1,5 mL em 3 alíquotas para armazenamento à -80 ºC. Um criotubo foi centrifugado a 8.000 rpm durante 1 min. A solução de lise foi preparada (fornecida no kit) para cada amostra misturando-se 265 µL de tampão de lise com 5 µL de proteinase K em tubos identificados de 1,5 mL. Posteriormente, adicionou-se 100 µL da amostra do paciente ao tubo mencionado acima e agitou-se vigorosamente em vórtex por 1 minuto. As amostras foram então incubadas (sob temperatura ambiente durante 8 minutos) e misturadas com 275 µL de uma solução tampão de ligação (binding bead mix - 265 µL de solução de ligação e 10 µL de esferas magnéticas) em cada tubo. Agitou-se as amostras em vórtex por 6 minutos colocando-as na estante magnética por 2 minutos. Após o tempo decorrido acima, removeu-se o sobrenadante (evitando pipetar as beads - os ácidos nucléicos estarão ligados nas beads que permanecerão no microtubo). Em seguida, uma alíquota de 250 µL da solução de lavagem 1 (fornecida juntamente com o kit) foi adicionada em cada microtubo e realizada a agitação em vórtex por 1 minuto. Após a agitação, os frascos foram encaixados novamente na estante magnética por 2 minutos. A etapa mencionada acima foi repetida substituindo a solução de lavagem 1 pela solução de lavagem 2. O sobrenadante foi removido e o conteúdo final do microtubo foi exposto ao ar atmosférico durante 5 minutos (tampa do frasco aberta). Uma alíquota de 50 µL da solução de eluição (fornecida com o kit) foi adicionada ao frasco, o qual foi agitado em vórtex por 3 minutos. Os frascos foram encaixados na estante magnética por 3 minutos. Posteriormente, os ácidos nucléicos eluidos foram transferidos para um outro microtubo. É importante assegurar que a transferência esteja isenta de contaminação com material residual das beads.

Determinação dos ciclos de amplificação e estudo comparativo

A determinação do número de ciclos de amplificação8 foi realizada empregando-se um equipamento QuantStudio 5 Real-Time PCR e o kit TaqPath, ambos da ThermoFisher. Para cada amostra, utilizou-se uma alíquota de 3,75 µL de Mastermix (fornecida juntamente com o kit), que foi misturada com 0,75 µL das sondas específicas para SARS-CoV-2, bem como uma sonda para controle da RNAse P humana. Adicionalmente, acrescentou-se à mistura acima 5,5 µL de água tipo 1 e 5 µL do RNA extraído e purificado. Para o desenvolvimento do estudo comparativo, dois experimentos em paralelo foram empregados utilizando o preparo de amostras de swab via sistema proposto e o outro empregando um sistema comercial da ThermoFisher. Posteriormente, o número de ciclos de amplificação foi estimado em ambas as amostras preparadas e os resultados obtidos foram confrontados utilizando análise estatística ANOVA.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fabricação do suporte 3D

A técnica de impressão 3D vem se destacando nas comunidades científica e industrial devido à sua acessibilidade, modelagem gráfica e possibilidade de construção de diferentes protótipos.15-17 Por meio dessa técnica podem ser fabricados uma infinidade de dispositivos aplicados à eletrônica, engenharia e a medicina, por exemplo.10,11,17,18

Do ponto de vista da Química Analítica Instrumental, a tecnologia de impressão 3D vem sendo empregada para a construção de dispositivos vestíveis,19,20 sistemas para contagem de células,21 preparo de amostras22 e plataformas eletroanalíticas,18,23-25 por exemplo. Nesse novo estudo, um suporte para separação magnética foi construído com o intuito de tornar acessível a obtenção de um sistema para separação de partículas magnéticas que possam ser dedicados como parte importante no processo de extração de material genético em amostras biológicas coletadas de pacientes com suspeita de infecção pela COVID-19.

A técnica de fabricação empregada para a construção do suporte de separação magnética foi a de FDM, sendo utilizada a direção de impressão horizontal e um padrão de preenchimento cúbico. Conforme apresentado nos projetos I e II (Figura 2A), a escolha da direção horizontal como modo de impressão representou um ganho significativo na redução do tempo de fabricação da peça (~30%). Durante o processo de modelagem foi possível observar também que a utilização do teor de preenchimento em 20% proporcionou uma redução no tempo de construção da peça na ordem de 75%, quando comparado ao de 100%.

O PLA foi utilizado como filamento modelo para a construção da peça, visto que é uma opção de material termoplástico biodegradável.26 A espessura de 0,35 mm foi selecionada como altura ideal para depositar cada camada do filamento plástico. Essa espessura foi considerada a ideal para reduzir o tempo de fabricação. Da mesma forma, a velocidade de impressão de 60 mm s-1 possibilitou a construção das duas peças plásticas em, aproximadamente, 6 horas. Salienta-se que esta é a velocidade de impressão máxima da impressora utilizada neste estudo que proporcione fidelidade do processo de fabricação. Na primeira peça (Figura 2B, na cor azul), três orifícios laterais e outros 24 orifícios verticais foram incorporados ao projeto para melhorar o acesso manual e proporcionar o encaixe do microtubo plástico, respectivamente. Na segunda peça (na cor amarela), foram confeccionadas 24 entradas com uma leve inclinação de, aproximadamente, 15 º. Essa estratégia foi adotada para assegurar o alinhamento preciso das pastilhas magnéticas inseridas no suporte com os microtubos plásticos (conforme apresentado na Figura 2B, item iii). É importante destacar que o processo de fixação das 24 pastilhas ao suporte 3D foi realizado de uma forma alternada em virtude da atração magnética. Após a etapa de secagem da cola epóxi (2 horas), as outras 12 pastilhas magnéticas foram então adicionadas às cavidades plásticas remanescentes.

Considerando o sistema desenvolvido via impressão 3D, pode-se afirmar que o processo de fabricação é simples e os insumos consumidos, filamento e pastilhas magnéticas, são de fácil acesso, sendo considerado, portanto, uma rota alternativa e atrativa para solucionar as fortes demandas enfrentadas por laboratórios e hospitais durante a pandemia. Além disso, o protocolo de fabricação do dispositivo é rápido e apresenta baixo custo, uma vez que todas as peças 3D podem ser construídas em aproximadamente 6 horas com custo unitário estimado em US$ 4.

Desempenho do separador magnético e comparação com dispositivo comercial

É importante destacar que a combinação do separador magnético impresso com as barras magnéticas possibilita a separação simultânea de partículas magnéticas de até 24 amostras utilizando o dispositivo na geometria apresentada na Figura 2B. Quando comparado ao valor de um separador comercial (custo estimando por dispositivo US$ 400),27 o dispositivo proposto apresenta arquitetura similar, qualidade estrutural e o preço de custo bem mais acessível (100 vezes menor). Para investigar o desempenho de extração do material genético em fluidos biológicos, um estudo comparativo foi realizado preparando amostras coletadas com swab nasal utilizando tanto o dispositivo impresso quando uma estante comercial.

A representação esquemática do processo de atração magnética das partículas dentro dos microtubos pode ser visualizada na Figura 3. Partículas magnéticas, tais como as beads, são amplamente utilizadas em processos clínicos que envolvem a extração e purificação de proteínas e ácidos nucléicos em fluidos biológicos.28 As imagens reais dos microtubos capturadas antes e após o processo de extração e purificação de ácidos nucléicos são apresentadas na Figura 4A. Os resultados obtidos em ambos os experimentos de contagem de ciclos de amplificação estão apresentados na Figura 4B. Infelizmente, o valor de ciclos de amplificação na amostra #8 não foi estimado.

 


Figura 3. Representação esquemática do processo de atração magnética das partículas dentro dos microtubos

 

 


Figura 4. (A) Respectivas imagens reais do separador magnético comercial e do proposto nesse estudo, antes (i e ii) e após (iii e vi) processo de extração do ácido nucleico; (B) Resultados obtidos de ciclo de amplificação utilizando amostras preparadas em separador 3D (cor azul) e mediante preparo de amostra em aparato convencional (cor cinza); as barras de erro estão associadas aos experimentos em triplicata

 

Como apresentado na Figura 4, o número de ciclos de amplificação em amostras preparadas via dispositivo impresso variou de 17,53 a 36,83. Já os valores médios calculados a partir dos resultados obtidos na estante comercial variaram de 17,46 a 35,79. Considerando os resultados obtidos utilizando ambos os suportes, aplicou-se uma análise estatística ANOVA (p = 0,05) e os respectivos valores calculados para F e Fcrítico foram de 0,0038 e 4,7472. Considerando a análise estatística, pode-se afirmar que os resultados obtidos por ambos os suportes são estatisticamente similares. Baseando-se no desempenho observado, pode-se assegurar que o dispositivo magnético proposto pode ser combinado com o kit de extração em processos que envolvam o preparo de fluidos biológicos, tais como amostras coletadas a partir do swab nasal. O uso do dispositivo proposto não está limitado aos testes visando o diagnóstico da COVID-19, podendo ser explorado também para o diagnóstico molecular de outras doenças virais que necessitam de uma etapa de extração por meio do uso de partículas magnéticas.

Considerando os resultados apresentados na Figura 4B e as informações contidas no kit comercial, pode-se observar que o número de ciclos de amplificação para as amostras #4 e #7 apresentaram valores > 30, o que é um indicativo de ausência de infecção viral. Por outro lado, as respostas encontradas para o número de ciclos de amplificação nas amostras #1, #2, #3, #5 e #6 exibiram valores < 24, o que confirma a infecção dos pacientes para SARS-CoV-2.

Ressalta-se que vários grupos de pesquisa vêm utilizando o separador magnético comercial para diferentes aplicações, nas quais uma etapa de separação magnética se faz necessária. Heguy e colaboradores29 reportaram a presença de uma forte correlação entre o número de ciclos de amplificação e a infecção por COVID-19. De acordo com os autores, espera-se que o número de ciclos de amplificação para amostras de pacientes infectados por COVID-19 seja inferior a 24. De acordo com Kasteren e colaboradores,30 valores de ciclos de amplificação inferiores a 34 podem ser também considerados como indicativo de infecção pelo vírus. Sendo assim, é importante mencionar que os resultados obtidos em função do número de ciclos de amplificação que permitem diagnosticar a infecção pela COVID-19 podem variar dependendo do protocolo reportado no kit de extração.

Chaibun e colaboradores28 utilizaram nanopartículas, um separador magnético comercial e um método eletroquímico para realizar os processos de extração, purificação de ácidos nucléicos e detecção do vírus SARS-CoV-2 em amostras clínicas, respectivamente. Os autores confirmaram a presença de carga viral positiva em amostras coletadas em 41 pacientes. Ali e colaboradores31 propuseram uma combinação entre separador magnético comercial e o método RT-qPCR para realizar a extração e a amplificação simultânea de múltiplos vírus. O processo de preparo de amostra foi realizado utilizando soro humano como matriz biológica. Os ensaios clínicos realizados com o separador magnético demonstraram a presença de carga viral associada à imunodeficiência humana e às hepatites B e C. Em outro estudo, Luo e Alocilja32 demonstraram que também é possível empregar o separador magnético para auxiliar nas etapas de extração e purificação de bactérias do tipo E. Coli O157:H7 em amostras de bebidas.

Por fim, os resultados apresentados acima podem inferir que o separador magnético proposto neste trabalho tem potencial para ser utilizado em processos de extração de RNA, visto que ambos os valores apresentados para os ciclos de amplificação provenientes de amostras preparadas nos dispositivos impressos e no dispositivo comercial exibiram desempenho satisfatório. Vale ressaltar que, no auge da pandemia, era necessário esperar meses pela importação de dispositivos comerciais similares aos utilizados neste trabalho. Devido às restrições impostas pelas condições sanitárias, bem como o alto custo, os dispositivos comerciais são de difícil acesso, tornando o dispositivo proposto neste estudo interessante e atrativo para hospitais e laboratórios na etapa de preparo de amostras biológicas, principalmente em ocasiões pandêmicas e de escassez de materiais e insumos.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo foi introduzido um novo protocolo acessível e de baixo custo para a construção de um separador de partícula magnética. A construção do dispositivo foi possível mediante a simples combinação da técnica de impressão 3D com pastilhas magnéticas. O sistema de separação foi empregado com sucesso no preparado de amostras coletadas com swab nasal de pacientes com suspeita de infecção por COVID-19. A validação da instrumentação proposta foi realizada com sucesso mediante comparação do desempenho obtido em termos do número de ciclos de amplificação de amostras de swab preparadas através do sistema proposto e separador magnético comercial.

Adicionalmente, os valores determinados de ciclos de amplificação após ambos os processos de extração de ácidos nucléicos indicaram a presença de carga viral positiva paras os mesmos pacientes. Uma das principais vantagens do sistema proposto frente ao comercial está no fato de utilizar materiais de baixo custo, da fabricação ser rápida e de utilizar insumos encontrados em lojas locais, não dependendo de questões de fronteiras internacionais. Acreditamos que o dispositivo aqui proposto pode ser fabricado sem utilizar materiais importados, reduzindo drasticamente o processo de obtenção dos insumos e, o mais importante, o desempenho de extração obtido é compatível. Sendo fortemente indicado a utilização desde dispositivo em laboratórios que trabalhem com preparo de amostras de fluidos biológicos, principalmente durante situações pandêmicas.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

Esta nota técnica apresenta como material suplementar os arquivos em extensão stl do layout do separador magnético desenvolvido de modo a permitir a reprodução integral do dispositivo por qualquer usuário, disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, com acesso livre.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES (processo 88887.192880/2018-00), ao CNPq (processos 307554/2020-1, 401256/2020-0, 405620/2021-7 e 142412/2020-1) e ao INCTBio (processo 465389/2014-7) pelo apoio financeiro e bolsas de estudo concedidas.

 

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On-line version ISSN 1678-7064 Printed version ISSN 0100-4042
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