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Vozes discentes do curso de licenciatura em química da UFRGS: uma análise sobre a perspectiva curricular The student voices of the chemistry degree course at UFRGS: an analysis of the curricular perspective |
André Slaviero; Aline Sobierai Ponzoni; Maurícius Selvero Pazinato*
Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 91501-970 Porto Alegre - RS, Brasil Recebido em 12/01/2023 *e-mail: mauricius.pazinato@ufrgs.br The reflections and data presented and discussed in this text represent a portion of the conclusions after an investigation carried out in a master's research, whose focus was on understanding the curriculum of the training course for chemistry teachers in effect since 2017/2 at UFRGS. The study reported in this article consists of the analysis of the responses obtained from undergraduates through the application of questionnaires. The emphasized issues concern the structure of the course, its disciplines, didactic procedures, teaching strategies, materials, evaluation forms and other aspects aimed at the contribution of specific, pedagogical, and articulating disciplines in the formation of chemical educators. The results indicate maintenance of a curricular matrix that favors academic content taught in the traditional way, but with the inclusion of disciplines characterized by future teachers as essential to the formation of their teaching identity, pedagogical autonomy, and professional development. In addition, there is a disparity between the didactic procedures followed in the different disciplines, which indicates aspects to be prioritized in future reconfigurations of the curricular matrix. INTRODUÇÃO A formação docente envolve desenvolver saberes e práticas para que, nos ambientes de ensino e aprendizagem, os/as professores/as atuem crítica e reflexivamente sob tal perspectiva. O desafio implicado compreende associar conhecimentos teórico-prático-metodológicos em/de diferentes dimensões formativas, como: o fomento à pesquisa e produção de conhecimento no campo da educação química; a troca de experiências vivenciadas e oriundas de pesquisas próprias com o que a literatura relata; a atualização constante do conhecimento químico e pedagógico, bem como a criação de debates sobre os problemas do cotidiano escolar, sobretudo o da escola pública; a proposição de iniciativas para solucioná-los, dentre outros. A sistematização desses princípios é uma tarefa ampla, que requer processos de formação docente comprometidos com a mudança e a construção de conhecimento profissional atento às implicações sociais da profissão no contexto atual. Fator essencial para a qualidade dessa formação é a articulação das atividades formativas entre si, com as disciplinas, as práticas de ensino, os conceitos, procedimentos didáticos e outros fatores que concernem e impactam os ambientes de ensino e aprendizagem do Ensino Superior.1-4 Diante da complexidade inerente a esse processo, o esperado são propostas curriculares sólidas e responsáveis no que diz respeito às partes envolvidas na formação de educadores, fomentando momentos formativos constitutivos de aprendizagens pessoais e profissionais. Dada à relevância da pauta, outros trabalhos da área são essenciais a partir dos diferentes enfoques que proporcionam a essa temática.5-8 Disso decorre o presente artigo que deriva de uma pesquisa de mestrado, a qual investigou o currículo do curso de Licenciatura em Química da UFRGS, Instituição de Ensino Superior (IES) pública do estado do Rio Grande do Sul (RS). O propósito desse artigo é verificar as percepções dos acadêmicos do curso de Licenciatura em Química da UFRGS referente à organização curricular, especificamente, no que se refere às estratégias de ensino, materiais didáticos e recursos tecnológicos, instrumentos e métodos avaliativos, bem como contribuições das diferentes disciplinas do curso para a formação docente. Fundamentação teórica Apontamentos sobre currículo e suas implicações à formação docente Defronte da amplitude de autores que pesquisam e publicam sobre currículo, um vasto horizonte de sistematizações pode ser encontrado na literatura. Na tentativa de conceituar currículo foi possível perceber que não é um conceito ímpar e/ou unilateral, mas sim polissêmico e repleto de dimensões. Souza9 salienta que o conceito de currículo é múltiplo, com vários aspectos que oportunizam discussões em diversas vertentes e direções, fator este que Moreira e Candau10 similarmente enfatizam. Lopes e Macedo11 (grifo das autoras) partem do pressuposto de que "embora simples, a pergunta ‘o que é currículo?' não tem encontrado resposta fácil. [...] os estudos curriculares têm definido currículo de formas muito diversas [...]". Sacristán12 afirma que o currículo é feito por inúmeras particularidades de "[...] uma realidade difícil de explicar por meio de uma definição simples, esquemática e esclarecedora, devido à própria complexidade do conceito". Etimologicamente, currículo, do latim curriculum, tem o sentido de caminho e/ou percurso,13,14 ou seja, demonstra a sequência, combinada ou não, de conhecimentos elencados para serem desenvolvidos nos espaços de ensino. Conforme as transformações vão ocorrendo, na prática, o currículo adquire significado e passa a ser algo discursivo.15,11 Logo, o conceito de currículo pressupõe a organização, prévia ou não, concebendo as práticas educativas como um percurso que, na educação formal, leva à constituição dos indivíduos. Ordem e sequência poderiam ser sinônimos desse entendimento, afinal seu caráter processual ocorre e repercute diretamente nos processos de ensino e aprendizagem a partir das experiências/situações vivenciadas. "Assim, simplificadamente, o currículo serve para que se organizem as partes em um todo",16 com isso, existe a possibilidade de regulação dos e nos sistemas de ensino por meio do currículo. A diversidade cultural da sociedade é expressa, principalmente, pelo discurso dos grupos dominantes, uma vez que disputam a soberania do seu projeto social, sua "verdade".10 Isso fica evidente quando a construção de determinada identidade social e cultural é reforçada por conhecimentos escolares ou acadêmicos que influenciam no desenvolvimento da identidade cidadã e profissional. Lopes e Macedo11 explicitam que a reprodução cultural, por meio do capital cultural oriundo das classes médias, "[...] favorece aqueles que o possuem e, com isso, perpetua a desigualdade dessa distribuição". Considerando tais premissas no processo de formação docente inicial se pressupõe do docente a conjugação e o uso de saberes para que possa refletir sobre as recomendações curriculares postas. Tal noção de currículo integrador, como ponto de partida para as práticas educativas,16 articula a interpretação docente e sua ação com a contribuição para a educação, traduzida na aprendizagem dos estudantes. O entendimento das necessidades e anseios discentes perpassa pela articulação e autonomia docente para conferir sentido à práxis17 e dar forma àquilo que se pretende ensinar.18 Também, a mediação professor-estudante possibilita adaptar o currículo estabelecido formalmente aos discentes. Para tanto, o professor necessita dispor de uma amplitude de saberes e fazeres docentes essenciais ao seu ofício.19 Desde o planejamento para guiar as atividades, tomar decisões em condições incertas, adotar teorias e crenças para o momento de ensinar nas situações de sala de aula e nos dilemas da profissão, refletir e agir (ação-reflexão-ação), dentre outros. Esses fatores Acosta18 expõe e afirma que afetam o que os professores ensinam, ou seja, o currículo. Tais conhecimentos teóricos e práticos sinalizam como o currículo da formação inicial docente é complexo, muito mais do que apenas uma ferramenta de distribuição de carga horária pré-determinada. É preciso considerar ainda a interpretação pessoal do docente sobre o currículo, o que pode carregar concepções advindas da formação anterior à profissional, atribuindo determinada ênfase ao ensinar, proveniente de influências externas. Dessa maneira, é fundamental a escolha de opções teórico-metodológicas-epistemológicas adequadas pelo professor. Queiroz e Massena,5 defendem a importância de problematizar questões curriculares na formação docente, viabilizando a promoção de sentidos do currículo. Isso implica o desenvolvimento de saberes e identidades por meio de atividades curriculares, quais sejam: diálogo entre os pares, reflexões, escritas, cursos... Com isso, após a formação, no seio profissional, a ação docente poderá atender as perspectivas dos processos de ensino e aprendizagem que se voltem para a formação cidadã e a alfabetização científica.20 Subsídios das teorias curriculares para compreensão da formação inicial de professores/as Basicamente a literatura trata as teorias educacionais a partir da divisão delas em tradicionais, críticas e pós-críticas. Cabe ressaltar que "teoria do currículo" representa, primeiramente, o estabelecimento de conceitos que concebem a realidade, e conforme Young21 sublinha, "[...] a teoria do currículo aplica-se a toda instituição educacional". De forma resumida, são expostas características das teorias no Quadro 1.
A teoria tradicional possui muita influência do tecnicismo educacional na produção dos currículos, com foco na seleção e organização de conhecimentos que precisam ser aprendidos. Essa seleção é feita por alguém que está "do lado de fora", ditando o que a escola precisa saber fazer e, consequentemente, o que a universidade precisa ensinar aos professores.23,11 Tardif19 aborda a perspectiva que nem sempre os professores produzem todos os seus saberes, mas sim os reproduzem, tradicionalmente, via transmissão de conhecimentos. "A reprodução de saberes acontece principalmente com os saberes das disciplinas e os saberes curriculares, para os quais já há um sistema imposto, preestabelecido".16 Esses princípios podem ser avaliados criticamente mediante análise da distribuição de poder social, sobretudo na universidade que atua como reprodutora de ideologias. Nesse contexto, as teorias críticas do currículo preocupam-se com o controle social implícito (ou explícito) exercido pelo currículo, bem como nas relações entre opressor e oprimido e as desigualdades sociais. Saviani24 e Apple25 são autores que, ao questionarem e criticarem o currículo tradicional elitista divulgaram o ideário crítico do currículo. Suas principais concepções estão voltadas a transcender a ideia de currículo como mero reprodutor de conhecimentos, preparando os educandos para a resolução de problemas sociais atuais e futuros e a compreensão das relações de poder que existem. O estímulo por aprendizagens mais autônomas requer também engajamento docente, capaz de favorecer as potencialidades intrínsecas do aprendiz e articular atividades instigantes. Exemplo disso, no contexto da formação inicial de professores se dá a partir da interligação dos fundamentos e a prática de ações essenciais no processo formativo, a respeito do que se planeja realizar nos momentos de estágios supervisionados, obrigatórios para concluir a graduação em licenciatura, independente da área, de acordo com a legislação brasileira.26 O planejamento dessas aulas sob orientação, pautado na comunicação e troca de experiências, leva a ganhos de autonomia e coerência para o preparo das aulas, pois o professor em formação revisita conteúdos estudados durante o curso e os articula pensando nos momentos futuros (tanto os do estágio como da profissão).27 Tal autonomia poderá refletir histórica e socialmente sobre os conteúdos selecionados e como eles serão abordados no ensino. Nas teorias críticas, o currículo não é visto como local de mera transmissão de conhecimentos que são passivamente absorvidos. Como a sociedade dividida em classes têm interesses antagônicos, a escola reforça e legitima a marginalização cultural (reprodução do capitalismo). Com isso, o fenômeno da violência simbólica ocorre quando os grupos e classes dominantes controlam culturalmente os grupos dominados. E a ruptura com o sistema o desalinha e se torna resistência contra os interesses e ideologias da classe dominante, na perspectiva do que a teorização curricular crítica visa, ou seja, emancipação das classes populares e movimentos contra-hegemônicos.28 Por fim, às teorias pós-críticas, que problematizam o meio social e educacional, desconstruindo saberes culturalmente estabelecidos.29 Emergidas a partir das décadas de 1970 e 1980, convergem princípios da fenomenologia, do pós-estruturalismo e dos ideais multiculturais,22,14 tornando-se dominantes a partir dos anos 2000.30 Tecem críticas às teorias tradicionais, assim como às teorias críticas, trazendo para o centro do debate o sujeito e a construção do seu discurso, desconstruindo paradigmas existentes e consolidados socialmente. As questões de gênero, raça, credo, orientação sexual, etnia, cultura configuram-se como aspectos importantes a serem considerados pelos currículos, favorecendo o sentimento de pertencimento e aproxição do ambiente educacional e tudo o que o rodeia.28 Lopes31 enfatiza que o principal impacto das teorias pós-críticas para o currículo é na questão da política, pois se questiona o sujeito e sua identidade fixa. O significado prático disso é a dissolução dos projetos curriculares cujo ideal é o de formar determinada identidade no educando, questionando as noções técnico-instrumentais pré-definidas. A perspectiva pós-crítica desaprova os preceitos clássicos da visão tradicional, vendo-a como legitimadora dos preconceitos que se estabelecem na sociedade. Logo, as demandas por um currículo multiculturalista se multiplicam, pois as diferenças (de gênero, sexualidade, etnia, raça, região, religião, língua e tantas outras) são abundantes e desenham o cenário contemporâneo social. Conforme corrobora Sacristán12 significa contemplar a diversidade cultural e dos sujeitos. Surge assim a tendência de "[...] considerar que não existe verdadeiro e único conhecimento, isto é, de que há transformações em diversos tempos e lugares".28 Realizando um paralelo entre as três teorias curriculares, observa-se que as teorias tradicionais diferem das críticas e pós-críticas na medida em que estas últimas, em comum, assumem posição no debate social e no papel da educação na redução das desigualdades. As relações de poder, nas teorias críticas, vistas como ideologia, e nas pós-críticas como discurso, afastam-se da visão técnica e questionam o cotidiano, no intuito de dirimir a discriminação e dar visibilidade aos esquecidos e ignorados pelo currículo.22 Nessa direção, é importante observar que as tradições curriculares podem ser rompidas e transformadas.21 A ação docente, nesse sentido, deve criar os mecanismos para, ao ensinar, construir significado ao currículo, materializando nas salas de aula. Esse paradigma pressupõe que a formação inicial se faça com constantes discussões e reflexões, para "[...] participar crítica e criativamente na elaboração de currículos mais atraentes, mais democráticos, mais fecundos"10 A materialização de tais premissas implica investigar sobre as percepções e concepções de professores em formação inicial, ante a necessidade de qualificar suas práticas pedagógicas por meio da reflexão e do debate.32 Ao traduzir os fundamentos teóricos das distintas teorias curriculares o docente manifestará seu compromisso político e social, considerando as contradições da profissão e a superação de tais situações, no convívio com a mudança e a incerteza.33
MÉTODOS A pesquisa é caracterizada como qualitativa,34 visto que busca por meio de dados descritivos chegar a uma compreensão qualitativa subjacente ao contexto investigado. Quanto ao método, pode ser classificada como um Estudo de Caso, afinal, para Yin35 (grifo do autor), "[...] um estudo de caso investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso') em seu contexto no mundo real [...]". Nesse sentido, os dados coletados na pesquisa são oriundos de sujeitos que foram os primeiros a cursarem o currículo do curso investigado. Os questionários, por sua vez, foram um método viável e pertinente de coletar dados, por ser de fácil aplicação, barato e simples à pesquisa. Assim, a coleta de dados ocorreu por meio de dois questionários (Material Suplementar): o primeiro voltado à caracterização do perfil acadêmico e profissional dos licenciandos; e o segundo que buscava identificar os principais procedimentos didáticos utilizados nas disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras que fazem parte do atual currículo do curso e a percepção dos acadêmicos a respeito. Essa classificação das disciplinas deriva do foco que elas possuem, respectivamente, em relação aos conhecimentos químicos e de áreas correlatas (como Física e Matemática), os conhecimentos educacionais/pedagógicos e os que possibilitam a interface/articulação entre os dois domínios anteriores.6,7,36 Ambos os questionários são compostos da combinação de perguntas abertas e fechadas e foram aplicados por meio do recurso oferecido pelo Google Forms. A possibilidade de adaptações dos questionários para o meio eletrônico se fez viável considerando o período de pandemia vivenciado no momento de coletar os dados. Cada um dos instrumentos foi precedido pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responsável por informar acerca da participação dos indivíduos na pesquisa, que foi voluntária e anônima, podendo o(s) sujeito(s) desvincular(em)-se dela a qualquer momento, sem nenhum ônus a qualquer das partes envolvidas. A análise dos dados seguiu os preceitos da Análise de Conteúdo (AC), proposta por Bardin.37 Assim, a classificação das respostas dos licenciandos e dos elementos dos documentos seguiu "[...] operações de desmembramento do texto em unidades [...]",37 buscando agrupá-las de acordo com o sentido que exprimem e as semelhanças entre elas. Emergiram sentidos nas respostas, que foram interpretados e nos quais se inferiram apontamentos com base na literatura escolhida para a discussão. Aliado à AC, as questões objetivas foram avaliadas por meio do valor médio obtido pelo cálculo com a equação da Figura 1. O escalonamento foi gerado a partir de 4 graus de frequência, de acordo com a utilização de determinados aspectos nos grupos de disciplinas que caracterizam o curso. Foram construídos gráficos a partir da tabulação dos dados em planilhas do Microsoft Office Excel®.
Figura 1. Equação utilizada para cálculo da frequência média/ranking médio (RM)38
RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização dos sujeitos da pesquisa A escolha do grupo de estudantes convidados a contribuir com a pesquisa e, de modo consequente, responder os questionários, obedeceu ao critério de serem discentes a partir da primeira turma a cursar (praticamente) todo o currículo implementado em 2017/2 e que fora reformulado seguindo as orientações das DCN de 2015.39 Dado que o propósito maior da pesquisa foi averiguar se o currículo contribui para o desenvolvimento profissional dos futuros educadores químicos, e "como" isso se dá, a escolha dos estudantes que responderam os questionários é justificada por essa condição. Além disso, a seleção de licenciandos para serem questionados, mediante aprovação individual na pesquisa, se restringia àqueles dos níveis finais do curso, ou seja, com um percurso acadêmico já consolidado e cursando, por exemplo, disciplinas alocadas ao final do currículo. A aplicação dos instrumentos foi conduzida enviando o link do primeiro questionário por e-mail, para ser respondido de modo assíncrono pelos licenciandos. No segundo questionário, devido à maior quantidade de perguntas, a coleta das respostas foi realizada de modo síncrono com os acadêmicos, utilizando momentos iniciais de aulas de disciplinas que estavam cursando. O total de licenciandos respondentes foi de 26 no primeiro questionário e 25 no segundo. No tocante ao perfil acadêmico, a maioria do público pesquisado são mulheres (76,9%) entre 23 e 30 anos (77%) que cursaram o ensino médio nas redes privada (46,2%) e pública (42,3%) de ensino, cujo curso de Licenciatura em Química da UFRGS é sua primeira graduação (69,2%). O motivo do ingresso no referido curso foi o prazer em ensinar e ajudar os colegas (61,5%) e porque querem tornarem-se professores (50%). Além disso, cursos de extensão nunca foram feitos por mais da metade do público investigado (53,8%), grande parte deles já foi bolsista (73,1%) e a participação em eventos científicos é significativa (84,6%), dos quais mais da metade também apresentaram trabalhos (53,8%). Por fim, a maioria revelou dedicar quatro horas diárias aos estudos (26,92%), cinco ou três horas (15,38%). Já o perfil profissional traçado denota forte disposição à formação continuada, principalmente a nível de mestrado (65,4%), majoritariamente na área da educação (aprox. 77%) e seus vieses como o Ensino de Química, Ensino de Ciências, Educação em Química, Educação nas Ciências e similares. Ademais, em comum dos dados analisados, há o fato de que os acadêmicos se dedicavam integralmente à graduação (53,8%) no momento que responderam o instrumento 1, ou que trabalhavam em empresas ou indústrias (26,9%). A leitura de legislações básicas para a formação docente foi indicada pelo grupo sondado, assim como notáveis autores da Educação e do Ensino de Química/Ciências foram expostos. Os dados coletados evidenciam semelhanças com outras pesquisas da área, a respeito do predomínio feminino no curso, as faixas etárias predominantes, a busca por pós-graduação posterior à graduação e leituras de referenciais/legislações importantes da formação docente próximos.36,38 Outros aspectos, como motivo de ingresso no curso e carga horária dedicada aos estudos, dentre outros, são particulares ao contexto pesquisado e indicam fatores próprios do perfil dos discentes do curso. Por último, os campos do conhecimento mais proeminentes indicados como importantes ao ensino de Química na Educação Básica foram os de conhecimentos pedagógicos sobre teorias educacionais e/ou de aprendizagem, Química geral, conhecimentos pedagógicos sobre didática escolar, metodologias ativas e/ou práticas diversificadas de aprendizagem, e em CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente). Quanto à situação do(a) acadêmico(a) no curso, mais da metade dos respondentes (13 = 52%) estavam em dia com as disciplinas, enquanto 32% (8 estudantes) possuíam disciplinas atrasadas da parte específica do curso e 16% (4 estudantes) tinham atrasos em disciplinas de formação pedagógica ou articuladoras. Percepções discentes sobre o currículo do curso que frequentam Referente à frequência que determinadas estratégias de ensino são utilizadas pelos(as) professores(as), materiais didáticos e recursos tecnológicos mais utilizados nas disciplinas, instrumentos e métodos avaliativos e a atual estrutura do curso de Licenciatura em Química, a avaliação foi feita de acordo com os grupos de disciplinas: específicas, pedagógicas e articuladoras. Os graus de frequência para cada item foram quatro e cada um recebeu uma pontuação, a saber: sempre (4), muitas vezes (3), poucas vezes (2) e nunca (1). Nos gráficos das Figuras 2 e 3 é apresentado o valor do Ranking Médio (RM) obtido com tal questionamento.
Figura 2. Média de respostas dos licenciandos sobre a frequência de utilização de estratégias de ensino nas disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras do currículo - Parte 1
Figura 3. Média de respostas dos licenciandos sobre a frequência de utilização de estratégias de ensino nas disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras do currículo - Parte 2
É motivo de destaque que as aulas expositivas se sobressaem às demais estratégias de ensino, uma vez que seu valor foi maior que 3 (3,38), demonstrando que "muitas vezes" é o método pedagógico adotado por professores desse grupo de disciplinas. Tradicionalmente, as aulas expositivas estão atreladas à memorização de conceitos e ausência de relações com o cotidiano, o que empobrece a significação e relação da ciência química com o seu redor. Isso, no Ensino Superior de Química, em um curso de licenciatura, pode contribuir para reforçar o paradigma de que as aulas boas são aquelas maçantes, em que, com efeito, o professor contribui para o desinteresse muitas vezes frente aos conteúdos.40-41 Tais apontamentos se relacionam com as perspectivas tradicionais do currículo, quando as estratégias de ensino se restringem a procedimentos mecânicos, na visão de transferir conhecimentos aos discentes, inalterando a forma de ensinar independente o conteúdo. Preocupante também é o fato de os professores não considerarem os conhecimentos prévios dos acadêmicos no Ensino Superior, como já indicam pesquisas encontradas na literatura.42 Nesse viés, a ação docente dentro do currículo entende como desnecessário ao processo de aprendizagem, importando apenas memorizar os novos conceitos, independente o que já sabe/consolidou sobre o assunto. Essas experiências e saberes podem ser aperfeiçoados nos ambientes de ensino e aprendizagem destinados aos licenciandos, pois "os sentidos trazidos pelos estudantes são ampliados e transformados pelas mediações das explicações do professor, sendo marcantes para o avanço do aprender na direção de um significado mais geral".43 Ao serem questionados quanto às estratégias no grupo de disciplinas pedagógicas, os licenciandos atribuíram valor médio acima de 3 em três estratégias: leituras e discussões de artigos ou livros (3,36), aulas expositivo-dialogadas (3,28) e discussões sobre problemas relacionados com a prática profissional docente (3,24). Essa maior frequência demonstra a dispersão no uso de estratégias mais tradicionais, como as aulas expositivas, concentrando as maiores frequências em procedimentos de ensino variados e diferentes. Merece destaque o fato de que o menor índice médio das disciplinas pedagógicas, que foi o de 2,38, na estratégia de coleta dos conhecimentos prévios dos estudantes, é ainda maior do que o valor obtido na mesma estratégia das disciplinas específicas, que foi de 1,60. Aliás, todos os valores de frequência média das estratégias nas disciplinas pedagógicas ultrapassam seis das oito estratégias das disciplinas específicas. Isso assegura que nas pedagógicas há uma considerável diversidade de procedimentos didáticos seguidos e todos com frequência maior de 2,50, exceto o de 2,38, conforme indicado, estando entre "poucas vezes" e "muitas vezes". Nas disciplinas articuladoras os licenciandos indicaram as estratégias de leituras e discussões de artigos ou livros (3,20), aulas expositivo-dialogadas (3,16), discussões de como trabalhar os conteúdos da Química e sua adequação (nível de aprofundamento) para a Educação Básica (3,08) e discussões sobre problemas relacionados com a prática profissional docente (3,04) como as mais comuns de acontecerem nas aulas. As metodologias menos assíduas foram, novamente, a de coleta dos conhecimentos prévios dos estudantes (2,44), seguida pelas aulas expositivas (2,61). Assim sendo, essas práticas curriculares demonstram avançar em direção à perspectiva libertadora e crítica, podendo, com essas estratégias, problematizar visões puramente técnicas dos saberes envolvidos. Frente aos resultados apurados sobre as estratégias de ensino, prevalece a hegemonia de aulas expositivas em disciplinas específicas, realidade já trazida por Passos36 em sua análise. "Muitas vezes" são utilizadas as estratégias de aulas expositivo-dialogadas, discussões sobre problemas relacionados com a prática profissional docente e leituras e discussões de artigos ou livros, tanto em disciplinas pedagógicas como nas articuladoras do currículo do curso. Além dessas condições, o tratamento dos dados trouxe à tona que esses professores "poucas vezes" realizam sondagens a fim de identificar o que existe previamente de conhecimentos por parte dos estudantes, bem como, a resolução de situações-problema, a discussão teoria-prática voltada ao ensino da Química básica e discussões em relação à prática profissional. Sobre os principais materiais didáticos e recursos tecnológicos utilizados nas disciplinas do currículo (Figura 4), os maiores valores de RM encontrados nas respostas asseguram que a utilização de livro base e bibliografias adicionais é preponderante nas disciplinas específicas (3,48). Além disso, nessas disciplinas, há grande frequência de listas de atividades (3,36), utilização do quadro (3,32) e de recursos audiovisuais, como retroprojetor, data show e outros (2,96). O menor valor nessas disciplinas foi para os recursos de informática, cuja pontuação alcançada foi de 2,03, ou seja, "poucas vezes".
Figura 4. Percepções discentes sobre a frequência dos materiais didáticos e recursos tecnológicos nas disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras do currículo
A Figura 4 indica também a supremacia, nas disciplinas pedagógicas, do livro base (2,88), dos recursos audiovisuais (2,84) e do quadro (2,5). A menor periodicidade de ocorrência foi vista em relação às listas de atividades (1,76). Exceto pela diferença de valores neste instrumento didático de listas de atividades, em que existe uma significativa discrepância entre as disciplinas específicas e pedagógicas, os demais itens que mais pontuaram nesses dois grupos foram os mesmos: livro base, quadro e recursos audiovisuais. Nas articuladoras, por sua vez, prevalecem os mesmos materiais didáticos e recursos tecnológicos, mas em ordem diferente de frequência média: recursos audiovisuais (3,08), livro base (2,84), quadro (2,6) e, um novo item sobressai, que são os recursos de informática (2,6). O menor valor médio foi em relação ao uso de apostilas ou polígrafos próprios (1,96 - próximo ao grau de "poucas vezes"). Há uma paridade entre os valores médios dos recursos audiovisuais, sem distinção apreciável frente aos valores (2,96, 2,84 e 3,08) nas três classes disciplinares. O mesmo equilíbrio proporcional acontece entre as disciplinas pedagógicas e articuladoras quando se avaliam os valores médios de concordância frente aos itens de livro base, quadro e apostilas ou polígrafos próprios. Isso representa uma semelhança que, na questão anterior, evidenciou várias estratégias de ensino com frequência muito próxima e, agora, confirma materiais didáticos com incidência prática bastante semelhante. Essas informações corroboram para afirmar que o curso opta por estratégias de ensino e materiais didáticos/recursos tecnológicos coerentes entre si e com o modelo de ensino empregado. Tal cenário associativo entre as estratégias de ensino com os recursos didáticos caracteriza que, nas disciplinas específicas, predominam as aulas expositivas ou expositivas-dialogadas com o emprego repetidas vezes do livro base e do quadro. Nas pedagógicas e articuladoras, o panorama identificado revelou aulas que se afastam dos padrões tradicionais, baseadas em leituras e discussões, exposições teóricas dialogadas, debates acerca de problemas profissionais e quanto à transposição para a Educação Básica. Esses dados vão ao encontro das evidências de materiais didáticos e recursos tecnológicos proeminentes, afinal o trabalho com recursos audiovisuais, livros base, quadro e recursos de informática é provável que seja feito. O grupo de disciplinas específicas atende a pressupostos do empirismo (livro base e quadro para expor e reproduzir conhecimentos já sistematizados historicamente) e as pedagógicas e articuladoras do construtivismo (materiais didáticos e recursos interacionistas voltados ao protagonismo durante as aulas), configurando tendências curriculares tradicionais e críticas, respectivamente. Na sequência, os licenciandos foram indagados quanto aos instrumentos avaliativos que são empregados pelos professores nas disciplinas do curso. Os gráficos com os resultados estão dispostos nas Figuras 5 e 6.
Figura 5. Frequência média dos meios avaliativos das disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras do currículo - Parte 1
Figura 6. Frequência média dos meios avaliativos das disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras do currículo - Parte 2
Fica evidente que a tendência tradicional vista nas disciplinas específicas do currículo é reforçada pela predominância de provas (3,72) como forma de avaliação mais empregada. Nesse tipo de disciplina, a utilização de seminários como forma de avaliar também aparece (2,76), apesar da distância de valores entre a frequência em relação às provas ser discrepante (0,96). As formas avaliativas menos presentes nas aulas são os portfólios (1,20) e a autoavaliação (1,28). Nas disciplinas de caráter específico é onde ocorre a menor frequência nos oito itens respondidos, exceto nas provas (vide Figuras 5 e 6). Isso evidencia a predileção que esse instrumento avaliativo tem entre os professores. Assim sendo, será que unicamente com provas é possível avaliar a construção de significados pelos licenciandos ou o processo cognitivo desempenhado por eles sobre determinado conteúdo? Cabe lembrar que, de acordo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC),44 essas disciplinas são as mais presentes no currículo (46% da carga horária total). Nesse viés, como fica a constituição profissional dos professores em formação inicial quanto aos fundamentos avaliativos que conduzirão no futuro profissional, frente ao que seu curso de licenciatura (re)produz? Com isso, as disciplinas pedagógicas e articuladoras caracterizam um movimento de reverter a ideia de avaliação centralizada apenas nas provas, o que pode ser um importante elemento para embasar uma concepção avaliativa presente no curso e conduzida de diferentes maneiras em todo o processo de ensino e aprendizagem. Nas disciplinas pedagógicas, a avaliação é baseada em trabalhos de pesquisa (3,24), seminários (3,16) e na elaboração de projetos (2,88). O menos constante foi o portfólio (1,68), mesmo que, em particular para esse instrumento avaliativo, as disciplinas pedagógicas ainda são as que mais recorrem a essa estratégia, dada a frequência média encontrada de 1,20 nas específicas e 1,64 nas articuladoras. Nesse último bloco de disciplinas há um padrão semelhante ao das pedagógicas com a presença frequente de vários procedimentos avaliativos, com destaque para a elaboração de projetos (3,08), trabalhos de pesquisa (3,04) e seminários (2,96). A representatividade mais baixa fica a cargo também dos portfólios (1,64) que, de fato, não são explorados como forma de avaliar os acadêmicos nas aulas dessas disciplinas e no curso como um todo. Destacam-se, ainda, as periodicidades de utilização de instrumentos avaliativos cujos valores são próximos nas disciplinas pedagógicas e articuladoras, em praticamente todos os tópicos pesquisados, porque a diferença de valor médio variou de 0,04 (como no item prova) até 0,24 (autoavaliação). Isso representa uma perspectiva que, embora provenha das disciplinas com menor presença no currículo do curso, dadas suas cargas horárias, já simbolizam avanços frente ao que se realiza nas avaliações das específicas e, ao mesmo tempo, proporcionam ao licenciando perceber a valorização de processos avaliativos flexíveis, adaptado ao contexto e compreendendo as diferentes formas de aprender. Além disso, é válido salientar que essas informações, em particular àquelas das pedagógicas e articuladoras, privilegiam o estudante ao estimular diferentes meios de avaliar a aprendizagem, com uma postura do(a) educador(a) menos verificadora e pontual e mais processual e evolutiva frente o desenvolvimento do licenciando. Avaliar, nesse caso, é analisar criticamente a aprendizagem e perceber as dificuldades e avanços no processo, sem necessariamente "dar nota", mas sim fazendo-a qualitativamente, observando avanços diante das atividades desenvolvidas,45 o que pode ser associado ao que as teorias críticas e pós-críticas do currículo buscam. Quanto à contribuição das distintas disciplinas na formação profissional docente, as Figuras 7, 8 e 9 trazem os resultados obtidos.
Figura 7. Contribuições das disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras à formação profissional, segundo os licenciandos - Parte 1
Figura 8. Contribuições das disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras à formação profissional, segundo os licenciandos - Parte 2
Figura 9. Contribuições das disciplinas específicas, pedagógicas e articuladoras à formação profissional, segundo os licenciandos - Parte 3
Como pode ser observado nas Figuras acima, de acordo com as respostas dos licenciandos que participaram da pesquisa, o grupo de disciplinas específicas oportuniza com maior frequência a formação com enfoque na pesquisa científica (3,00) e a formação sólida e abrangente em conteúdos dos diversos campos da Química (2,80). Os itens menos favorecidos considerando tais disciplinas foram a participação em eventos, cursos ou atividades de extensão, voltados ao ensino de Química (1,88), a discussão sobre a importância da formação continuada no processo de desenvolvimento profissional docente (1,92) e o contato com professores que utilizam das estratégias de ensino referendadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (2,00). Frente a esses resultados, algumas semelhanças com a pesquisa conduzida por Passos36 foram observadas, na qual a pesquisadora identificou que as disciplinas específicas mais contribuem na sólida formação dos conhecimentos químicos e no foco à pesquisa científica. Esses itens são essenciais à formação docente e representam dimensões importantes no desenvolvimento de saberes e fazeres da futura prática profissional, afinal "esse conhecimento técnico é reconhecido como essencial para o desenvolvimento de outras habilidades profissionais relacionadas à área de Química [...]".46 Contudo, nesse cenário, o grupo de disciplinas que tem a maior porcentagem de horas no currículo do curso e, por logicidade, poderia desenvolver várias estratégias de ensino, instrumentos didáticos, formas avaliativas e ter alta frequência nas perspectivas formativas de forma integral, não o faz. Em apenas um dos nove aspectos avaliados, as disciplinas específicas se sobressaíram (formação com enfoque na pesquisa científica), chegando à frequência 3 - "muitas vezes". Perante o exposto pelos acadêmicos, nos demais aspectos há menor contribuição dessas disciplinas na formação do professor e no seu desenvolvimento profissional. Por exemplo, o desenvolvimento de postura crítica e reflexiva do professor de Química e a conscientização sobre a importância de relacionar os conteúdos dessa disciplina com outras áreas do conhecimento, obtiveram frequências menores (2,12 e 2,28, respectivamente) quando comparadas com as das disciplinas pedagógicas, articuladoras ou considerando ambas. A tendência da abordagem tradicional já verificada nas análises anteriores também corrobora com o exposto. Conforme Passos36 "estes procedimentos didáticos são claramente vinculados ao modelo tradicional de ensino, característico de um processo de formação academicista". Curricularmente isso denota o esquecimento de outras questões fundamentais a compreensão da realidade profisisonal, principalmente sobre a estrutura social. Os impactos dessas influências precisam ser minimizados à medida que o currículo da formação de professores traga elementos críticos e reflexivos, comprometidos com o alinhamento dos conhecimentos técnicos com os didático-pedagógicos e de ordem prática, responsáveis diretos por bons resultados na escolarização de muitos sujeitos. Logo, frente a tais desafios para a melhoria da formação que a Licenciatura em Química da UFRGS desempenha, um dos aspectos mais significativos visto é o de instigar o avanço no desenvolvimento da formação inicial dos licenciandos e, ao mesmo tempo, continuada dos professores formadores. Os dados revelam contributos destoantes das disciplinas pedagógicas e articuladoras na formação dos educadores químicos em relação aos identificados nas específicas. As pedagógicas trazem quatro aspectos com graus de frequência acima de 3, mostrando que "muitas vezes" são priorizados: o desenvolvimento de postura crítica e reflexiva sobre a função social, política e cultural do professor de Química (3,52), a aprendizagem dos conhecimentos necessários a atividade docente (3,44), a discussão sobre a importância da formação continuada no processo de desenvolvimento profissional docente (3,32) e o contato com professores que utilizam das estratégias de ensino referendadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (3,20). No que diz respeito à participação em eventos, cursos ou atividades de extensão, voltados ao ensino de Química (1,96) foi o pior desempenho das disciplinas pedagógicas. Pode ser feita uma ressalva em relação aos itens do contato com a pesquisa em ensino de Química e a participação em eventos, cursos ou atividades de extensão, voltados ao ensino de Química, cujos valores médios foram de 2,60 e 1,96, respectivamente. Esses dois tópicos, de grande valia à formação do professor de Química, tiveram baixo direcionamento nas aulas das disciplinas pedagógicas. Segundo Passos,36 essa falta de direcionamento pode ocorrer devido essas disciplinas serem compartilhadas com outros cursos, geralmente, outras licenciaturas que necessitam da formação comum em aspectos pedagógicos. Assim, não fomentam, para o licenciando químico, o contato com a pesquisa e a participação em eventos próprios da área. Por conseguinte, nas articuladoras se identificou o melhor cenário frente à colaboração na formação e no desenvolvimento profissional docente. Seis dos aspectos avaliados são priorizados, de modo regular, durante a licenciatura, são eles: o desenvolvimento de postura crítica e reflexiva sobre a função social, política e cultural do professor de Química (3,60), a aprendizagem dos conhecimentos necessários a atividade docente (3,52), o contato com professores que utilizam das estratégias de ensino referendadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica e a discussão sobre a importância da formação continuada no processo de desenvolvimento profissional docente (3,44 em ambas), contato com a pesquisa em ensino de Química (3,36) e a conscientização sobre a importância de relacionar os conteúdos de Química com outras áreas do conhecimento (3,28). Em todos os aspectos o grau de frequência das disciplinas articuladoras é maior do que os graus obtidos nas pedagógicas e específicas, exceto no da formação com enfoque na pesquisa científica. Isso demonstra como essas disciplinas impactam positivamente na formação dos novos educadores químicos. A significativa contribuição delas alavanca a formação profissional, despertando o interesse dos licenciandos por desempenhar sua prática crítica e reflexivamente e prosseguir com os estudos, por meio de formação continuada e pesquisando sobre temas do/no ensino de Química. Apenas a formação com enfoque na pesquisa científica (2,80) e participação em eventos, cursos ou atividades de extensão, voltados ao ensino de Química (2,96) obtiveram menores médias em comparação às demais afirmações, dentro do mesmo grupo de disciplinas. Mas, quando se comparam os três agrupamentos disciplinares, nos itens anteriormente citados, as articuladoras favorecem discussões e estudos perante as demais.
CONCLUSÕES A pesquisa com licenciandos do curso de Licenciatura em Química da UFRGS permitiu elucidar o que vem sendo desenvolvido nas disciplinas do currículo, além de contribuir para discutir e refletir sobre como o curso, por meio de suas disciplinas, aulas e professores, influencia na constituição da identidade docente. É notável que os licenciandos vivenciam, na maior parte da carga horária da graduação, práticas docentes predominantemente conduzidas com base na transmissão conceitual. Também, o estudo revelou a predominância de determinadas dimensões formativas e fortes lacunas na frequência de muitas outras no ensino que é feito nessas disciplinas. Como as experiências vivenciadas implicarão na futura prática profissional, esses dados sinalizam que a proposição futura de ambientes de ensino de participação ativa e aprendizagens significativas é pouco incentivada. As aulas expositivas e baseadas no acúmulo de informações podem contribuir para reforçar concepções nos licenciandos de um ensino tradicional, centrado na teorização excessiva que, como é de conhecimento geral, não gera aprendizagens relevantes, mas prioriza a memorização dos conceitos, que são facilmente esquecidos. Os impactos dessas influências precisam ser minimizados à medida que o currículo da formação de professores traga elementos críticos e reflexivos, comprometidos com o alinhamento dos conhecimentos técnicos aos didático-pedagógicos e de ordem prática. Essas transformações promoverão bases para alcançar um paradigma reflexivo, transformador, reacionário e compromissado com a aprendizagem em todas as instâncias profissionais da formação docente em Química. Os desafios para a melhoria da formação da Licenciatura em Química da UFRGS perpassam instigar o desenvolvimento da formação inicial dos licenciandos concomitante à continuada dos professores formadores, dada sua enorme responsabilidade em manter ou modificar a formação conteudista, disciplinar, descontextualizada e acrítica conduzida curricularmente no curso. Sem a reflexão, sobretudo por parte desses professores, pouco se mudará nesse sentido.
MATERIAL SUPLEMENTAR Os dois questionários empregados nesse estudo estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.
AGRADECIMENTOS Aos licenciandos do curso de Licenciatura em Química/UFRGS, pela participação na investigação, sem os quais não poderia concretizar os objetivos propostos. Também, aos professores das disciplinas que permitiram realizar a obtenção dos dados. E à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelas bolsas de fomento concedidas.
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"Formação cidadã" e "alfabetização científica" são termos empregados por representarem concepções voltadas a formação crítica e a compreensão das interconexões entre sociedade, ciência, tecnologia, educação e cidadania, e seu discernimento nas situações cotidianas; isto é, utilizar do conhecimento científico para tomar decisões e transformar, para melhor, o mundo, utilizando da ciência para potencializar alternativas comprometidas com a igualdade social. 21. Young, M.; Cadernos de Pesquisa 2014, 44, 190. [Crossref] 22. da Silva, T. T.; Documentos de Identidade: Uma Introdução às Teorias do Currículo, 1ª ed.; Autêntica: Belo Horizonte, 2001, p.17. 23. Moreira, A. F. B.; da Silva, T. T.; Currículo, Cultura e Sociedade, 2a ed.; Cortez: São Paulo, 1997. 24. Saviani, D.; Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações, 10a ed.; Autores Associados: Campinas, 2008. 25. Apple, M. 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