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Ocorrência de pesticidas em solos argilosos e arenosos após aplicação em pastagens e cana-de-açúcar Occurrence of pesticides in clay and sandy soils after application in pasture and sugarcane crops |
Ingrid Ruanna dos Santos FeitosaI; Nívea Cristina Guedes MuninI,II; Bianca Veloso GoulartI; Cassiana Carolina MontagnerI,*
I. Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, 13083-970 Campinas - SP, Brasil Recebido em: 17/08/2022 *e-mail: ccmonta@unicamp.br Sugarcane is considered one of the greatest alternatives for the biofuels sector due to the high potential in the production of ethanol and its respective by-products. Processes of converting degraded pastures into sugarcane crops have been increasingly common in Brazil, as well as the use of pesticides to control plant diseases and pests in several crops. The objective of this work was to evaluate the occurrence of 2,4-D, ametryn, tebuthiuron, fipronil and its degradation products (fipronil sulfide and fipronil sulfone) in clay and sandy soils when applied to pasture and sugarcane management. Solid-liquid extraction and liquid chromatography coupled to mass spectrometry were used to quantify the compounds. The optimized method was validated with the following parameters: linear range from 0.5 to 300 µg L-1; linearity (r) > 0.99; precision with CV from 1.0 to 15.0%; accuracy of 60 to 117%, instrumental limit of detection (LOD) from 0.1 to 1.0 µg L-1 and instrumental limit of quantification (LOQ) of 0.5 µg L-1 for all pesticides, except 2,4-D (5.0 µg L-1). Pesticides concentrations of the experimental farms ranged from 0.1 to 266 µg kg-1, with the highest concentrations found in the months of pesticide's application. The results showed the persistence of some pesticides in the soils even after months of use. INTRODUÇÃO O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. A área total colhida na safra 2019/2020 foi de 8,4 milhões de hectares e a quantidade de matéria-prima processada pelas unidades produtoras foi de 642,7 milhões de toneladas. Apesar da estimativa de produção nacional para 2021/2022 ter sido menor do que na safra anterior, consequência dos efeitos climáticos adversos, da estiagem durante o ciclo produtivo das lavouras, como as baixas temperaturas registradas em junho e julho de 2021, sobretudo nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, o país ainda lidera o ranking mundial de produtividade.1 Em função de especificidades geográficas e das condições climáticas brasileiras, são permitidas duas safras por ano: uma no Norte-Nordeste (de setembro a março) e outra no Centro-Sul (de abril a novembro), possibilitando a produção de açúcar e álcool para os mercados interno e externo ao longo de todo o ano.2 A região Centro Sul (que agrega as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste) responde por 92% deste volume, enquanto os 8% restantes cabem aos estados da região Norte-Nordeste. O Estado de São Paulo é o principal produtor nacional, sendo responsável, na safra 2019/2020, por 53,7% de toda a produção, equivalentes a 62,6% do açúcar e 46,2% do etanol do país.1 O etanol produzido nacionalmente reduziu significativamente a dependência brasileira do petróleo, engrandecendo a segurança energética e contribuindo para o crescimento econômico do país. Além disso, o aumento no consumo de bioetanol e a produção de bioeletricidade a partir de resíduos sólidos da cana-de-açúcar também colaboraram para a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE).3 Todavia, a despeito da segurança energética e do crescimento econômico gerados pela produção brasileira de etanol em grande escala, as preocupações crescentes com os custos sociais e ambientais associados a ela levaram ao desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade ambiental. Tais indicadores permitem quantificar os custos e os benefícios dos biocombustíveis para a sociedade, ressaltando a importância de que a expansão de lavouras como a cana-de-açúcar, prossiga sem futuros desmatamentos ou sem avançar sobre as culturas alimentares.4 Uma alternativa que tem sido considerada é a expansão de culturas energéticas em áreas de pastagens degradadas ou subutilizadas.5,6 No Brasil, estima-se que a área de pastagens (nativas ou implantadas) seja de aproximadamente 200 milhões de hectares, dos quais cerca de 130 milhões estejam degradados e necessitam de alguma intervenção para reverter o estado em que se encontram.7 De acordo com Bento e colaboradores,8 extensas áreas de pastagens de baixa produtividade têm sido convertidas em plantações de cana no Brasil. Somente na última década a área colhida de cana-de-açúcar aumentou cerca de 60%, sendo que quase metade dessa expansão ocorreu em pastagens degradadas ou abandonadas.9 Um aspecto importante do manejo agrícola que tem beneficiado a expansão de grandes culturas é o uso de pesticidas. O Brasil é considerado um dos maiores consumidores de pesticidas do mundo e, atualmente, possui 504 ingredientes ativos autorizados para aplicação nas mais diferentes culturas, sendo que 113 desses podem ser usados na cultura de cana-de-açúcar.10 Dentre os pesticidas recomendados para uso no manejo de pastagens e cana-de-açúcar, quatro deles estão entre os 50 mais consumidos no país11 e foram estudados neste trabalho: os herbicidas 2,4-D, ametrina e tebutiuron, e o inseticida fipronil com seus produtos de degradação (fipronil sulfeto e fipronil sulfona). Dados de ocorrência de pesticidas no solo ainda são bastante escassos na literatura. Sabzevari e Hofman12 apresentaram uma revisão da ocorrência de pesticidas em solo a nível mundial. Os autores avaliaram mais de 80 estudos de monitoramento publicados nos últimos 51 anos e os dados disponíveis em cada estudo foram integrados a um conjunto de dados unificado. Para os compostos estudados neste trabalho poucos artigos científicos que quantifiquem os pesticidas nos solos foram encontrados. A revisão avaliou 6 artigos para o 2,4-D, 4 para a ametrina e 3 para o inseticida fipronil. Os autores não encontraram dados de ocorrência no solo para o tebutiuron, o que confirma a precariedade de estudos presentes na literatura. Em solos brasileiros o cenário é ainda mais crítico. Fernandes e colaboradores13 analisaram a ocorrência de resíduos de pesticidas em solos brasileiros por meio de uma revisão dos dados obtidos dos registros oficiais de órgãos governamentais e da literatura. Os autores analisaram 21 artigos científicos dos quais somente 1 artigo foi encontrado para o 2,4-D e 1 para o fipronil e seus produtos de degradação (fipronil sulfeto e fipronil sulfona). A Tabela 1 apresenta os dados de cada artigo revisado. Fica evidente, portanto, a necessidade de mais informações relacionadas à ocorrência de pesticidas em solos.
Propriedades físico-químicas dos pesticidas estudados O conhecimento das propriedades físico-químicas dos pesticidas é um dos pré-requisitos necessários para entender o seu comportamento no meio ambiente, além de ditarem os caminhos para o desenvolvimento de métodos analíticos. A Tabela 2 apresenta propriedades importantes dos compostos estudados no contexto ambiental.28 Dentre elas: solubilidade em água, constante de partição octanol/água (Kow), constante de dissociação ácida (pKa), pressão de vapor (PV), coeficiente de sorção no solo (Koc) e tempo de meia vida (DT50). No entanto, é importante ressaltar que as duas últimas apresentam grande dependência de outras variáveis, como pH do meio, temperatura, umidade, população microbiana, quantidade de matéria orgânica, tipo de vegetação, entre outras.29
Fipronil O fipronil ((RS)-5-amino-1-(2,6-dichloro-α,α,α-trifluoro-p-tolyl)-4-trifluoromethylsulfinyl-pyrazole-3-carbonitrile) é um inseticida do grupo químico pirazol que age por ação de contato quando utilizado no tratamento foliar nas culturas de algodão e soja e no tratamento do solo nas culturas de batata, cana-de-açúcar e milho. Também é muito utilizado na medicina veterinária para o controle de pulgas e carrapatos em cães/gatos e piolhos mastigadores em bovinos. Este inseticida é muito utilizado em vários países (incluindo o Brasil), no entanto, sua comercialização está suspensa na França desde 2004 em decorrência da mortalidade de abelhas, tendo sido proibido também em outros países da Europa, dado sua alta toxicidade.30 No Brasil, o fipronil está classificado como altamente tóxico, de acordo com a ANVISA, e muito perigoso, segundo o IBAMA. Possui baixa solubilidade em água (3,78 mg L-1), é altamente lipofílico (log Kow = 3,75) e apresenta um elevado coeficiente de sorção no solo de Koc = 803 mL g-1. Características que tornam predominante a persistência do fipronil nos sistemas água e solo. Alguns trabalhos destacam ainda a capacidade de bioacumulação em algumas espécies aquáticas, tais como misidáceos e dáfnias.31 Estudos realizados em solo, água e vegetação indicam que o fipronil se degrada formando quatro possíveis produtos: fipronil sulfeto, fipronil sulfona, dessulfinil e amida. A formação de cada produto de degradação vai depender de fatores do meio, como a temperatura, pH, tipo de solo, presença de luz e microrganismos.32 O fipronil sulfeto e o fipronil sulfona são formados pela redução e oxidação do substituinte sulfinil, respectivamente. O produto de degradação disulfinil é formado fotoquimicamente e o fipronil amida resulta da hidrólise do grupo nitrila do fipronil, apresentando uma solubilidade em água maior que o fipronil.33,34 Estudos realizados por Ying e colaboradores,35 analisando oito tipos de solos australianos, concluíram que a sorção do fipronil foi maior com o aumento da matéria orgânica. Os valores de Koc variaram entre 542 e 6091 mL g-1 e os produtos de degradação foram determinados em concentrações mais altas que as do fipronil. O tempo de meia vida do fipronil e seus metabólitos variaram de 113 a 350 dias, confirmando sua persistência no solo. 2,4-D O ácido 2,4 diclorofenoxiacético (2,4-D) é um herbicida altamente seletivo, sistêmico e pós-emergente.36-37 No Brasil, é o segundo pesticida mais utilizado no controle de ervas daninhas de folhas largas. Este herbicida tem ação de contato e é muito usado em plantações de trigo, arroz, milho, sorgo e principalmente cana-de-açúcar.38 Ele é classificado pelo IBAMA como perigoso para o meio ambiente e pela ANVISA como pouco tóxico para os seres humanos.36 Pesquisas realizadas para compreender a dinâmica desse pesticida no ambiente têm evidenciado sua ocorrência em águas superficiais e subterrâneas.39-41 A presença do 2,4-D nos corpos hídricos se dá em razão da sua alta solubilidade em água (24300 mg L-1), da sua constante de ionização (pKa = 3,4), da sua baixa biodegradabilidade e por ser fracamente retido pela maioria dos solos devido seu baixo coeficiente de sorção no solo (Koc = 39,3).42-44 O principal produto de degradação do 2,4-D é o 2,4-diclorofenol (2,4-DCF), possuindo uma menor solubilidade em água (4500 mg L-1) quando comparado com o 2,4-D.45 Os efeitos potenciais de toxicidade do 2,4-D e seu produto de degradação têm sido documentados por vários pesquisadores, além do 2,4-DCF ter sido classificado pela União Europeia (UE) como uma substância de desregulação endócrina ou potencial de desregulação endócrina comprovada.46 Ametrina A ametrina (2-etilamina-4-isopropilamina-6-metiltio-1,3,5 triazina-2,4-diamine) é um herbicida pertencente ao grupo das triazinas, aplicada em pré e pós emergência no controle de plantas daninhas, sendo um dos cincos herbicidas mais utilizados no cultivo de cana-de-açúcar no Brasil. Ele é classificado pelo IBAMA como perigoso para o meio ambiente e pela ANVISA como pouco tóxico para os seres humanos.36 Este pesticida apresenta propriedades físico-químicas que conferem a ele uma elevada persistência no ambiente. Possui solubilidade moderada em água (200 mg L-1), é ionizável, com caráter básico (pKa = 4,1), apresenta uma elevada lipofilicidade (log Kow = 2,63), a constante de sorção varia de moderada a alta (Koc = 100 a 900 mL g-1) e é relativamente persistente no solo (DT50 = 70 a 120 dias).47 Tebutiuron O tebutiuron (1-(5-terc-butil-1,3,4-tiadiazol-2-il)-1,3-dimetilureia) é um herbicida pré-emergente que pertence ao grupo das ureias substituídas. É recomendado para o controle de folhas largas e estreitas, sendo amplamente utilizado na cultura de cana-de-açúcar para o controle de braquiária.48 Ele é classificado como muito perigoso para o meio ambiente e pouco tóxico para os seres humanos.36 Possui uma elevada solubilidade em água (2500 mg L-1 a 20 °C), é moderadamente lipofílico (log Kow = 1,79), apresenta um baixo coeficiente de sorção no solo (Koc = 80 mL g-1) e um longo período residual, podendo chegar à meia-vida de 360 dias. Suas características físico-químicas lhe conferem alta mobilidade no solo, possuindo um elevado potencial de lixiviação e, frequentemente, tem sido encontrado em camadas profundas de solo e águas subterrâneas.49 Stefano e colaboradores50 estudaram 23 compostos, incluindo pesticidas, em águas subterrâneas da cidade de Porto Alegre (RS). O tebutiuron foi quantificado em 95% das amostras em concentrações de até 54 ng L-1.50 Comparando o movimento do tebutiuron no perfil de dois tipos de solos, Gomes e colaboradores51 verificaram que este herbicida, quando aplicado no Neossolo Quartzarênico (RQ) e no Latossolo Vermelho distrófico psamítico (LVdq), apresentou boa lixiviação através da camada de 50 cm, no entanto, seu potencial de lixiviação no Neossolo Quartzarênico foi cerca de 6,7 vezes maior em relação ao segundo solo. Os teores mais baixos de matéria orgânica e de argila do RQ parecem ser os parâmetros determinantes na lixiviação mais elevada do tebutiuron nesse solo, comparado ao LVdq. O objetivo deste trabalho, portanto, foi avaliar a ocorrência dos pesticidas fipronil e seus produtos de degradação (fipronil sulfeto e fipronil sulfona), 2,4-D, ametrina e tebutiuron em dois solos característicos do estado de São Paulo (Neossolo Quartzarênico distrófico e Latossolo Vermelho distrófico) durante o ano de manejo de pastagens e cana-de-açúcar utilizando extração sólido-líquido e cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial (LC-MS/MS).
PARTE EXPERIMENTAL Reagentes Os padrões analíticos utilizados foram: 2,4-D (99%, Sigma-Aldrich); 2,4-D (ring 13C6) (99%, Sigma-Aldrich); ametrina (98,5%, Sigma-Aldrich); atrazina-d5 (98%, Sigma-Aldrich); fipronil (97%, Sigma-Aldrich); fipronil sulfona (98%, Sigma-Aldrich); fipronil sulfeto (98%, Sigma-Aldrich); fipronil-(pyrazole-13C3, cyano 13C) (99%, Sigma-Aldrich); tebutiuron (99%, Sigma-Aldrich). Reagentes: ácido sulfúrico (P.A., Synth); ácido fórmico (98 100%, Sigma-Aldrich) e hidróxido de amônio (25%, Merck). Os solventes diclorometano (Honeywell) e metanol (Honeywell) possuíam grau HPLC. As soluções estoques dos compostos estudados (2,4-D; ametrina; tebutiuron; fipronil; fipronil sulfona e fipronil sulfeto) foram preparadas separadamente, nas concentrações 480 mg L-1; 441 mg L-1; 589 mg L-1; 436 mg L-1; 355 mg L-1 e 393 mg L-1, respectivamente. Os padrões sólidos foram pesados, diluídos em metanol grau HPLC e armazenados em frasco âmbar na geladeira (4 oC). Uma solução intermediária foi preparada na forma de mix pela diluição das soluções estoques dos analitos de interesse em metanol na concentração de 10 mg L-1, a qual ficou armazenada em frasco de vidro âmbar em geladeira (4 °C). As soluções de trabalho utilizadas foram preparadas para uso imediato em H2O:MeOH 70:30 v/v a partir de diluições sucessivas da solução intermediária de 10 mg L-1. Amostragem As amostras de solo foram coletadas em duas fazendas experimentais localizadas nas cidades de Brotas e Sorocaba, no estado de São Paulo. Nelas foram realizados os manejos dos campos de pastagens e plantio de cana-de-açúcar. Iniciou-se a amostragem com a colheita do primeiro ciclo da cana-de-açúcar em outubro de 2019, finalizando-se com a segunda colheita em outubro de 2020, perfazendo um ciclo sazonal completo de manejo tipo cana de ano. As fazendas experimentais foram divididas em três áreas: pastagem extensiva (controle), pastagem intensiva e cana-de-açúcar, com um total de 15 plots de 2500 m2 cada (5 réplicas para cada área). Em cada campanha amostral, foram coletadas 5 alíquotas de solo em 10 cm de profundidade usando um trado, as quais foram transferidas para sacos plásticos e misturadas em campo para se obter uma amostra composta representativa de cada um dos quinze plots. Em laboratório, as amostras de cada plot foram tratadas como amostras individuais, obtendo assim 5 réplicas de cada tratamento. Durante o manejo houve a aplicação de fipronil e 2,4-D na área de cana-de-açúcar da fazenda experimental de Brotas, em novembro e dezembro de 2019, respectivamente. E na fazenda de Sorocaba, a ametrina e o tebutiuron foram aplicados na área da cana-de-açúcar em novembro de 2019. Não houve a necessidade de aplicação dos pesticidas nas áreas de pastagens das duas fazendas neste período. O manejo seguiu as recomendações nacionais de cultivo para a aplicação dos pesticidas.52 De acordo com o mapa pedológico do estado de São Paulo, o solo da cidade de Brotas está classificado como Neossolo Quartzarênico distrófico (RQd), de textura arenosa e o solo de Sorocaba como Latossolo Vermelho distrófico (LVd), de textura argilosa. As análises das características físico-químicas dos solos foram determinadas pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e estão listadas na Tabela 3.
Na fazenda experimental de Brotas, foram realizadas nove campanhas amostrais, enquanto, oito campanhas foram realizadas na fazenda experimental de Sorocaba. A Figura 1 apresenta uma linha do tempo do manejo realizado com os períodos de coletas.
Figura 1. Linha do tempo do manejo realizado nas fazendas experimentais de Brotas e Sorocaba e os respectivos meses de coleta, destacados em marrom
Preparo da amostra Previamente a extração, as amostras foram secas ao ar, maceradas e peneiradas para obter homogeneidade das partículas. Essas amostras foram armazenadas na geladeira até o momento da extração. Para a avaliação dos parâmetros de validação do método analítico, foram utilizados solos isentos dos pesticidas em estudo, coletados nas áreas de pastagem degradada onde não houve nenhuma aplicação de pesticidas. Extração dos pesticidas do solo A extração dos pesticidas de interesse do solo foi realizada empregando extração sólido-líquido (SLE - solid liquid extraction) e banho ultrassônico de acordo com Stefano e colaboradores.50 A SLE baseia-se na transferência do analito da matriz para o solvente e é influenciada diretamente pela solubilidade do analito no solvente extrator, pela transferência de massa e pela matriz. Para a extração dos compostos de interesse, foram usados 10 g de amostras de solo, as quais foram acidificadas com 1 mL de H2SO4 0,1 mol L-1. Às amostras foram adicionados 20 mL de diclorometano e levadas em banho ultrassônico por 10 min. Em seguida, as amostras foram centrifugadas a 4000 rpm por 10 min e o sobrenadante separado. Esse procedimento foi repetido outras duas vezes e os sobrenadantes reservados no mesmo frasco, os quais foram posteriormente secos sob fluxo constante de nitrogênio gasoso. Os analitos foram então, ressuspendidos em 1500 µL de MeOH:H2O 70:30 v/v. Os extratos foram filtrados em filtro de seringa de PTFE (0,22 µm) e transferidos para vials de 2,0 mL de capacidade para a quantificação dos pesticidas por LC-MS/MS.50,53,54 A Figura 2 apresenta um esquema do processo de extração.
Figura 2. Esquema do preparo de amostras empregando SLE para a determinação dos pesticidas estudados na matriz solo
Quantificação dos pesticidas por LC-MS/MS A identificação e quantificação dos pesticidas estudados no solo foram realizadas por LC-MS/MS empregando-se um cromatógrafo Agilent 1200 acoplado a um espectrômetro de massas triplo quadrupolo (Agilent 6430B) com ionização por electrospray (ESI), equipado com bomba binária, injetor automático e compartimento de coluna termostatizado. A separação cromatográfica foi realizada com uma coluna Zorbax SB-C18 (2,1 × 30 mm, 3,5 µm) a 25 ºC, utilizando uma vazão de 0,3 mL min-1 com volume de injeção de 10 µL. A fase móvel utilizada foi água ultrapura (A) e metanol (B); contendo 0,01% (v/v) de ácido fórmico e hidróxido de amônio, para os compostos que ionizam no modo positivo (ametrina e tebutiuron) e negativo (2,4-D, fipronil e seus produtos de degradação), respectivamente. Esses aditivos favorecem a formação dos íons, melhorando o sinal analítico. A eluição do gradiente no modo positivo, em função de B foi definida da seguinte forma: aumento linear de B de 30 a 60% em 3 min, manteve a 60% de B por 7 min e em seguida aumentou 65,7% de B em 10 min. No modo negativo, a eluição do gradiente em função de B foi definida da seguinte forma: aumento linear de B de 30 a 80% em 5 min, manteve a 80% B por 1 min e retornou a 30% B em 6 min. Os tempos de corrida foram de 15 e 16 min para os modos positivo e negativo, respectivamente. Entre cada corrida cromatográfica, o sistema foi mantido com 30% de metanol durante 5 minutos para recondicionamento da coluna. O monitoramento dos compostos foi realizado no modo SRM (selected reaction monitoring), de acordo com os parâmetros descritos na Tabela 4.
Validação do método analítico Neste trabalho, as seguintes figuras de mérito foram avaliadas para obter informações sobre a confiabilidade do método: efeito matriz, linearidade, faixa linear de trabalho, limite de detecção instrumental, limite de quantificação instrumental, exatidão e precisão. Linearidade e faixa linear de trabalho A linearidade foi avaliada através das curvas analíticas de cada analito, obtidas plotando a razão entre a área do analito e do padrão interno em função da concentração. Todos os pontos da curva (0,5; 1,0; 5,0; 10; 25; 50; 100; 200 e 300 µg L-1) foram preparados e analisados em triplicata. O fipronil-(pyrazole-13C3, cyano-13C); 2,4 D (ring 13C6) e atrazina-d5 foram utilizados como padrão interno na concentração de 50 µg L-1. O software Action Stat foi usado para realizar os seguintes testes estatísticos: Teste de Grubbs, para verificar a presença de outliers; Teste de Cochran, para avaliar a homocedasticidade. O limite inferior da faixa linear de trabalho foi definido como o limite de quantificação instrumental e o limite superior, como a maior concentração em que a linearidade fosse mantida com um coeficiente de determinação superior a 0,990. Limites de detecção e quantificação instrumental Os limites de detecção (LDI) e quantificação (LQI) instrumentais foram obtidos pelo método sinal-ruído comparando-se o sinal analítico de amostras em baixas concentrações dos analitos com o ruído na linha de base. Foi considerada a concentração em que se observou a relação sinal-ruído na proporção 3:1 e 10:1 para o LDI e LQI, respectivamente. Limites de quantificação do método O limite de quantificação do método (LQM) foi obtido considerando todo o preparo da amostra. A massa da amostra utilizada e o fator de concentração do extrato foram usados para a determinação do LQM, conforme apresenta a Equação 1: Exatidão e precisão A exatidão foi obtida por meio de ensaio de recuperação, em que a matriz foi fortificada 24 horas antes da extração com um mix dos pesticidas de interesse em três níveis de concentração (20, 100 e 200 µg L-1) em triplicata e calculado segundo a Equação 2. Os testes foram realizados em triplicata com duplicata de injeção cromatográfica. sendo: Co = concentração obtida e Ct = concentração teórica. A precisão foi avaliada pelo coeficiente de variação (CV), também conhecido como estimativa do desvio padrão relativo e calculado pela Equação 3: sendo: S = estimativa do desvio padrão absoluto e X = média das concentrações. Efeito matriz O efeito matriz foi avaliado comparando-se os coeficientes angulares obtidos pela curva analítica construída no extrato fortificado do solo com a curva analítica preparada no solvente para cada analito nas concentrações de 0,5; 1; 5,0; 10; 25; 50; 100; 200 e 300 µg L-1 com exceção do 2,4-D (5,0; 10; 25; 50; 100; 200 e 300 µg L-1). As curvas no solvente foram preparadas em água: metanol 70:30 v/v. O efeito matriz foi então calculado de acordo com a Equação 4: Se o efeito matriz for < ± 20%, pode ser considerado desprezível e, nesse caso, a curva analítica pode ser preparada tanto em solvente quanto no extrato da matriz. Para valores > ± 20%, o efeito matriz é considerado significativo, sendo necessária a construção da curva analítica no extrato da matriz. Valores positivos de efeito matriz resultam do incremento do sinal analítico e os negativos, de uma supressão do sinal.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Validação do método analítico Linearidade, faixa linear de trabalho, limites de detecção e quantificação instrumentais A faixa linear foi determinada por meio de curvas analíticas construídas no solvente (água: metanol 70:30 v/v) cobrindo uma faixa de concentrações de 0,5 até 300 µg L-1, dependendo de cada analito. Todas as curvas apresentaram coeficiente de correlação superior a 0,994 e os valores de LDI e LQI variaram de 0,1 a 1 e 0,5 a 5 µg L-1, respectivamente. A Tabela 5 apresenta os valores da faixa linear, linearidade, limite de detecção e limite de quantificação instrumental para os pesticidas em estudo.
Exatidão e Precisão A Figura 3 apresenta os resultados da exatidão e da precisão do método analítico, para ambos os solos, onde os pesticidas foram quantificados por meio de curva no solvente e curva na matriz branca do solo. Os valores de exatidão obtidos variaram de 60 a 117% e os valores de precisão, de 1 a 17%. De modo geral, houve uma diminuição da recuperação dos pesticidas quando quantificados por meio de curva analítica construída na matriz.
Figura 3. Recuperação dos pesticidas no Neossolo Quartzarênico distrófico (RQd) e Latossolo Vermelho distrófico (LVd)
Esses resultados foram considerados aceitáveis para o propósito do método, pois estão dentro do intervalo de recuperação 50 a 120% com precisão de até ± 15%, com exceção do 2,4-D, onde foi obtido um coeficiente de variação de 17,7%, quando quantificado por meio de curva construída na matriz (RQd). Efeito matriz Os valores do efeito matriz para cada composto em ambos os solos (RQd e LVd), estão apresentados na Tabela 5 e as curvas analíticas obtidas deste teste estão apresentadas nas Figuras 1S e 2S do Material Suplementar. No RQd, a matriz causa uma supressão do sinal analítico para 2,4-D, fipronil, fipronil sulfeto e fipronil sulfona e um incremento de sinal para ametrina e tebutiuron. No entanto esse efeito é significativo apenas para 2,4-D e tebutiuron com um valor de -33 e 52,8%, respectivamente, sendo esses valores > ± 20%. No LVd, a matriz causa uma supressão do sinal analítico para o 2,4-D, ametrina e tebutiuron e um incremento de sinal para o fipronil e seus produtos de degradação (fipronil sulfeto e fipronil sulfona). O efeito matriz foi mais pronunciado para os pesticidas ametrina e tebutiuron: os valores obtidos foram -88,7 e -76,8%, respectivamente. Segundo Klotz e colaboradores,55 o efeito matriz é mais acentuado em pesticidas mais polares, sendo o grau de polaridade classificado de acordo com a solubilidade em água ou Kow, o que justifica esse efeito ser mais pronunciado no 2,4-D, ametrina e tebutiuron, indicando que os componentes polares do solo podem ter coeluido. Compostos hidrofóbicos, como o fipronil, não apresentam efeito de matriz pronunciado.56 O uso de padrão interno é recomendado em casos de efeito matriz pronunciado. Devido ao grande número de análises realizadas neste trabalho, optou-se, portanto, por fazer a quantificação dos compostos por meio de padronização interna usando a curva construída no solvente. Ocorrência dos pesticidas no solo A ocorrência dos pesticidas estudados foi avaliada em duas fazendas experimentais. Uma delas, com solo predominantemente arenoso (Neossolo Quartzarênico distrófico (RQd)) localizada na cidade de Brotas e outra com solo característico argiloso (Latossolo Vermelho distrófico (LVd)) localizada em Sorocaba. Os resultados foram apresentados para cada fazenda. Fazenda experimental de Brotas - Neossolo Quartzarênico distrófico (RQd) No RQd, foram monitorados o inseticida fipronil e o herbicida 2,4-D ao longo de aproximadamente 1 ano nas áreas de pastagens e após a aplicação nas áreas de cultivo de cana-de-açúcar. As concentrações estão apresentadas na Figura 4 e na Tabela 1S do Material Suplementar.
Figura 4. Concentração média do (a) 2,4-D; (b) fipronil; (c) fipronil sulfeto; (d) fipronil sulfona durante o período de manejo da pastagem extensiva, pastagem intensiva e cana-de-açúcar na fazenda experimental localizada na cidade de Brotas - Neossolo Quartzarênico distrófico (RQd)
Nas áreas de pastagens, as concentrações de 2,4-D encontradas variaram de 1,5 a 7,9 µg kg-1. Na área da cana, após a aplicação do herbicida, de fertilizante e de vinhaça, a concentração de 2,4-D variou de 2,2 a 13,4 µg kg-1, sendo que o maior valor obtido foi no mês da aplicação (dezembro). Após esse período, as concentrações foram diminuindo ao longo do tempo, provavelmente devido a sua baixa persistência em solo e maior afinidade por sistemas aquáticos. Após 8 meses da aplicação as concentrações atingiram níveis inferiores ao LQM (0,75 µg kg-1). Pinheiro e colaboradores17 determinaram a concentração de 9 pesticidas no solo de uma área agrícola cultivada com plantio convencional e com rotação de culturas (milho, cebola, batata, feijão e beterraba) no município de Ituporanga, em Santa Catarina. O solo avaliado foi classificado como Ca78 - Cambissolo Húmico de textura argilosa e média. Dentre os pesticidas utilizados, o 2,4-D apresentou a maior concentração, variando de 2,9 a 847,0 µg kg-1. As concentrações de 2,4-D encontradas neste trabalho bem como no estudo de Pinheiro e colaboradores foram inferiores aos valores de investigação orientados para solo segundo a Resolução CONAMA 420 de 28 de dezembro de 2009 (1,5 mg kg-1), no entanto, Triques e colaboradores37 avaliando os efeitos ecotoxicológicos do 2,4-D em espécies de plantas terrestres não-alvo, mostraram a presença de efeitos adversos, mesmo usando concentrações inferiores às doses recomendadas (1,1 mg kg-1). Lins e colaboradores58 avaliaram a influência de quatro pesticidas nas comunidades de colêmbolos e encontraram efeitos negativos em sua abundância total, sendo o 2,4-D o pesticida que mais reduziu o número total de organismos. Trabalhos que avaliam os efeitos de pesticidas em organismos edáficos ainda são bastante escassos na literatura, no entanto, em sistema aquático, estudos mostram que a exposição crônica ao 2,4-D retarda a metamorfose e inibe o crescimento de girinos59 e reduz a reprodução de algumas espécies.60 As concentrações de fipronil determinadas nas pastagens extensiva e intensiva, no período de novembro de 2019 a fevereiro de 2020, estavam em níveis residuais, variando de 0,1 a 2,9 µg kg-1 e, a partir de agosto de 2020 as concentrações estavam menores que o LQM (0,075 µg kg-1). Na área da cana-de-açúcar, as concentrações obtidas de fipronil variaram de 0,1 a 238,2 µg kg-1 e o maior valor quantificado foi no mês de aplicação desse pesticida (novembro de 2019). Os produtos de degradação do fipronil: fipronil sulfeto e fipronil sulfona também foram determinados nas amostras analisadas. Não foi encontrado fipronil sulfeto nas áreas de pastagens e, a concentração determinada de fipronil sulfona variou de 0,1 a 0,7 µg kg-1. Na área da cana, as concentrações de fipronil sulfeto variaram entre 0,1 e 5,2 µg kg-1, enquanto o fipronil sulfona variou de 0,8 a 22,3 µg kg-1, sendo que a maior concentração encontrada para esses produtos de degradação foi em fevereiro de 2020. Park e colaboradores24 monitororaram a presença de 120 pesticidas em solos de várzea, determinando o fipronil em níveis de até 148,0 µg kg-1. Padilla-Sánchez e colaboradores26 realizaram um levantamento de três anos dos níveis de resíduos de pesticidas usados em solos agrícolas de estufas localizados na província de Almeria, Espanha. Nesse estudo, a concentração de fipronil determinada variou de 5,0 a 102,0 µg kg-1. No Brasil, Toffoli e colaboradores27 desenvolveram um método para identificação e quantificação de resíduos de pesticidas no solo, aplicando esse método para análise de amostras reais. O solo analisado, predominantemente arenoso, foi amostrado da Bacia hidrográfica do Rio Turvo/Grande, localizada na região noroeste do Estado de São Paulo, e as concentrações determinadas de fipronil, fipronil sulfeto e fipronil sulfona foram de 21,1 µg kg-1, 18,4 µg kg-1 e 78,4 µg kg-1, respetivamente. A Resolução CONAMA 420 não apresenta valores de referência para o fipronil, no entanto, estudos realizados por Triques e colaboradores,37 em que avaliaram os efeitos ecotoxicológicos do fipronil em espécies de plantas terrestres e invertebrados de solo arenoso, concluíram que concentrações de fipronil menores do que as recomendadas para uso em plantações de cana-de-açúcar causaram efeitos negativos aos organismos não-alvo do solo e invertebrados terrestres. Oliveira61 avaliou os efeitos ecotoxicológicos do fipronil em solo argiloso na sobrevivência e reprodução de três gerações do colêmbolo Folsomia candida quando exposto ao pesticida ao longo do tempo. O estudo concluiu que o fipronil apresentou toxicidade acentuada em baixas concentrações até a terceira geração, causando efeitos na reprodução e na sobrevivência de Folsomia candida, podendo ser considerado um pesticida de alta periculosidade para organismos artrópodes terrestres. A extensão dos efeitos adversos na biota depende das propriedades específicas do solo e condições ambientais. Estudos comprovam que solos argilosos apresentam maior potencial de sorção de moléculas de pesticidas do que solos arenosos, tornando o contaminante menos biodisponível para os organismos,62 o que reitera a importância de avaliar os efeitos dos pesticidas em diferentes condições. Estima-se que as concentrações residuais de 2,4-D e fipronil encontradas nas áreas das pastagens possam ter sido contaminadas por deriva ou durante a aplicação. O 2,4-D é aplicado por pulverização, enquanto o fipronil é aplicado diretamente solo, o que pode justificar a maior concentração de 2,4-D nessas áreas. Na área da cana-de-açúcar, o 2,4-D foi encontrado em menores concentrações quando comparando com o fipronil. Alguns fatores podem ter contribuído para esse ocorrido, como por exemplo, o modo de aplicação, a quantidade aplicada do produto, as características físico-químicas dos pesticidas e do solo e as condições ambientais. O 2,4-D apresenta uma elevada solubilidade aquosa (24300 mg L-1) e baixo coeficiente de sorção no solo (Koc = 39,3). Sua constante de ionização (pKa = 3,4) é menor que o pH do solo onde foi feita a aplicação (Neossolo Quartzarênico distrófico, pH = 4,3). Nesse caso, o pesticida estará predominantemente na sua forma aniônica, ficando menos retido no solo. O fipronil possui baixa solubilidade em água (78 mg L-1), é altamente hidrofóbico (log Kow = 3,75) e apresenta um elevado coeficiente de sorção no solo (Koc = 803 mL g-1). Essas propriedades conferem a ele uma alta persistência no solo, o que justifica a quantificação desse pesticida durante todo o ciclo sazonal da cana-de-açúcar. Fazenda experimental de Sorocaba - Latossolo Vermelho distrófico (LVd) No LVd foi aplicada, no mês de novembro de 2019, uma mistura dos herbicidas ametrina e tebutiuron apenas na área da cana-de-açúcar, no entanto, nas áreas das pastagens, oriundas do processo de deriva, os pesticidas foram quantificados em níveis residuais. A concentração de ametrina nas pastagens extensiva e intensiva variou de 0,2 a 1,5 µg kg-1 e na área da cana-de-açúcar, de 3,0 a 249,9 µg kg-1. Como mostra a Figura 5, no mês da sua aplicação, a ametrina apresentou um aumento de 8 vezes na sua concentração.
Figura 5. Concentração média da (a) ametrina e (b) tebutiuron durante o período de manejo da pastagem extensiva, pastagem intensiva e cana-de-açúcar na fazenda experimental localizada na cidade de Sorocaba - Latossolo Vermelho distrófico (LVd)
Mesmo sendo empregado em doses recomendadas para controle de plantas daninhas em cultura de cana-de-açúcar, os herbicidas têm o potencial de afetar negativamente os anfíbios em canaviais em uma fase crítica de seu desenvolvimento. Pesquisadores constataram que herbicidas utilizados nas lavouras de cana-de-açúcar, dentre eles a ametrina, causam efeitos letais e subletais em larvas de anfíbios. Os estudos apontaram uma alta mortalidade da espécie Boana pardalis após exposição prolongada da ametrina (cerca de 76%). Além disso, a ametrina reduziu significativamente as taxas de atividade e retardou as taxas de desenvolvimento e crescimento desse anfíbio.63 A concentração de tebutiuron nas pastagens variou entre 0,1 e 1,4 µg kg-1 e, na área da cana, de 43,1 a 266,1 µg kg-1. Diferentemente da ametrina, que teve concentração mais significativa no mês da sua aplicação, o maior valor de concentração de tebutiuron foi obtido em amostras coletadas no mês de outubro de 2019, período em que estava sendo finalizado o primeiro ciclo da cana de ano. Em princípio, esse fato poderia encontrar explicação no tempo de meia vida desse pesticida no solo. De acordo com o Pesticides Database, o tebutiuron apresenta DT50 de 360 dias.28 Admite-se, assim, que já existia ali uma concentração considerável desse pesticida, oriunda de aplicações realizadas anteriormente, no entanto esperava-se uma concentração maior no período da sua aplicação, pois ela se somaria àquela já existente. Outra hipótese para esse aumento da concentração do tebutiuron pode estar relacionado a amostragem. Embora todos os procedimentos para se obter uma amostra representativa tivessem sido tomados, a heterogeneidade do solo e, a possível existência de hotspots, podem explicar essa tendência obtida. A ametrina e tebutiuron possuem características que lhes conferem persistência no solo, sendo possível a quantificação desses compostos durante todo o ciclo da cana. O teor de matéria orgânica de um solo é um dos principais atributos responsáveis pela sorção dos pesticidas. Vivian e colaboradores57 avaliaram a capacidade de sorção da ametrina em seis solos brasileiros e observaram maior capacidade de sorção em solos com elevados teores de matéria orgânica e argila, como é o caso do LVd. Mendes e colaboradores64 verificaram que processos de retenção do tebutiuron foram influenciados pelos atributos físico-químicos do solo e o coeficiente de sorção foi mais influenciado pela matéria orgânica do solo e teor de argila.
CONCLUSÃO O método utilizado para determinação dos pesticidas (2,4-D; ametrina; tebutiuron; fipronil; fipronil sulfeto e fipronil sulfona) utilizando SLE e a análise por LC-MS/MS, mostrou-se adequado para a determinação destes compostos em ambos os solos estudados apresentando as características necessárias para a obtenção de resultados confiáveis. Foi avaliado a ocorrência dos pesticidas em dois tipos de solo (Neossolo Quartzarênico distrófico - RQd e Latossolo Vermelho distrófico - LVd) durante o manejo de pastagens e da cana-de-açúcar nas fazendas experimentais em estudo, localizadas no município de Brotas, SP e Sorocaba, SP. No RQd, o fipronil foi o pesticida mais encontrado e com maior concentração, sendo determinado ao longo de todo o período amostral. No LVd, o tebutiuron apresentou maior persistência, quando comparado com a ametrina. No entanto, sabemos que a ocorrência de um pesticida no solo é algo dependente de diversos fatores que precisam ser analisados de forma conjunta como o tipo de solo, as características físico-química das substâncias, o tipo de manejo agrícola e as condições climáticas da região. Estes resultados contribuem para elucidação dos níveis de contaminação das matrizes ambientais associados ao uso de pesticida. A escassez de dados como esse na literatura científica e a pressão pela busca de um modelo de agronegócio destinado a produção de energia e alimento cada vez mais sustentável, justificam a importância na divulgação de resultados de pesquisa capazes de subsidiar tomadas de decisões visando a proteção ambiental e o melhoramento agrícola para garantir qualidade de vida para esta e as futuras gerações. MATERIAL SUPLEMENTAR Estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo pdf, com acesso livre, as curvas analíticas obtidas nos testes de efeito matriz, bem como as concentrações dos pesticidas determinadas em cada uma das amostras analisadas.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio financeiro ao Projeto Temático (Proc. 2015/18790-3) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas de mestrado de I.R.S. Feitosa e de doutorado de B.V. Goulart (Proc. 88887.356547/2019-00).
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