JBCS



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Acesso Aberto/TP




Assuntos Gerais


A química e a sífilis: um percurso histórico
Chemistry and syphilis: a historical journey

Rodrigo Régis C. SilvaI,II; Carlos A. L. FilgueirasI,*

I. Departamento de Química, Universidade Federal de Minas Gerais, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil
II. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, 35503-822 Divinópolis - MG, Brasil

Recebido em: 14/06/2023
Aceito em: 29/08/2023
Publicado em: 17/10/2023

Endereço para correspondência

*e-mail: calfilgueiras@gmail.com

RESUMO

The relationship between syphilis and chemistry is remarkable due to its being the first example in western history of a comprehensive attempt by researchers from many countries and cultures to direct their efforts to tackle a serious health problem by means of chemical science. This effort started to take place at the time when the science of chemistry was already beginning to emerge, apart from alchemy. Thus, the fight against syphilis was closely linked to the emergence of iatrochemistry, or medicinal chemistry, which eventually gave rise, centuries later, to chemotherapy. Many of the early iatrochemical compounds in the XVIth century were of mineral origin, and often also synthetic. One of the pioneers of this trend was Paracelsus, who occupies a prominent place in the process. Along the centuries a number of different chemical approaches were attempted to cure syphilis until the advent of antibiotics in the mid-twentieth century, after so much time in which syphilis remained a physical and moral scourge of humankind, challenging all those that endeavoured to find its cure. In this article we recount many fascinating aspects of the application of chemistry in this quest, showing its development in the world as well as in Brazil, throughout its entire history.

Palavras-chave: syphilis; therapeutics of syphilis; chemistry and syphilis; medical chemistry in Brazil.

INTRODUÇÃO

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum, que pode resultar em substancial morbidade e mortalidade caso não seja tratada adequadamente. Estima-se que existam mais de 7 milhões de novas infecções por ano no mundo.1 É transmitida por relação sexual ou através da transmissão vertical (sífilis congênita) durante a gestação ou o parto.2 No Brasil, a última década foi caraterizada por um considerável aumento no número de casos detectados, de 18.243 casos em 2011, para 167.523 casos em 2021.3 A sífilis pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios, que vão desde o aparecimento de feridas no local de entrada da bactéria, geralmente desaparecendo mesmo sem qualquer tratamento (sífilis primária), manchas pelo corpo, mãos e plantas dos pés, que aparecem em até 6 meses após a ferida inicial (sífilis secundária), até lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar à morte, cujos sintomas podem manifestar-se de 1 a 40 anos após a infecção inicial (sífilis terciária).2

A origem da sífilis é controversa. Basicamente, existem duas hipóteses, a pré-colombiana e a colombiana. Na primeira, defende-se a existência da sífilis no Velho Mundo antes das viagens do navegante genovês Cristovão Colombo às Américas. Várias treponematoses já existentes em diversos locais do mundo teriam evoluído até a versão sifilítica. Já na hipótese colombiana, acredita-se que os navegadores da frota de Colombo teriam levado a sífilis das Américas para a Europa em seu retorno ao continente, no ano de 1493. A campanha militar do Rei de França, Carlos VIII, que invadiu Roma e Nápoles nos anos de 1494 e 1495, teria contribuído para disseminar a doença, pois seu exército, composto por diversos mercenários de diferentes nacionalidades, contava com ex-marinheiros de Colombo. Independente da sua origem, a epidemia de sífilis já era uma realidade em toda a Europa no início do século XVI. Conhecida como a doença do outro, do estrangeiro, adquiriu vários nomes ao longo dos anos, como mal francês ou gálico, mal napolitano, mal germânico, mal polaco, mal turco, bem como as expressões mal venéreo, lues venérea ou simplesmente lues.4-6 No Brasil, segundo Carrara (1996),6 até o século XIX, utilizavam-se sobretudo as expressões mal venéreo, mal gálico ou simplesmente gálico. O nome sífilis é atribuído ao escritor e médico italiano Girolamo Fracastoro (1478-1553), que em 1530 publicou a obra Syphilis, sive Morbus Gallicus, na qual introduz o nome da doença. Conta-se uma série de histórias em que um dos seus personagens, o pastor do Haiti chamado Syphilus ou Sífilo, é castigado pela enfermidade. Assim, a sífilis seria a doença de Sífilo.7 O agente causador da sífilis, a bactéria Treponema pallidum, só foi descoberto em 1905 pelos alemães Fritz Richard Schaudinn (1871-1906), biólogo microbiologista, e pelo médico dermatologista Paul Erich Hoffmann (1868-1959). Antes da descoberta de sua etiologia, várias "teorias" foram criadas para tentar explicar a sua ocorrência e origem. À época de sua irrupção na Europa, nos anos finais do século XV, adotaram-se diversas causas para a doença: uma delas era uma explicação astrológica através de conjunções de planetas. Outras associavam o advento da doença como o resultado da relação sexual entre prostitutas e leprosos. Estas suposições, inundadas de superstições e preconceitos, quase sempre atribuíam a propagação da doença às mulheres. A sífilis era considerada um castigo aos pecados da carne, vinculando o feminino ao profano e à promiscuidade.4,6

O início da terapêutica da sífilis, além de diversas substâncias à base de mercúrio e suas variadas formas de aplicação que veremos no decorrer deste artigo, também envolvia uma certa remissão dos pecados, em virtude do forte caráter ético e moral associado à doença. Antes de ser considerada uma doença sexualmente transmissível, ela foi por muito tempo reputada como uma doença sexualmente produzida, através do que se considerou um "mau uso da sexualidade".6

No Brasil podemos verificar inúmeras descrições da doença durante todo o período colonial e imperial, muitas vezes com tentativas de descobrir uma cura. Este texto mostrará exemplos de como a enfermidade esteve presente em diversos autores, que descreveram a realidade brasileira, desde o início da colonização do país, até o século XIX. Ao longo de todo o período houve uma enorme busca por curas, envolvendo todo tipo de terapêutica, assim como ocorria na Europa, num exemplo eloquente da importância da enfermidade em diferentes sociedades.

Tanto terapêuticas à base de produtos naturais como sintéticos foram desenvolvidas e utilizadas pelo Brasil afora, com uso crescente de conhecimentos químicos, até chegar quase aos meados do século XX. Este é um capítulo interessantíssimo que mostra como a química esteve presente, seja de forma totalmente empírica, ou mais "científica", ao longo dos séculos de nossa história.

Provavelmente a mais antiga menção à existência da sífilis no Brasil se deva ao jesuíta Padre Manoel da Nóbrega, vindo para a Bahia com o primeiro governador geral, Tomé de Souza, em 1549. Em uma de suas Cartas Jesuíticas, escrita de Porto Seguro em 6 de janeiro de 1550, e dirigida ao Padre Simão Rodrigues, assim diz Nóbrega:

"[...] esta terra, como já escrevi a Vossa Reverendíssima, é muito sã para habitar-se e assim averiguamos, que me parece a melhor que se possa achar, pois que desde que aqui estamos nunca ouvi dizer que morresse alguém de febre, mas somente de velhice, e muitos de mal gálico[...]"7

Já no século XVII, o médico holandês Willem Pies, ou Guilherme Piso,8 como é mais conhecido entre nós, trazido para Pernambuco por Maurício de Nassau, escreve muito sucintamente em sua obra de 1648, que o morbo gálico havia sido introduzido entre os indígenas pelos europeus. Dez anos depois, em 1658, em nova edição ampliada de seu livro, Piso9 também é lacônico ao falar da lues, ou sífilis, repetindo simplesmente que ela havia sido introduzida no Novo Mundo entre os aborígines.

É nesse contexto que vemos muitas tentativas de achar uma cura para a enfermidade por substâncias químicas, fossem elas naturais ou, pela primeira vez na história, substâncias sintetizadas quimicamente em laboratório. O século XVI foi justamente aquele período em que a alquimia já se encontrava de certa maneira exaurida e bem menos inventiva como ocorrera em séculos anteriores, quando ela contribuíra com inúmeras descobertas de materiais e processos novos sobre a matéria e suas transformações. Surgia, contudo, em seu lugar, a química, que durante bastante tempo veio a ser considerada um braço da medicina, até que na virada do século XVIII ela veio a se constituir como uma ciência autônoma, como a conhecemos desde então. No século XVI vários alquimistas/químicos dedicaram-se a estudar o problema do combate à sífilis, numa união da ciência da matéria com a medicina.

 

A TERAPÊUTICA DA SÍFILIS AO LONGO DA HISTÓRIA

O mais conhecido e notável dos estudiosos mencionados acima foi o suíço-alemão Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (1493-1541), que acrescentou Paracelsus ao nome, para se intitular "além de Celso", um famoso médico romano (25 A.C. 50 A.D.) do primeiro século. Filho de pai médico e tendo sido criado numa região mineira da Europa Central, Paracelso se dedicou tanto ao estudo da medicina como de processos metalúrgicos. Embora não haja certeza de que tivesse recebido um diploma de médico, ele sempre praticou a medicina por vários países europeus durante toda a vida.10 Ao mesmo tempo, ele herdou muito do conhecimento químico dos alquimistas que o precederam.11 Apesar do grande interesse despertado por Paracelso e sua vida polêmica e fascinante, esses aspectos não serão tratados aqui, apenas seu papel no combate à sífilis.

Paracelso tem fama de ter sintetizado um grande número de compostos químicos, embora o único composto metálico inequivocamente comprovado como tendo sido sintetizado primeiramente por ele seja o tricloreto de antimônio, conhecido como "manteiga de antimônio". Apesar de seu descobridor o considerar corretamente como um sal de antimônio, ele o chamava de "mercúrio da vida". Seus seguidores e discípulos, contudo, popularizaram bastante tanto a química como a ação terapêutica do mercúrio e seus compostos.11

O mercúrio parece ter aparecido pela primeira vez como remédio para a sífilis em Consilium, de Konrad Schellig, de 1495/6. O metal era conhecido desde a antiguidade, sendo de fácil obtenção a partir do aquecimento de seu mineral principal, o cinábrio, ou sulfeto de mercúrio.11

Os compostos de mercúrio são proeminentes nos escritos de Paracelso, numa época em que se usava tanto o metal como seus compostos no tratamento da sífilis. Todavia, ele condenava o uso do metal por ingestão, sobretudo nas grandes quantidades usadas, de dezenas de gramas, recomendando que se usassem seus derivados. Johannes Herbst Operinus, um discípulo, afirma que Paracelso preferia usar um pó precipitado, possivelmente o óxido, HgO.11

É bastante ilustrativo consultar um livro original do século XVI de autoria de Paracelso, mesmo publicado após sua morte, isto é, em 1568. Trata-se de De Vita Longa,12 com mais de 350 páginas mais vários anexos, como uma biografia do autor e comentários de Leo Suavius, que saiu à luz em Basiléia, na Suíça, em latim. Nesta obra, Paracelso escreve detidamente sobre o mercúrio, seus compostos e usos médicos, sobretudo na parte sob o título de "as essências mercuriais nas doenças venéreas" (mercuriales essentiae ad venerum morbum). Um dos prefácios deste livro se deve a um grande admirador de Paracelso, o notável humanista renascentista Desidério Erasmo, mais conhecido como Erasmo de Rotterdam (1466-1536), que havia sido tratado e curado pelo médico suíço.

 


Figura 1. Frontispício do livro de Paracelso intitulado De Vita Longa, publicado em Basiléia em 1568, no qual ele discute o uso do mercúrio e seus compostos no tratamento da sífilis (fonte: coleção particular)

 

De modo geral, o mercúrio foi muito utilizado na terapêutica da sífilis até o início do século XX. Acreditava-se que por sua ação diurética, catártica e que induz a salivação, o chamado "vírus sifilítico" poderia ser excretado do organismo. Os modos de administração variavam desde fumigações através do vapor de sua forma elementar, como por via oral, cutânea e injeções intravenosas. Entre os sais inorgânicos de mercúrio, podemos citar o cloreto mercúrico (HgCl2), conhecido como mercúrio sublimado ou sublimado corrosivo, por suas ações nos tecidos biológicos. Era misturado a gorduras para produzir um tipo de unção, que quando aplicada, causava ulcerações. Outro sal inorgânico a base de mercúrio muito utilizado na terapêutica da sífilis foi o cloreto mercuroso (Hg2Cl2), também denominado mercúrio doce ou calomelano, administrado por via oral, injeções e pomadas.13 Nas fumigações, utilizava-se cinábrio, ou sulfeto de mercúrio (II) - HgS, nas quais o doente era posto numa cabine sobre uma estufa, de tal sorte que respirava os vapores de mercúrio produzidos, o que levava com o tempo a uma enorme quantidade de problemas oriundos do envenenamento por mercúrio, que podia causar paralisia ou morte.14

 


Figura 2. Representação do século XVII de alguns tratamentos utilizados para a sífilis, como a fumigação com mercúrio e a administração de substâncias eméticas ou indutoras de salivação15

 

O tratamento mercurial da sífilis sempre foi controverso, com eficácia duvidosa e causando intensos efeitos colaterais. Uma das primeiras alternativas ao uso do mercúrio foi a árvore da espécie Guaiacum officinale, conhecida como guaiaco e pau-santo, nativa da América Central. É considerada a flor nacional da Jamaica. Acreditava-se que a cura de uma doença proviria do local de sua origem, considerando a hipótese colombiana para a sífilis. Devido a sua ação sudorífica e diurética, supunha-se que o agente causador da doença poderia ser eliminado.16 A importação do guaiaco e sua madeira na Europa era controlada pelos banqueiros mais poderosos do continente, os Fugger, aliados do Imperador Carlos V. Os adeptos do uso da substância natural eram os "herbalistas" ou "galenistas", enquanto aqueles que defendiam a aplicação do mercúrio eram os "metalistas". Por volta de 1528/29, no auge da carreira de Paracelso, os Fugger não tinham qualquer interesse na venda de mercúrio, e sim de guaiaco, e faziam uma campanha intensa em favor de seu produto. Paracelso, porém, dizia que a sífilis era uma doença "mercurial", e por isso a madeira do guaiaco não teria efeito contra o mal. Em consequência da controvérsia e do jogo de interesses, o ponto de vista dos herbalistas foi o que predominou naquele momento, de tal sorte que as formulações à base de mercúrio só tiveram maior voga tempos depois.17 Com o tempo, porém, a influência de Paracelso e seus seguidores foi decisiva para levar a que se desconsiderasse a autoridade dos autores antigos, como Aristóteles ou Galeno, e houvesse uma ênfase maior na observação e na experimentação, o que contribuiu para um grande progresso no uso da química sintética na medicina, ou seja, da iatroquímica, ou química medicinal.10

Em relação ao guaiaco, sua madeira era ralada, e após a obtenção de um pó fino, era misturado à água para posterior decocção. Há relatos na literatura que também se utilizava a mistura sem o aquecimento.16 Ele logrou considerável reconhecimento ao longo do século XVI. Estima-se que vinte e uma toneladas de madeira do guaiaco tenham chegado a Sevilha entre os anos de 1568 e 1608, provenientes da América Espanhola.18 O tratamento envolvendo o guaiaco incluía diarreia induzida, sudorese profusa, jejum e repouso por quarenta dias em um quarto escuro e quente. A resina de sua madeira é constituída por diversos tipos de compostos fenólicos, dentre eles o ácido alfa-guaiacônico, utilizado atualmente na detecção de sangue oculto em fezes.19

 


Figura 3. Representação do século XVI de uma terapia utilizando a madeira do guaiaco20

 

O combate à sífilis teve protagonistas em diversas partes do mundo, e nosso país dela participou. Na primeira metade do século XVIII, o cirurgião português Luís Gomes Ferreira, que viveu por mais de duas décadas em Minas Gerais, teve a oportunidade de relatar em livro sua experiência médica na colônia. Ferreira atuou na região mineira do ouro de 1710 a pouco depois de 1730, quando retornou a Portugal. Lá ele publicou seu livro Erário Mineral21 em 1735, o qual viria a ter uma segunda edição em 1755. Sua volumosa obra é bastante abrangente e é um caso fascinante de um profissional que não hesita em acrescentar à medicina europeia do tempo muitos procedimentos e curas aprendidos por observação e experimentação com os indígenas e africanos, para o tratamento de doenças tropicais inexistentes na Europa.22 Ele dedica também muito espaço no livro ao tratamento da sífilis e de outras doenças venéreas, que eram muito comuns no território das minas do ouro, onde ele vivia. O Erário Mineral está repleto de relatos de casos médicos e das terapêuticas usadas, tanto pelo uso de medicamentos obtidos de plantas, como a salsaparrilha, sene e jalapa, quanto de produtos minerais, como o mercúrio e seus sais. No capítulo III, que é intitulado "Dos remédios contra o gálico", que cobre da página 305 a 329, discutem-se as doenças venéreas em geral, assim como seu tratamento, particularizando especialmente o caso do "gálico", ou sífilis. Para demonstrar sua aversão ao uso de mercúrio, ou azougue, assim diz ele sobre os efeitos maléficos do mercúrio ingerido por doentes:

"[...] nunca fui inclinado a aplicá-lo a doente algum, maiormente vendo os maus sucessos de quem o tem tomado; considerando também algumas caveiras, que tenho visto trespassadas, e banidas do azougue, e alguns ossos de defuntos, que por curiosidade vi de homens, que tinham tomado azougue, todos furados [...]." (Ferreira, edição fac-similar, 1997)21

A citação acima é de certa maneira surpreendente ao mostrar a preocupação do médico em pesquisar as sequelas do tratamento da sífilis pelo mercúrio, examinando os ossos dos doentes após seus óbitos. Em seguida, ele descreve vários casos médicos em que o mercúrio acabou causando mais danos que curas. Quanto às drogas derivadas do mercúrio, sua simpatia só alcança o calomelano, ou "mercúrio doce", do qual diz: "quem tomar este remédio, poderá estar certo, que há de sarar de todo o gálico que tiver porque é cura seguríssima, por ficar o mercúrio bem sublimado, e sem acrimônia alguma..." (Ferreira, edição fac-similar, 1997).21 Em seguida, ele continua a exaltar as propriedades benéficas do calomelano, ou cloreto mercuroso.

Mais de uma geração após o surgimento do Erário Mineral de Luís Gomes Ferreira, publicou-se em Lisboa outro livro de medicina de um cirurgião português com vasta experiência na região mineira do Brasil. Trata-se do Governo de Mineiros, de José Antonio Mendes,23 em que a palavra "Governo" está tomada na acepção de "tratamento". Este é um livro interessante, que saiu à luz em 1770 e busca ensinar a automedicação a uma população carente da presença de profissionais de saúde. Ele foi republicado em edição moderna comentada no ano de 2012. No livro de Mendes, o último capítulo, de número XV, é uma longa lista de remédios para diversas afecções, assim como seus usos e aplicações. Um dos verbetes se intitula "Queixas para que serve a manteiga de antimônio, e do modo como se deve aplicar". Vê-se aqui o aparecimento no Brasil de uma aplicação do composto sintetizado mais de duzentos anos antes por Paracelso, e aparentemente ainda usado, a "manteiga de antimônio", ou tricloreto de antimônio, que é recomendado na terapêutica da sífilis. Assim diz o texto de Mendes:

"Para chagas gálicas, principalmente para as das partes fracas, tanto em homens como em mulheres, a que o vulgo chama cavalos, tocando-as com uma pena molhada nela três ou quatro dias: com advertência que, se a parte em que as chagas estiverem, estiver vermelha, isto é, inflamada, e houver dor grande, primeiro lhe deveis usar de lavatórios, e panos de cozimento de malvas, violas e tanchagem, aplicando-lhes em cima as mesmas ervas cozidas: e este remédio só se usa uma vez cada dia, e se põe somente com a rama de uma pena untada nele." (Mendes, edição moderna comentada, 2012)23

Saltando no tempo, se quisermos tentar monitorar algumas das substâncias mercuriais com potencial terapêutico para a sífilis que eram comercializadas no Brasil-Reino e Brasil-Império, podemos consultar o "Regimento dos Preços dos Medicamentos Símplices, Preparados e Compostos",24 do ano de 1818. Este documento tinha caráter regulatório, buscando padronizar os preços adotados pelos boticários da época. Seguem alguns exemplos encontrados, relacionados na Tabela 1.

 

 

Já no Brasil imperial, um outro caso bastante interessante foi o cuidado e a meticulosidade de um grande naturalista alemão do século XIX, Karl Friedrich Philipp von Martius, que veio para o Brasil junto com Johann Baptist von Spix, na comitiva da então Princesa Leopoldina da Áustria, que se casaria no Rio de Janeiro com o herdeiro do trono, o futuro D. Pedro I. Os dois naturalistas viajaram pelo Brasil por três anos, cobrindo um extenso percurso, e depois escreveram bastante sobre o novo país. Spix morreria prematuramente após seu retorno à Alemanha, mas Martius teria vida longa e bastante produtiva cientificamente, deixando-nos uma obra gigantesca sobre a flora brasileira. Entre suas várias outras produções, destaca-se o livro publicado em 1843, em latim, sob o título de Systema Medicae Vegetabilis Brasiliensis, que acaba de ser traduzido e publicado no Brasil, com o título de Plantas Usadas pelos Brasileiros e suas Substâncias Medicinais.26 Na obra de Martius estão descritas 799 plantas, na maioria nativas do Brasil, mas também aqui aclimatadas, das quais 22 fazem menção à sífilis em seus nomes ou usos. São descritos procedimentos diversos que envolvem decocção, infusão e extrato das folhas, cascas ou raízes de espécies como a "caroba de flor verde" (Cybistax antisyphilitica Mart.), "manacá ou mercúrio vegetal" (Franciscea uniflora Pohl), "tayuyá, tayoiá ou abobrinha do mato" (Cayaponia diversifolia Cogn.), "ipê branco" (Patagonula vuneraria Mart.), "sebipira ou sucopira" (Bowdichia virgilioides Kunth), dentre outras. Apesar do livro ter um caráter predominantemente botânico, há certo esforço do autor em fazer a classificação química de algumas plantas, mesmo que de forma incipiente, como relatado por ele na apresentação de sua obra:

"Em verdade, muito frequentemente a divisão química apresentada aqui se faz de maneira relacionada às doenças, uma vez que a maior parte das plantas medicinais brasileiras ainda não foi investigada pelos químicos. De fato, me utilizei de análises que chegaram até mim, publicadas por outros químicos e também pelo grato apoio do meu irmão Theodoro Martius, professor de farmácia, na Universidade de Erlangen. Ele analisou quimicamente diversas plantas brasileiras que lhe repasse, e ainda hoje se ocupa dessas questões." (Martius, edição traduzida do latim para o português, 2023)26

Entre as várias formulações vendidas no Brasil como antissifilíticas, à base de substâncias de origem vegetal, a Figura 4 representa uma delas - de Tayuyá - anunciada em 1892 no tradicional Almanak Laemmert, considerado um dos primeiros almanaques publicados no Brasil. Nota-se que há uma ênfase na menção "sem mercurio", o que corrobora a controvérsia do tratamento mercurial.

 


Figura 4. Anúncio comercial de "formulação antissifilítica de origem vegetal"(fonte: Almanak Laemmert, 1892)27

 

A fim de analisar o discurso médico sobre o tratamento da sífilis no Brasil nos albores da República, vale a pena mencionar uma tese da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, defendida em 1892 por Alfredo Garção Stockler de Lima,28 intitulada "Influencia da Syphilis no Casamento". Das páginas 66 a 69, ele defende o uso do mercúrio como a melhor opção no combate à sífilis, inclusive na terapia em gestantes. Assim ele diz:

"Com effeito, em presença dos resultados maravilhosos obtidos pelo mercurio, faz admirar a lentidão com que tem evoluído idéa tão simples. O mercurio, esse precioso medicamento nas mãos de quem sabe manejal-o tem sido accusado de como capaz de provocar o aborto. Vê-se mesmo até hoje o terror que inspira aos doentes, quando se quer prescrevel-o. Este terror provém sem duvida dos terriveis accidentes que provocava sua administração nos tempos antigos, em que esforçavam-se para obter o que hoje procuramos evitara salivação mercurial. Pela maioria dos medicos está hoje reconhecido que seu emprego é util no tratamento de mulheres gravidas e que, longe de provocar o aborto, é o unico capaz de poder prevenil-o." (Lima, 1892)28

Em relação ao tempo de tratamento em grávidas, o autor diz: "O tratamento deve durar tanto quanto a prenhez". Sobre os compostos mercuriais indicados, Alfredo Lima assim prescreve:

"Uma das preparações mais empregadas antigamente era o licor de Van-Switan; porém entre as mulheres gravidas o sublimado corrosivo, que entra neste licor, irrita a muccosa gastrointestinal e não é mais tolerado. Hoje dá-se preferencia ao protoiodureto de mercúrio, o qual é melhor supportado. Prescreve-se na dóse de 5 a 10 centigrammas por dia, no começo ou uso das refeições. O xarope de Gibert, composto essencialmente de bi-iodureto de mercurio e iodureto de potássio, é também em certos casos uma preparação bem tolerada." (Lima, 1892)28

A associação dos compostos de mercúrio com o elemento iodo, especialmente na forma de iodeto de potássio, foi prática comum no tratamento da sífilis desde o segundo quartel do século XIX, sobretudo na sífilis terciária.16

A ação do iodo era comumente considerada adjuvante ao mercúrio, como nos diz uma tese médica portuguesa de 1904, de José Silverio, apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto:

"[...] o mercúrio exerce uma acção destruidora sobre o agente productor da syphilis e suas toxinas. O iodo actua d'uma maneira indirecta (...). Como medicamento indirecto que é, actua, pois, estimulando a actividade nutritiva, as trocas organicas, o appetite, regularisando os actos digestivos, etc. É em consequencia deste aumento de actividade nutritiva produzida pela administração dos preparados iodados, que o organismo adquire maior coefficiente de resistencia organica, eliminando o virus syphilitico, o que determinará a sua cura. O fim que se deseja obter com essas duas medicações é destruir e eliminar o virus syphilitico..." (Silverio, 1904)29

Para se aquilatar como a terapêutica baseada no mercúrio teve vida longa até bem dentro do século XX, podemos lançar mão do que nos diz um dos livros médicos mais conhecidos do século XIX, usado no Brasil por muitas décadas. O Dr. Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, forma aportuguesada de seu nome original polonês, Piotr Ludwik Napoleon Czerniewicz (1812-1881), viveu muitos anos no Brasil, de 1840 a 1855. Um ano após sua chegada, lançou a primeira edição de seu Formulário e Guia Médico, que teve 19 edições por mais de oito décadas, mesmo depois de sua transferência para a França em 1855, e até após sua morte. O livro foi um verdadeiro vade-mécum para médicos e leigos e, entre outras coisas, ensinava a automedicação à população. A obra se tornou bastante popular e um grande êxito editorial.

Na edição de 1890, que é a 14a, ele utiliza 14 páginas, de 533 a 546, discorrendo sobre o mercúrio, seus inúmeros compostos, e como usá-los no combate à sífilis. Logo no início ele diz: "O mercúrio é um remédio específico das moléstias sifilíticas..." (Chernoviz, 1890)30 e, mais adiante: "os sintomas primitivos da sífilis saram às vezes sem mercúrio, mas está bem provado que a sífilis consecutiva é mais comum quando os sintomas primitivos não foram combatidos pelas preparações mercuriais".30 Entre os inúmeros compostos de mercúrio descritos, um que chama a atenção é o "cyanureto" ou "cyaneto" de mercúrio, em sua ortografia. Após alertar para a toxicidade deste sal, ele acrescenta que ele "deve ser empregado com muita prudência",30 receitando uma dose de 3 a 25 miligramas por dia, em dissolução ou em pílulas.

 


Figura 5. "Cyanurol M", formulação farmacêutica à base de cianeto de mercúrio (II), utilizada contra a sífilis no Brasil (década de 1920). Administrado por injeções via intramuscular. Cada ampola continha 10 mg de cianeto de mercúrio. Havia também a versão "Cyanurol V", administrada por injeções via intravenosa (fonte: Centro de Memória da Farmácia, UFMG)

 

As águas minerais também participaram da terapêutica da sífilis ao longo dos anos, seja pelo seu uso em banhos termais, seja pela sua ingestão. O uso da água como recurso terapêutico recebeu diversas denominações, como termalismo, balneoterapia, crenoterapia e hidroterapia.31 No Brasil, por exemplo, Frutuoso (2013)32 em seu artigo "História da Sífilis na Marinha do Brasil", relata a indicação de "dois meses de tratamento em uma estação de águas sulfurosas" para um tenente da Marinha diagnosticado com sífilis na segunda metade do século XIX. Recorrendo-se a outra tese médica portuguesa, de 1909, intitulada "Tratamento Hydrosulfuroso da Syphilis",33 o formando na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Arthur Teixeira de Lima, assim conclui acerca da atuação das águas sulfurosas no tratamento da sífilis:

"As aguas sulfurosas desempenham no tratamento da syphilis um papel adjuvante que têm grande importância. Esse papel adjuvante desempenham-no de duas maneiras: já contribuindo para a amelioração do estado geral do doente, já permitindo o emprego de doses consideraveis de mercurio, sem que se tenham a temer accidentes toxicos. O não apparecimento de phenomenos toxicos, nos doentes submettidos ao tratamento sulfuroso, deve-se á rapida passagem que o mercúrio faz pelo organismo sob influencia da acção solubilisante das aguas. O tratamento hydro-mineral deve fazer-se concomitantemente com o tratamento mercurial." (Lima, 1909)33

Joaquim Monteiro Caminhoá34 (1836-1896), médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1858, professor de botânica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, publicou em 1890 o trabalho "Estudo das Aguas Mineraes do Araxá, Comparadas às Congeneres de Outras Procedencias". Esta obra exalta as qualidades das fontes de água mineral da cidade mineira de Araxá, e apesar de ter o foco no seu uso para o tratamento da tuberculose, o autor demonstra o resultado de suas análises químicas realizadas no laboratório de higiene da então Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da Casa da Moeda, confirmando elevado teor de enxofre e de sais minerais em geral, classificando-as como "as mais ricamente mineralisadas do Brazil", (Caminhoá, 1890)34 tornando-as comparáveis e até superiores às melhores fontes europeias em relação à composição química e propriedade terapêutica. Estas águas possuem "copiosamente gaz sulphidrico, que além de microbicida poderoso, activa rapidamente o appetite aos enfermos em pouco tempo, e bem assim o gaz carbônico".34 O autor conclui que, além da tuberculose, as águas de Araxá são "preciosas" no tratamento de diversas moléstias como a sífilis. Em Minas Gerais, como demonstra o trabalho de Schreck (2017),35 a criação da atual Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) obteve apoio financeiro do governo estadual sob a condição de inclusão da cadeira de Crenologia como disciplina obrigatória no curso de medicina, permanecendo em sua grade curricular de 1929 a 1965. Seu conteúdo programático incluía os seguintes temas: "química e física das águas minerais; classificação das águas minerais; mecanismo de ação das águas minerais; águas minerais brasileiras; crenoterapia das moléstias dos diversos órgãos e aparelhos do corpo humano."35 O objetivo do governo mineiro era "formar médicos que estivessem capacitados para a prescrição das águas minerais no tratamento de doenças e legitimar o uso terapêutico desse recurso natural",35 já que Minas Gerais já gozava àquela época de considerável reputação do caráter curativo de suas águas para diversas doenças, dentre elas a sífilis e as lesões de pele em geral.35

Outro agente terapêutico para a sífilis que se destacou na história foi o elemento arsênio. Seu uso medicinal é relatado desde a antiguidade, bem como o seu caráter tóxico, tornando-o um veneno popular. Assim como o mercúrio, adquiriu status de panaceia. Os compostos arsenicais foram utilizados para diversos fins, seja no tratamento de dermatoses, malária, asma, "problemas" de estômago e "dos nervos", até prescrito como tônico e fortificante.36 Gontijo e Bittencourt36 relatam os diversos anúncios de medicamentos para a sífilis, à base de arsênio, que se fizeram presentes na primeira edição dos Annaes Brasileiros de Dermatologia e Syphilographia, publicada em janeiro de 1925, confirmando o apogeu do arsênio na terapêutica da sífilis no primeiro quartel do século XX.36,37 O uso deste elemento no combate à sífilis é considerado um marco na farmacologia, resultado dos trabalhos do médico alemão Paul Ehrlich (Figura 6).

 


Figura 6. Paul Ehrlich (1854-1915), médico alemão considerado o precursor da quimioterapia. Ao lado do químico orgânico alemão Alfred Bertheim (1879-1914), sintetizou centenas de compostos de arsênio em busca de sua "bala mágica", dentre eles o Salvarsan, muito utilizado no combate à sífilis38

 

Reputado como o pai da quimioterapia moderna, Ehrlich formulou conceitos que ajudaram no desenvolvimento de outras áreas biomédicas, como a hematologia e a imunologia. Foi laureado com o Prêmio Nobel de Medicina em 1908 em "reconhecimento ao seu trabalho sobre imunidade",39 dissertando sobre como os anticorpos ou "antitoxinas" eram produzidas no corpo e suas respectivas afinidades químicas com os antígenos ou "toxinas", fazendo com que as últimas fossem neutralizadas pelas primeiras.40 Ainda como estudante de medicina, Paul Ehrlich já demonstrava grande interesse pela química dos corantes. Seu primeiro trabalho publicado foi sobre o uso da anilina em técnicas microscópicas. Seu doutoramento versou sobre a teoria e prática das colorações histológicas. Após suas pesquisas, que lhe renderam o Prêmio Nobel na área de imunologia, retomou os trabalhos acerca dos corantes no combate às infecções, com a obstinada ideia da toxicidade seletiva, onde a substância possua ação contra os microrganismos sem ter efeito prejudicial às células do organismo. Seus trabalhos iniciais focalizaram a ação de corantes contra protozoários do tipo tripanossoma.41 Em 1905, após conhecer a publicação do pesquisador canadense da Escola de Medicina Tropical de Liverpool Harold Thomas (1875-1931), da atividade antitripanossômica do ácido (4-aminofenil)arsônico, substância conhecida como Atoxyl - por ser menos tóxica do que os compostos arsenicais inorgânicos - promoveu, com o químico orgânico alemão Alfred Bertheim, centenas de modificações estruturais na molécula do organoarsênico, a fim de encontrar a sua sonhada "bala mágica", que fosse nociva aos agentes infecciosos sem gerar efeitos colaterais.42 Até então, o tratamento das tripanossomoses com o Atoxyl exigia altas doses da substância, acarretando recorrentes casos de cegueira.43 Segundo Benchimol,44 o médico Harold Thomas, responsável por divulgar a ação do Atoxyl contra os tripanossomos, publicou os trabalhos finais a esse respeito quando já estava no Brasil, enviado em 1905 para Manaus no intuito de estudar a febre amarela. Riethmiller42 em seu artigo "Erlich, Bertheim and Atoxyl: The Origins of Modern Chemotherapy", enfatiza o papel imprescindível do químico Alfred Bertheim nas diversas sínteses dos compostos orgânicos de arsênio a partir do Atoxyl, sendo Bertheim responsável por elucidar a estrutura correta deste último, divergindo inclusive do primeiro a sintetizá-lo, o químico francês Antoine Béchamp (1816-1908) em 1863.42 A chegada do microbiologista japonês Sahachiro Hata (1873-1938) em 1909 para compor a equipe de Ehrlich em Frankfurt foi decisiva para avaliar a atividade microbicida dos arsenicais sintetizados.41 O cientista japonês tinha sido enviado pelo seu professor Shibasaburo Kitasato (1852-1931), médico japonês responsável pela descoberta de uma antitoxina que combate a bactéria causadora do tétano, em cuja homenagem foi dado o nome ao balão Kitasato.45 Hata era especialista em infecções experimentais por Treponema pallidum em coelhos e testou a eficácia dos diversos derivados arsenicais sintetizados e suas respectivas toxicidades. Concluiu que o composto que correspondia à síntese de número 606, era a mais eficaz contra a sífilis. Denominado Arsfenamina, este começou a ser comercializado em dezembro de 1910 com o nome de Salvarsan - o arsênio que salva.41 Neste mesmo ano, antes até da sua comercialização, já era possível observar referências ao novo medicamento nos periódicos médicos brasileiros. No periódico Brazil-Medico, há citações como "A preparação do 606",46 "O preparado de Ehrlich-Hata ou 606",47 e até mesmo o seu nome químico utilizado à época "Technica da injecção do dioxy-diamido-arseno-benzol (606)"48 ou simplesmente "O emprego do arsenobenzol (606) nas lezões occulares da sífilis".49

 


Figura 7. Recorte do periódico Pharol (Juiz de Fora, MG), de 01 de dezembro de 1910, anunciando o Salvarsan50

 

Segundo Carrara (1996),6 os compostos orgânicos de arsênio na terapêutica contra a sífilis, especialmente o Salvarsan, foram recebidos com bastante entusiasmo. No Brasil não foi diferente. Segundo o autor, em 1913, o conhecido médico brasileiro à época, Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947), afirmou que o tratamento arsenical faria a sífilis desaparecer em até cinquenta anos.

 


Figura 8. Anúncio do Salvarsan no periódico A Província (Recife, PE), em 01 de janeiro de 191151

 

Um fato curioso foi a maneira inicialmente proposta de dissolução do "606", um sólido amarelado que devia ser solubilizado para ser aplicado através de injeções. Recomendava-se 10 a 20 gotas de metanol, seguida da adição de solução de hidróxido de sódio. O ácido acético era utilizado para neutralizar a mistura, adicionando gotas de fenolftaleína para conferir a neutralidade da "solução".52 Houve posteriormente uma modificação no procedimento de dissolução do fármaco, suprimindo o metanol, "responsável por acidentes". A fenolftaleína também é substituída pelo papel de tornassol.53 Esses problemas com a produção da solução injetável do Salvarsan, fizeram com que Ehrlich buscasse um aprimoramento, uma versão mais hidrossolúvel e considerada menos tóxica, o Neosalvarsan ou o composto número 914.42 As estruturas químicas desses compostos orgânicos à base de arsênio citados acima estão representados a seguir, no Quadro 1.

 

 

 


Figura 9. Publicação sobre Paul Ehrlich logo após a sua morte, no periódico carioca Fon Fon, na edição de 6 de novembro de 191554

 

 


Figura 10. Anúncios do Trepol e do Neo-Trepol no jornal A Noite (RJ), respectivamente em 28 de janeiro de 192256 e 20 de janeiro de 192357

 

Os compostos arsenicais logo tiveram sua eficiência e atoxicidade questionadas. A longa duração dos tratamentos, durando meses, e os frequentes efeitos colaterais relatados, fizeram com que o arsênio perdesse fama na terapêutica contra a sífilis. Uma publicação que descreve esta situação foi a do semanário carioca Fon Fon sobre Paul Ehrlich, logo após a sua morte, em 1915 (Figura 8). No pequeno texto do periódico, na seção "Perfis Internacionais", relata-se que apesar do sucesso inicial do Salvarsan e depois do Neosalvarsan, o médico alemão pôde ainda em vida, verificar a "reabilitação do mercúrio", confirmando a comum associação dos compostos de arsênio com os mercuriais na segunda década do século XX.16

No início dos anos 1920, surge um novo agente terapêutico para a sífilis, o bismuto, que àquela época, já tinha certa eficácia na chamada "espirilose das galinhas", além do seu uso em afecções gástricas e como agente cicatrizante em lesões cutâneas. Constantin Levaditi55 (1874-1953), médico romeno considerado um dos introdutores do bismuto na terapêutica da sífilis, preconizou o uso do "tártaro-bismutato de potássio e sódio" em suspensão oleosa, comercializado com o nome de Trepol, e posteriormente, uma suspensão oleosa de bismuto metálico, o Neo-Trepol.

Durante a década de 1920, observou-se um grande número de compostos à base de bismuto sendo sintetizados e comercializados como antissifilíticos em todo o mundo, através de suspensões oleosas, aquosas e soluções aquosas.58 Na edição do Brazil-Médico de 18 de fevereiro de 1922,59 na seção "Trabalhos Originaes", há um artigo intitulado: "Um novo sal de bismutho, novo espirillicida - sua função na syphilis e em outras affecções cutâneas". Nele, os autores Paulo de Figueiredo Parreiras Horta e Paulo Ganns, respectivamente lentes de microbiologia e química orgânica da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, precursora da UFRRJ, relatam a síntese e o estudo da ação antissifilítica do "tartaro-bismuthato de sódio", denominado por eles de Natrol. No artigo, os autores relatam as vantagens do Natrol em relação ao Trepol, o "tartaro-bismuthato de potassio e sodio" recomendado por Levaditi e Sazerac. Segundo os autores, o Natrol era menos tóxico do que Trepol, pois não continha potássio, "pois os saes de potassio são mais toxicos, e nos liquidos do organismo, os saes predominantes são os de Na". O Natrol também possuía maior solubilidade em água, "pois os "saes de potassio com o acido tartarico são muito menos soluveis na água que os correspondentes saes de sodio". Além destes, os autores relatam que um outro motivo de sintetizarem o Natrol era o desejo de "obter um sal mais rico em Bi; pois sendo o peso atomico do potassio 39 e o do sodio 23, substituindo aquelle por este no tartaro-bismuthato de potassio e sodio, augmentariamos o theor de Bi, dando portanto um sal mais rico em Bi e menos toxico."

 


Figura 11. (acima) Anúncio do Natrol no jornal O Dia (Curitiba, PR), em 19/09/1924.60 (abaixo) Anúncio do Natrol no periódico Sciencia Medica: Revista Brasileira de Medicina e Sciencias Affins (RJ), em 30/06/192561

 

Minas Gerais participou ativamente da chamada "bismutoterapia" para a sífilis no Brasil. O médico ouro-pretano Antônio Aleixo (1884-1943), um dos fundadores da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte e catedrático da cadeira de Clínica Dermatológica e Sifilográfica da mesma instituição,62 em comunicação no dia 12 de maio de 1923 à Sociedade de Dermatologia de Belo Horizonte, da qual foi também fundador, ressaltou que era o "bismutho metal" o responsável pelo valor terapêutico contra a sífilis, independente da substância em que o elemento estivesse inserido. Alegou que sua conclusão coincidia com as de Levaditi, publicadas em França no ano anterior, recomendando o "bismutho elementar" na forma do Neotrepol. Com a ajuda de um dos químicos do Laboratorio de Analyses do Estado de Minas Geraes, Antônio José de Almeida, produziu uma preparação de "bismutho metalico precipitado" a partir do "azotato de bismutho" que eles denominaram Bismuthion.63 Antônio Aleixo assim definia o antissilifítico produzido:

"O nosso Bismuthion é preparado em ampolas contendo em suspensão oleosa 20 centigrammas do metal por centimento cubico, dóse normal injectavel na syphilis activa. A esterilização é feita em autoclave a 120º, sob pressão, ficando o produto perfeitamente inalteravel. Essa inalterabilidade não se verifica com os saes de bismutho, sabendo-se que, por exemplo, o tartaro bismuthato de potassio e sodio e o salicylato basico de bismutho precisam ser esterilizados ao vapor fluente de 100º para que a acção do calor nao lhes affecte a integridade da molecula, com a formação possivel de derivados toxicos ou irritantes." (Brazil-Médico, edição 25 de 23/06/1923)63

 


Figura 12. (acima) Anúncio do Bismuthion no periódico Brazil-Médico (RJ), em 1923.64 (abaixo) Anúncio do Bismuthion no jornal A Vanguarda (Cássia, MG), em 192465

 

Em 1928, começou a ser comercializada, com o nome de Iodobisman, uma outra substância à base de bismuto utilizada na terapêutica da sífilis e produzida em Belo Horizonte, o iodeto de bismutila (BiOI). Inicialmente fabricado como uma suspensão em "óleo de olivas", foi sintetizado preliminarmente no Instituto de Química da Escola de Engenharia de Belo Horizonte, sede do curso de Química Industrial da então Universidade de Minas Gerais (UMG), instituição estadual que se federalizaria em 1949. Posteriormente, a produção do Iodobisman foi realizada em um laboratório de mesmo nome do produto, como uma suspensão em "óleo de amendoim".

Em sua bula, constavam as seguintes informações, muitas delas ressaltando as supostas qualidades do elemento iodo:

 


Figura 13. (acima) Anúncio do Iodobisman em 1929 no periódico Sciencia Médica.66 (abaixo) Bula do Iodobisman (fonte: Serviço de Informação Científica, Histórica e Cultural (SICHC) da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Belo Horizonte, MG)

 

"Contém 59,40% de bismuto, 36,07% de iodo e 4,53% de oxigênio". Pelo seu teor de bismuto, se compara aos sais mais ricos neste elemento. (...) A superioridade do Iodobisman sobre os similares bismúticos decorre da sua própria constituição - de ser êle um iodeto de bismuto. A presença do iodo na molécula reforça-lhe, sobremaneira, as propriedades espirilicidas. Auxiliar eficaz, senão imprescindível do mercúrio no tratamento da sífilis nas suas mais variadas manifestações - o iodo não poderia deixar de sê-lo em igualdade de condições para com o bismuto. Além de para-específico e estimulante para os mecanismos de defesa contra infecção, o iodo, pelo seu conhecido tropismo para o sistema cardio-vascular e nervoso, encaminha para esses territórios orgânicos, vítimas tão frequentes de localizações sifilíticas, o bismuto com o qual se acha combinado."

Também há referência ao elemento oxigênio, mencionando-o como o "terceiro elemento na molécula":

"Quanto ao terceiro elemento em sua molécula, o oxigênio, êle substitue dois átomos de iodo no tri-iodeto de bismuto e, inibindo a ação local irritante de uma elevada concentração daquele elemento, permite a administração em injeções intramusculares, sem anestésico e absolutamente indolores..."

O Laboratório Iodobisman foi fundado e coordenado pelo médico José Baeta Vianna (1894-1967) e pelo farmacêutico e químico industrial Aggeo Pio Sobrinho (1902-1983). Este último, foi químico do Laboratório de Análises Químicas de Minas Gerais e professor da Faculdade de Odontologia e Farmácia da então UMG, posteriormente UFMG. Segundo Rezende e Álvares (2017),67 o sucesso financeiro do Laboratório Iodobisman fez com que Aggeo adquirisse diversas propriedades rurais que hoje constituem parte da região oeste da capital mineira, principalmente o bairro Buritis. Já Baeta Vianna, é considerado um dos precursores da Bioquímica no Brasil a partir da defesa de sua pioneira tese para o cargo de professor de Química Médica da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte em 1922, intitulada "Contribuição à microchimica dos lipoides e novo processo de microdosagem da cholesterina com applicações à biologia", e de seus inúmeros e pioneiros trabalhos de pesquisa ao longo de toda a vida. Entre 1923 e 1924, viajou aos Estados Unidos com uma bolsa de estudos da Fundação Rockefeller, onde se aprimorou nos estudos bioquímicos nas Universidades de Harvard e Yale. De volta ao Brasil, tornou-se catedrático da cadeira de Química Orgânica e Biológica e passou a incentivar a pesquisa científica no curso médico.68 Segundo Marques (2021),68 o laboratório de pesquisa em Bioquímica, fundado por Baeta Vianna após o seu retorno dos EUA, teve fomento dos recursos adquiridos com o Iodobisman.

A associação do elemento iodo ao bismuto parece ter sido iniciativa de Baeta Vianna. Ainda segundo Marques,68 Baeta volta dos EUA com uma certa obstinação na análise quantitativa de diversas espécies químicas de interesse biológico, principalmente o iodo. Em 1930, publica o trabalho O Bócio Endêmico em Minas Geraes69 após diversas dosagens de iodo na água, alimentos, urina e sangue de duas localidades mineiras e de seus habitantes, Betim e Ouro Branco. O resultado das análises comprovou o baixo teor de iodo nas amostras analisadas. Àquela época, ainda era arraigada a hipótese de que o bócio endêmico era consequência da Doença de Chagas, suposição criada e defendida pelo próprio médico sanitarista Carlos Chagas (1878-1934). Baeta Vianna em seu trabalho sobre o bócio, apesar de não descartar veementemente a chamada "thyroidite parasitária de Chagas", afirma que a suplementação de iodo, principalmente adicionando-o aos alimentos, poderia prevenir o bócio. Concluiu que a "prophylaxia iódica urge de ser instituída no Brasil pelos poderes públicos, a exemplo do que tem feito vários países estrangeiros" (Vianna, 1930).69 Vale destacar que somente em 1956, o então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, ex-aluno e assistente de Baeta Vianna na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, decretou a obrigatoriedade da iodação do sal de cozinha em todo o país.70

Até o final dos anos 1920, não encontramos na literatura nacional e estrangeira menções diretas ao iodeto de bismutila na terapêutica da sífilis, o que reforça a probabilidade de o Iodobisman como medicamento antissifilítico ter sido uma preparação original. Até aquela época, associações dos elementos bismuto e iodo utilizadas como antissifilíticas eram encontradas nos chamados "iodobismutatos de quinino", combinando a já conhecida substância antimalárica quinina com os elementos Bi e I. Na própria bula do Iodobisman havia uma advertência para não se confundir as duas preparações: "Pela sua cor avermelhada, o Iodobisman não deve ser confundido com os iodo-bismutatos de quinino que circulam no comércio, sob os nomes mais variados, pertencentes a diversas firmas nacionais e estrangeiras". A bula do medicamento ainda dizia: "o primeiro iodeto de bismuto propriamente que apareceu entre os preparados injetáveis do país, e ao que nos consta, até mesmo do estrangeiro".

A associação dos compostos de bismuto, e também de arsênio, com os mercuriais, foi comumente observada até a década de 1940, antes da consolidação da penicilina.16 A Figura 14 demonstra um exemplo destas preparações.

 


Figura 14. Embalagem, ampolas e bula do Iodobisman (fonte: Serviço de Informação Científica, Histórica e Cultural (SICHC) da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Belo Horizonte, MG)

 

 


Figura 15. (à esquerda) Anúncio no periódico português Germen (Porto) em 1938 do "Thiobi", produto brasileiro à base de sulfetos de bismuto e mercúrio.71 (à direita) Anúncio do "Thiobí" no periódico Brazil-Médico em 193172

 

A terapêutica da sífilis e de outras infecções microbianas em geral foi intensamente alterada em meados da década de 1940, quando a produção de penicilina obteve maiores rendimentos. Segundo Bell (2014),73 até o surgimento deste antibiótico, o tratamento das doenças venéreas, especialmente a sífilis, feito com compostos à base de arsênio e bismuto, era prolongado e com a exigência de frequentes injeções, o que comumente levava ao seu descumprimento, tornando-o ineficaz e mantendo a propagação da doença.73 Após a descoberta da penicilina pelo médico britânico Alexander Fleming (1881-1955) em 1928, mais de uma década se passou até que o médico australiano Howard Florey (1898-1968) e o bioquímico alemão naturalizado britânico Ernst Chain (1906-1979) conseguissem isolar, purificar e fazer a caracterização química do antibiótico. Por estes feitos, os três cientistas foram laureados com o prêmio Nobel de Medicina em 1945.74 Já o médico estadunidense John Mahoney (1889-1957) é considerado o introdutor da penicilina no tratamento da sífilis, quando em 1943 publica resultados de cura da doença em humanos pela substância.75

 


Figura 16. Anúncio da "cura" da sífilis pela penicilina no jornal carioca A Noite, em 194376

 

Na década de 1940 foi possível observar milhares de referências à penicilina nos diversos periódicos brasileiros, muitas delas referentes à descoberta do caráter antissifilítico do antibiótico.77 No periódico O Jornal (RJ), de 25 de maio de 1944, houve um artigo denominado "A penicilina e a sífilis: Afirma-se que a cura é certa". Nele, é possível perceber a relevância dada à Química e ao seu evento científico, que já no início do artigo dizia: "Para se ter uma ideia da importância que estão tendo os estudos sobre a penicilina no Brasil, basta lembrar que no último Congresso Nacional de Química, nada menos de 12 teses foram apresentadas por cientistas brasileiros." (O Jornal, 1944)78

Julgamos necessário citar um importante fato descoberto por Victoria Bell73 em sua tese de doutoramento pela Universidade de Coimbra em 2014, principalmente àqueles que menosprezam a ciência brasileira e a sua história. A tese, que versa sobre a história da penicilina e sua introdução em Portugal nos anos 1940, demonstra o protagonismo científico brasileiro frente a diversos países, inclusive a Portugal. A produção de penicilina àquela época estava prioritariamente destinada ao tratamento dos combatentes da 2ª Guerra Mundial. Alegando este motivo, o governo português recebeu negativas aos seus pedidos deste antibiótico a países como os Estados Unidos e Inglaterra. O Brasil, que já produzia penicilina desde 1942 pelo Instituto Oswaldo Cruz, doou 12 ampolas da substância para Portugal. Assim, as primeiras doses de penicilina em território português chegaram em 24 de maio de 1944, vindas do Brasil.

Nos anos 1940 diversos trabalhos foram publicados em vários países sobre os resultados da penicilina no tratamento das mais diferentes doenças, dentre elas a sífilis. Foram discutidos dosagem, tempo de tratamento, intervalo entre as doses, formas de administração e eventuais reações adversas. Para a sífilis, apesar de vários resultados promissores quanto ao uso da penicilina em seu tratamento, ainda era comum a discussão da associação do antibiótico com os compostos arsenicais e bismúticos.5 Acreditava-se em um certo sinergismo entre estas substâncias, como disse o médico Blair Ferreira em 1947, que àquela época dirigia um centro de tratamento de doenças venéreas em Belo Horizonte: "(...) os arsenicais e o bismuto tem com a penicilina uma ação sinérgica, reforçando-lhe o efeito. Resultados mais brilhantes ainda poderão ser esperados do uso combinado destes elementos." (Brazil-Médico, 1947)79

Outra importante discussão sobre os aspectos químicos da penicilina e a sífilis envolviam a composição química do sistema no qual o antibiótico estava "dissolvido" para administração nos pacientes. Em solução aquosa, observava-se que a sua eliminação pelo organismo era rápida, exigindo sucessivas injeções em menores intervalos de tempo. Com o intuito de diminuir a velocidade de sua eliminação pelo corpo, era comum a utilização como "veículo" da cera de abelha e do óleo de amendoim. Nos anos 1950, após modificações estruturais em sua molécula, surge a penicilina benzatina, ou benzetacil, que desde então, é o medicamento de referência para o tratamento da sífilis em todo o mundo.1,2,5

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou mostrar a longa associação entre a Química e a Medicina na busca de uma solução para um problema de enorme importância, qual foi o combate a uma terrível enfermidade, a sífilis, causadora de muito sofrimento e morte, que durante séculos desafiou a humanidade. Durante quase cinco séculos trabalhou-se tenazmente para livrar a espécie humana de um mal terrível, que desafiava as mentes mais argutas e competentes. Muitos progressos foram obtidos, em todo o mundo, e o Brasil também participou desse esforço, ao qual sempre esteve presente a Química. Este esforço teve durante a maior parte do tempo uma conotação que envolvia quase sempre substâncias contendo metais. Todavia, não obstante tantos esforços, a conquista de uma solução verdadeiramente adequada só se conseguiu obter nos últimos 80 anos, com a descoberta, o aperfeiçoamento e o uso generalizado dos antibióticos. Fica o registro de uma luta multissecular em que a Química sempre esteve presente e em muito contribuiu até que o problema fosse devidamente equacionado.

 

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