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Nota Técnica


Um método mais eficiente de isolamento do lapachol diretamente da matriz vegetal do Ipê
A more efficient method of isolating lapachol directly from the Ipê vegetable matrix

Douglas Chaves de Alcantara PintoI; Robson Corrêa da SilvaI; Luana da Silva Magalhães ForeziI; Vitor Francisco FerreiraII,*; Fernando de Carvalho da SilvaI,*

I. Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, Universidade Federal Fluminense, 24020-141 Niterói - RJ, Brasil
II. Departamento de Tecnologia Farmacêutica, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal Fluminense, 24241-000 Niterói - RJ, Brasil

Recebido em: 27/09/2023
Aceito em: 16/11/2023
Publicado em: 17/01/2024

Endereço para correspondência

*e-mail: vitorferreira@id.uff.br; fcsilva@id.uff.br

RESUMO

Lapachol, a naphthoquinone discovered in 1858, is a natural product with a broad spectrum of therapeutic activities, along with its derivatives and analogues. Initially found in several species of the Bignoniaceae family, lapachol can also be found in other families. Lapachol arouses great interest and knowledge due to its crucial role in medicinal chemistry, playing an important role in the rational planning of research in search of bioactive substances with pharmacological action, whether as a source of raw material or helping directly or indirectly. This work aims to describe a new methodology for extracting lapachol, which differs from the conventional acid-base method, providing a highly efficient, simple and easy-to-apply process.

Palavras-chave: naphthoquinone; solvent extraction; Soxhlet extractor, Ipê; woods waste.

INTRODUÇÃO

As naftoquinonas são as substâncias com maior ocorrência entre as quinonas na natureza e representam uma família diversa de metabólitos secundários que ocorrem naturalmente em plantas, líquens e vários micro-organismos.1,2,3,4 O lapachol (1) é uma naftoquinona de origem natural que foi isolado pela primeira vez em 1858 (Figura 1). Essa substância tem desempenhado um papel significativo em sínteses de diversos derivados e análogos,5 visando a descoberta de novos derivados biologicamente mais ativos. Ele pode ser extraído de várias espécies pertencentes às famílias Bignoniaceae, Verbenaceae e Proteaceae.

 


Figura 1. Lapachol (1) e fármacos inspirados em sua estrutura

 

Existem vários fármacos sintéticos disponíveis no arsenal terapêutico que utilizaram o lapachol (1) como inspiração estrutural. A cadeia lateral modificada do lapachol levou à obtenção da atovaquona (2), que é utilizada como fármaco no tratamento ou prevenção de casos leves de infecção por Plasmodium vivae (em combinação com proguanil),6,7,8 buparvaquona (3) e parvaquona (4) que são utilizados como medicamentos veterinários para o tratamento da theileriose bovina, causada pela infecção por Theileria annulata.9

O lapachol (1) pode ser extraído do caule lenhoso de diversas espécies das famílias Bignoniaceae, Verbenaceae e Proteaceae. A família Bignoniaceae tem aproximadamente oitocentas espécies em cento e dez gêneros. Os dois gêneros mais importantes são o Tabebuia e o Tecoma. Eles são típicos de áreas tropicais e subtropicais, sendo que algumas espécies do gênero Tabebuia são encontradas na América Central e do Sul. Sua madeira é dura e resistente a cupins e, portanto, muito útil para a construção naval e civil. Não menos importante são seus usos na medicina tradicional para diversos fins. O lapachol (1), dentre outras quinonas, é uma das substâncias presentes no cerne destas árvores. No Brasil ele é encontrado em grandes quantidades na espécie Tabebuia impetiginosa (ipê-roxo, ipê-rosa, lapacho-rosado, lapacho), facilmente encontradas nas regiões norte e nordeste. Sua forma de isolamento tradicional é pelo método químico de extração ácido-base onde se explora a acidez característica da hidroxila fenólica da posição C-2.10

O lapachol (1) se tornou conhecido desde que apresentou significativa atividade contra o carcinoma de Walker-256 em estudos realizados pelo CCNSC (Cancer Chemotherapy National Service Center).5 Ele foi comercializado pelo Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (LAFEPE) para o tratamento de tumores, mas saiu do mercado devido sua toxicidade. Porém, ele ainda desperta interesse científico e comercial. O mercado global de lapachol (1) foi avaliado em milhões de dólares em 2020 e que terá crescimento exponencial no setor industrial durante o período compreendido entre 2020-2030,11 principalmente por ser o material de partida para outra importante substância que é a β-lapachona (5) (Figura 1). Essa substância também é de origem natural, mas ocorre como componente minoritário e pode ser facilmente obtida a partir do lapachol (1) por semi-síntese.12,13 As atividades farmacológicas β-lapachona (5) são bem conhecidas e diversificadas. Tem forte atividade contra células cancerosas (linhagens de células humanas malignas de pulmão, mama, colorretal, próstata, melanoma e leucemia)14,15,16 e conta com vinte e um estudos clínicos no FDA (Food and Drug Administration). Também é bastante ativa contra o Tripanosoma cruzi, causador da doença de Chagas.17 Entretanto, devido à sua alta citotoxidade, ela não pode ser utilizada no tratamento da doença de Chagas, mas sua estrutura tem servido de inspiração para os químicos medicinais, que buscam estruturas análogas com o anel quinonoídico intacto, no que diz respeito ao desenvolvimento de substâncias mais seletivas contra o parasita.

A extração do lapachol (1) é comumente realizada utilizando uma metodologia baseada em seu caráter ácido. Nessa abordagem, é possível obter o lapachol (1) a partir da matriz vegetal quando esta entra em contato com uma solução básica. O método convencional de extração do lapachol, no qual segundo a literatura os rendimentos variam entre 1 e 7% em massa, isto dependendo da espécie do ipê e de fatores como a região e a sazonalidade.18 O lapachol (1) apresenta coloração amarela e é muito pouco solúvel em água. No entanto, seu sal sódico, por exemplo, torna-se solúvel em solução aquosa, adquirindo uma coloração avermelhada. Assim, uma solução básica, como a solução de Na2CO3 ou NaHCO3, pode ser prontamente utilizada para realizar a extração. O Esquema 1 apresenta de forma detalhada todas as etapas e operações unitárias envolvidas na extração ácido-base do lapachol (1) da serragem do ipê.10

 


Esquema 1. Detalhamento do método de extração ácido-base do lapachol (1)

 

O objetivo deste estudo foi investigar uma nova estratégia aprimorada para a obtenção do lapachol (1) a partir da serragem do ipê, visando reduzir o número de etapas e aumentar o rendimento do isolamento do produto natural. Para alcançar esse objetivo, foi desenvolvido um processo de isolamento do lapachol (1) diretamente da matriz vegetal do ipê utilizando um extrator de Soxhlet e hexano como solvente. Essa abordagem elimina a necessidade das etapas de extração ácido-base e várias filtrações, simplificando o processo de obtenção do lapachol (1) de forma mais eficiente.

 

PARTE EXPERIMENTAL

O solvente hexano (mistura de isômeros) foi adquirido da BioScie Indústria (Anápolis, GO, Brasil) e foi usado sem purificação adicional. A extração foi realizada em extrator de Soxhlet (RL New, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) e as destilações a pressão reduzida em rotaevaporador IKA modelo RV-10 Basic (Campinas, SP, Brasil). Os pontos de fusão foram obtidos em aparelho Thermo Scientific 9100 (Waltham, EUA) e não foram corrigidos. Os espectros de RMN de 1H (1D e 2D) foram registrados à temperatura ambiente usando espectrômetro Bruker Advanced NEO 500 MHz (Fällanden, Suíca), em CDCl3. Os deslocamentos químicos foram relatados em unidades de δ (ppm) e o solvente foi usado como padrão interno; e as constantes de acoplamento (J) são relatadas em Hertz e referem-se a multiplicidades de pico aparentes.

Um cartucho de celulose contendo 200 g de serragem de ipê foi depositado em um extrator de Soxhlet equipado com um balão de 2 L contendo 800 mL de hexano. Após dois ciclos de extração, o solvente foi evaporado e os cristais obtidos foram recristalizados a frio em hexano, em freezer por 24 h. O lapachol (1) foi filtrado e obtido na forma de cristais dourados em 7,4% de rendimento em massa (14,7 g, ponto de fusão: 139-140 ºC, ponto de fusão literatura: 139-140 ºC).

2-Hidroxi-3-(3-metilbut-2-en-1-il)naftalen-1,4-diona (1)

Cristais amarelos; rendimento em massa de 7,4% (14,7 g); pf 139-140 ºC; 1H RMN (500,00 MHz, CDCl3) δ 8,03 (dd, J 0,94 e 7,67 Hz, 1H), 7,66 (1H, td, J 1,38 e 7,67 Hz, 1H), 7,58 (1H, td, J 1,25 e 7,55 Hz, 1H), 7,98 (1H, dd, J 1,06 e 7,55 Hz, 1H), 3,23 (d, J 7,38 Hz, 2H), 5,13 (m, 1H), 1,71 (s, 3H), 1,61 (s, 3H), 7,27 (s, 1H).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, o material vegetal, rejeito de mataria de madeireiras, proveniente do cerne do lenho de árvores de espécies de ipê (Tabebuia spp., Bignoniaceae) foi cuidadosamente seco ao ar e livre de umidade. Em seguida, esse material foi triturado em pequenas lascas e peneirado para obter uma forma mais finamente dividida. Cerca de 200 g de serragem de ipê foram colocados em um cartucho de celulose (papel de filtro) e a extração foi realizada em um extrator de Soxhlet equipado com um balão de fundo redondo de 2000 mL contendo 800 mL de hexano (Esquema 2) e após dois ciclos de extração, o extrato obtido foi evaporado a pressão reduzida em rotaevaporador onde o solvente coletado foi reaproveitado para uma nova etapa de extração. Vale ressaltar que um processo com mais de dois ciclos de extração leva ao arraste de taninos e outros componentes mais polares presentes no material vegetal e, ainda, a submissão prolongada do extrato ao aquecimento promove a oxidação e/ou degradação do extrato de lapachol tornando a solução mais escura. Desta forma, o lapachol (1) foi obtido como cristais amarelos devendo ser armazenado ao abrigo da luz. Em seguida, o processo foi repetido até que não fosse mais observada a coloração amarela no extrato, indicando que o lapachol (1) foi extraído em quase toda totalidade. Por fim, após cristalização de hexano a frio e acondicionamento em freezer por 24 h, o lapachol (1) foi filtrado e obtido na forma de cristais dourados em 7,4% de rendimento em massa (14,7 g, ponto de fusão 139-140 ºC, ponto de fusão literatura 139-140 ºC) e sua estrutura foi confirmada através de espectroscopia de ressonância magnética nuclear de hidrogênio 1H (Figura 2), (Tabela 1)19 e 1H-1H-COSY (Figura 3).

 


Esquema 2. Representação esquemática para o novo método de isolamento do lapachol (1) da matriz vegetal - Ipê (Tabebuia spp. da família Bignoniaceae), extração realizada em extrator de Soxhlet

 

 


Figura 2. Espectro de RMN 1H para o lapachol (1) em CDCl3, a 500 MHz

 

 

 

 


Figura 3. Espectro 2D 1H-1H-COSY para o lapachol (1) em CDCl3, a 500 MHz

 

CONCLUSÃO

O novo método de extração do lapachol (1) oferece uma alternativa mais eficaz e menos laboriosa do que o processo convencional de extração ácido-base. A utilização do extrator de Soxhlet apresenta várias vantagens significativas como o reaproveitamento do solvente a cada ciclo de extração reduzindo o consumo minimizando o volume de resíduos. Além disso, o método elimina a necessidade de purificação adicional, simplificando ainda mais o processo e tornando-o mais sustentável. Esses fatores tornam possível o desenvolvimento de uma química mais limpa no processo de extração do lapachol (1), em concordância com os princípios da Química Verde. Sendo assim, foi possível obter o lapachol (1) com elevado grau de pureza em excelente rendimento de 7,4% (14,737 g) quando comparado com a metodologia tradicional de extração ácido-base do lapachol (1) em rendimentos que variam de 1 a 3%.

 

REFERÊNCIAS

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