JBCS



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Artigo


Validação de método analítico para quantificação dos estrógenos naturais (E1, E2 e E3) e sintético (EE2) em água superficial e material particulado em suspensão de um estuário subtropical do Atlântico Sul, Brasil
Validation of analytical method for quantification of natural estrogens (E1, E2, and E3) and synthetic (EE2) in surface waters and suspended particulate material of a South Atlantic subtropical estuary, Brazil

Pedro Toledo NettoI,*; Marcos Canto MachadoII; Luiz Laureno Mafra JúniorI; César C. MartinsIII

I. Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná, 83255-976 Pontal do Paraná - PR, Brasil
II. Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura, 13349-000 Indaiatuba - SP, Brasil
III. Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo, 05508-120 São Paulo - SP, Brasil

Recebido: 16/03/2024
Aceito: 15/07/2024
Publicado online: 28/08/2024

Endereço para correspondência

*e-mail: pedro.toledo@ufpr.br

RESUMO

Marine pollution has become relevant for coastal conservation units and ecosystems of great ecological importance. This study validated analytical methods to investigate the occurrence of the emerging contaminants 17β-estradiol (E2), estrone (E1), estriol (E3), and 17α-ethinylestradiol (EE2) in surface waters and suspended particulate matter (SPM) from Guaratuba Bay, South Atlantic, Brazil. The analysis was performed by liquid chromatography coupled to a fluorescence detector (LC-FLD) after pre-concentration of surface water samples by solid phase extraction (SPE) or solid-liquid extraction for SPM samples. The recovery percentages were between 48 and 87%, and the coefficient of variation (CV) between 3 and 24% for SPM and from 64 to 107% (CV of 4 to 42%) for surface water. The method thus proved to be accurate and precise at the concentrations studied (ng g-1 and µg L-1). The concentration ranged from 10 to 177 ng L-1 in surface waters and from 392 to 4108 ng g-1 in SPM. E2, EE2, and E3 were found in SPM under different climatic conditions and population occupation. EE2 was determined in all sampling campaigns, especially in summer, when the number of tourists increases considerably. The presence of EE2 in the SPM of Guaratuba Bay warns for possible implications for the health of coastal environments.

Palavras-chave: marine pollution; Guaratuba Bay; emerging contaminants; HPLC; estrogen detection.

INTRODUÇÃO

Hormônios estrogênicos ou estrógenos são compostos produzidos nos ovários e nos testículos de seres humanos e de outros vertebrados.1 Dentre os estrógenos de ocorrência natural nos seres humanos, os predominantes são o 17β-estradiol (E2), seguido pela estrona (E1) e estriol (E3). Os estrógenos sintéticos, por sua vez, são aqueles utilizados principalmente como método contraceptivo hormonal, além do controle dos sintomas da menopausa, distúrbios fisiológicos e no tratamento do câncer de próstata e mama, sendo o 17α-etinilestradiol (EE2) um dos hormônios sintéticos mais comuns.2

Há décadas, a exposição prolongada e/ou inadequada às substâncias estrogênicas tem sido associada à incidência de câncer de mama e de testículos, infertilidade masculina e desordem cardiovascular.3 A poluição por estrógenos, sobretudo por despejo de esgoto doméstico não tratado no ambiente, pode causar a feminilização de peixes machos,4 bem como o aumento de patologias específicas em peixes teleósteos.5 Experimentos em laboratório com equinodermos, esponjas, crustáceos e moluscos têm mostrado que os estrógenos também podem levar a efeitos adversos,6-8 comprometendo o equilíbrio dos ecossistemas marinhos e a qualidade dos recursos vivos explorados nas regiões costeiras. Diversos estudos têm mostrado que esses contaminantes emergentes podem atingir os mais diversos compartimentos ambientais, tais como águas naturais,9 solo,10 lodo de esgoto,11 sedimento e material particulado em suspensão (MPS).12-14

No Brasil, o saneamento básico atende à população com o tratamento convencional predominantemente primário e secundário, tanto para tratar o esgoto quanto a água que é disponibilizada à população para consumo. Tais sistemas de tratamento são eficientes para a descontaminação microbiológica e remoção de quantidades elevadas de nutrientes,15 mas muitos contaminantes não são efetivamente removidos e, assim, permanecem no efluente líquido final, atingindo os corpos hídricos naturais. De acordo com Montagner et al.,15 dentre os 21 contaminantes estudados no esgoto doméstico bruto sujeito a tratamento convencional no país, os estrógenos foram os mais frequentemente detectados, sendo reportados em 60% dos estudos científicos publicados.

A presença de estrógenos em matrizes ambientais tais como águas naturais e potável tem sido reportada há décadas, tanto em ambientes interiores16-22 quanto costeiros13,16,17,20,21,23-30 de todo o planeta. Contudo, há poucos estudos focados na ocorrência e efeitos dessas substâncias em ambientes costeiros no Brasil, uma vez que os estudos realizados priorizaram os rios e suas respectivas bacias de drenagem,31,32 ou ainda os efluentes das estações de tratamento de esgotos.33

As regiões costeiras são atrativas para a ocupação humana em virtude de suas riquezas paisagísticas e diversidade de recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento de grandes centros urbanos nas áreas litorâneas e atividades de turismo.34 Nestas regiões encontram-se ecossistemas de grande importância ecológica, tais como manguezais, marismas e planícies de maré. Na região Sul do Brasil, destaca-se a Baía de Guaratuba, que está localizada em uma Área de Proteção Ambiental, cercada por duas unidades de conservação: o Parque Nacional Saint Hilaire-Lange e o Parque Estadual do Boguaçu.35,36 Esta área foi classificada como um local de importância ecológica internacional, com adesão à Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional.37 Na região em questão, os municípios dispõem de baixa cobertura de sistemas de coleta e disposição de efluentes domésticos e industriais, podendo levar a população local e flutuante a construir e operar sistemas de tratamentos inadequados, lançando seus esgotos diretamente nos rios e córregos, ou ainda despejando-os no sistema de drenagem de águas pluviais.38

O litoral paranaense possui cerca de 300 mil habitantes,39 mas a população das cidades que margeiam a Baía de Guaratuba chega a quintuplicar devido ao turismo no período de verão, quando estes municípios costumam receber até 2 milhões de pessoas. Além da contribuição local dos esgotos das cidades de Guaratuba e Matinhos, existe um aporte de água contaminada proveniente de rios que drenam uma porção do planalto, onde se localiza a cidade de Curitiba (~1,8 milhão de habitantes),40 com destaque para o Rio São João, que desemboca na porção extremo oeste da baía.41-43

A região da Baía de Guaratuba abriga diversas unidades de conservação e ecossistemas ainda preservados e de grande importância ecológica, assim como vegetação remanescente de Mata Atlântica. Desta forma, estudos voltados a investigação de estrógenos no ambiente necessitam ser realizados a fim de se avaliar um possível impacto das atividades antrópicas nesta região. Com exceção do estudo de Froehner et al.14 em que a ocorrência de estrógenos foi investigada em sedimentos de mangue na Baía de Guaratuba, ressalta-se que não há outros estudos publicados sobre a distribuição e ocorrência de estrógenos em MPS nem em água superficial nesta mesma baía, mostrando a relevância deste trabalho. Sendo assim, este estudo teve como objetivo validar um método analítico para a determinação das concentrações dos estrógenos E1, E2, EE2 e E3 em amostras de água superficial e de MPS provenientes da Baía de Guaratuba. Foram avaliadas as técnicas de extração em fase sólida (SPE) e extração sólido-líquido para as matrizes de água superficial e MPS respectivamente, seguida pela separação por cromatografia líquida de alta eficiência com detecção de fluorescência (LC-FLD). A validação de métodos analíticos específicos para a análise das matrizes mencionadas permite assegurar a confiabilidade analítica, ampliando a possibilidade de aplicação em outros estudos a serem desenvolvidos em ambientes costeiros e marinhos.

 

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais

Padrões individuais dos estrógenos E2 (grau de pureza: 97,3%), E1 (98%), E3 (99,9%) e EE2 (99,3%) foram adquiridos de Sigma-Aldrich (Gillingham, Reino Unido) (Tabela 1). Os solventes grau HPLC utilizados foram acetonitrila (Riedel-de Haën/Honeywell, Michigan, Estados Unidos), ácido acético glacial (Panreac, Barcelona, Espanha) e metanol (Riedel-de Haën/Honeywell, Michigan, Estados Unidos). As soluções-estoque (100 mg L-1) dos estrógenos foram preparadas em acetonitrila 100% e armazenadas ao abrigo de luz a - 20 ºC, exceto a de E3, que foi preparada em metanol:acetonitrila (30:70, v/v). A partir das soluções-estoque, prepararam-se as soluções de trabalho em mistura dos estrógenos em acetonitrila 100% e armazenadas ao abrigo de luz a 4 ºC. A água ultrapura utilizada foi purificada em sistema de purificação de água potável, modelo Integral 5 Milli-Q® (Merck Millipore, Jaffrey, Estados Unidos), apresentando resistividade de 18,2 MΩ cm-1 e carbono orgânico total (TOC) < 5 ppb. Os cartuchos de SPE usados foram os do modelo Strata®-X (33 µm, fase reversa polimérica, 200 mg, 6 mL, Phenomenex, Torrance, Estados Unidos). Por fim, foi utilizado gás N2 com 99,996% de pureza, fornecido pela empresa White Martins (Araucária, Brasil).

 

 

Descrição da área de estudo e estratégia de amostragem

A Baía de Guaratuba está localizada na porção sul do Oceano Atlântico, litoral do Paraná, margeada pelos municípios de Guaratuba ao sul e Matinhos ao norte, no estado do Paraná, Brasil (Figura 1). Possui 50,2 km2 de área superficial prolongando-se a leste por 15 km, sendo interligada com o Oceano Atlântico por uma desembocadura estreita de 500 m, na qual a profundidade pode atingir até 27 m.48 Esse ambiente caracteriza-se como um corpo aquoso raso, com profundidade média de 3 m, apresentando bancos de areia e baixios em aproximadamente 24% de sua área.49,50 A baía está localizada em uma Área de Proteção Ambiental, fazendo divisa com duas unidades de conservação, e sendo utilizada para turismo, atividades de pesca e aquicultura, além de agricultura na bacia de drenagem dos principais rios da região.51

 

 

A estratégia amostral incluiu duas coletas em períodos de aumento populacional no verão (campanhas nos meses de março de 2019 e de 2020) e duas em períodos de diminuição populacional, sendo uma no inverno (julho de 2019) e uma na primavera (outubro de 2020). Em cada campanha, as amostras foram coletadas em 12 pontos da Baía de Guaratuba e canais fluviais adjacentes.

Obtenção das amostras de água superficial e de material particulado em suspensão no ambiente estuarino

Um litro de água superficial foi coletado em garrafas de vidro âmbar, previamente mantidas em detergente Extran® (4%) por 24 h, seguido de lavagem utilizando água corrente, água ultrapura e secas em estufa à 100 ºC. Após a coleta, as amostras foram mantidas resfriadas com gelo em caixas isotérmicas. No laboratório, as amostras (500 mL) foram filtradas em sistema de filtração a vácuo utilizando membranas de fibra de vidro (0,7 µm, 47 mm, Macherey-Nagel), previamente secas em estufa a 120 ºC durante 2 h e pesadas. Após a filtração, cada membrana de fibra de vidro foi seca em estufa a 50 ºC por 2 h para eliminação da água, e novamente pesada, para calcular a massa de MPS. As amostras de água resultantes da filtração foram submetidas aos ensaios de extração, enquanto os filtros contendo o MPS foram congelados a - 20 ºC para posterior análise.

Métodos de extração dos estrógenos

Material particulado em suspensão

Baseando-se no procedimento descrito por Bezerra,52 os filtros contendo o MPS foram retirados do congelador ( - 20 ºC) e deixados em repouso na ausência de luz até atingirem a temperatura ambiente. Neste momento, iniciou-se a extração utilizando uma mistura de 5 mL de acetonitrila:metanol (1:1, v/v), seguida de agitação por 1 min em agitador do tipo vortex e centrifugação por 10 min (2000 rpm). Uma alíquota de 3 mL foi seca sob corrente suave de N2 e o resíduo remanescente após a evaporação do solvente foi ressuspendido em 0,5 mL de acetonitrila. A solução resultante foi filtrada em membrana de politetrafluoroetileno (PTFE, 0,22 µm, 13 mm de diâmetro) e transferida para um vial contendo um insert de 300 µL.

Água superficial

Cartuchos de SPE foram condicionados com 6 mL de metanol e 6 mL de água ultrapura, nesta sequência. Em seguida, 500 mL da amostra de água superficial filtrada a vácuo com membrana de fibra de vidro (0,7 µm, 47 mm) e acidificada com 0,1% de ácido acético foi adicionada aos cartuchos utilizando um sistema manifold sob vácuo. O volume de amostra escolhido foi baseado nos estudos de Bezerra52 e Zocolo et al.53 Após a passagem da amostra, os interferentes foram eliminados adicionando-se 6 mL de metanol:água (5:95, v/v), seguida da etapa de eluição dos estrógenos utilizando 6 mL de metanol:acetonitrila (1:1, v/v). Destes últimos 6 mL que continham os estrógenos, uma alíquota de 3 mL foi seca sob corrente suave de N2 e o resíduo remanescente após a evaporação do solvente foi ressuspenso e filtrado, como descrito anteriormente.

Análises cromatográficas

As análises cromatográficas foram realizadas utilizando a técnica de cromatografia a líquido empregando um equipamento da marca Agilent (1260 Infinity II LC) equipado com detector de fluorescência (LC-FLD) nas seguintes condições: separação em coluna Agilent Eclipse XDB-C18 (4,6 mm × 150 mm, partícula 5 µm) mantida em forno a 30 ºC; fase móvel no modo isocrático composta de acetonitrila:água ultrapura (53:47, v/v) acidificada com 0,1% de ácido acético glacial; vazão de 1,0 mL min-1; 20 µL de volume de injeção; detecção por fluorescência (λexcitação = 230 nm e λemissão = 306 nm); 10 min de análise.

Validação dos métodos

Os métodos de extração e detecção (LC-FLD) foram validados no laboratório (in-house validation) seguindo as recomendações de guias de validação54,55 para os parâmetros de seletividade, limites de detecção e de quantificação do instrumento, limite de quantificação do método, faixa linear de trabalho, exatidão e precisão. Para a validação dos métodos, utilizou-se uma amostra de água superficial da Ponta Oeste da Ilha do Mel, que engloba uma área em estação ecológica localizada na Baía de Paranaguá, distante cerca de 50 km da Baía de Guaratuba. Deste material, foram obtidas amostras de água e MPS, chamadas de amostras testemunha. Esse local foi escolhido por ser afastado de fontes de introdução de esgoto e ser mais próximo aos laboratórios onde o estudo foi desenvolvido, ao mesmo tempo em que mantém propriedades físicas e químicas similares às águas superficiais da Baía de Guaratuba num mesmo período, tais como pH, salinidade e temperatura.38

A seletividade dos métodos foi avaliada comparando-se o perfil dos cromatogramas das amostras testemunha com aqueles obtidos a partir das soluções padrão dos estrógenos adicionadas a estas mesmas amostras (amostras fortificadas). A exatidão e precisão dos métodos foram avaliadas considerando-se as porcentagens de recuperação e coeficiente de variação (CV), respectivamente, em três níveis de fortificação para cada matriz. As fortificações das amostras testemunha de água superficial foram efetuadas a partir de solução padrão em mistura dos estrógenos, sendo de 500 µg L-1 para E2, EE2 e E3 e de 100 mg L-1 para E1. A partir desta, 500 mL das amostras testemunhas foram fortificadas (spiked) com 10, 50 e 100 µL resultando, respectivamente, em três concentrações: 0,01, 0,05 e 0,1 µg L-1 para E2, EE2 e E3 e 2, 10 e 20 µg L-1 para E1. Essas amostras foram mantidas em repouso na ausência de luz por 2 h e, em seguida, foram submetidas ao método de extração por SPE. As fortificações dos filtros foram realizadas considerando-se 15 mg de MPS, como segue: (i) para E2, EE2 e E3, utilizou-se solução padrão de 200 µg L-1, da qual 18,7, 50 e 100 µL foram adicionados às amostras testemunha de MPS, resultando nos níveis 250, 667, 1333 ng g-1 respectivamente; (ii) alíquotas de 2, 53,2 e 133,2 µL de uma solução padrão de 37,5 mg L-1 para E1 foram adicionadas ao MPS, resultando em 50, 133 e 333 µg g-1 nesta ordem. O procedimento foi realizado em triplicata e os filtros foram mantidos em repouso na ausência de luz por 2 h, sendo então submetidos ao método de extração sólido-líquido, como descrito anteriormente.

Avaliação de efeito matriz

Extratos das amostras testemunha de MPS e de água superficial foram evaporados sob suave atmosfera de N2 e, após secarem completamente, os resíduos foram dissolvidos em 0,5 mL da mistura de soluções padrão dos estrógenos preparados em acetonitrila, nos três níveis de fortificação apresentados no item anterior (Validação dos métodos), e analisados por LC-FLD. O efeito matriz foi avaliado comparando-se as porcentagens de recuperação obtidas para as soluções padrão dos estrógenos preparadas na matriz com as porcentagens de recuperação obtidas para as soluções padrão dos estrógenos preparadas em solvente puro (acetonitrila 100%).

Tratamentos estatísticos

Para avaliação da linearidade e da faixa de trabalho foram realizadas as seguintes etapas: (i) utilização de pelo menos cinco níveis de concentração, em triplicata; (ii) verificação da homoscedasticidade dos dados pelo teste C de Cochran; (iii) construção dos gráficos de resíduos. Previamente à aplicação do teste t de Student para comparação das médias dos percentuais de recuperação, foram realizados dois testes estatísticos adicionais, sendo o primeiro o de Grubbs (para verificação de outliers) e, na sequência, o teste de Shapiro-Wilk, que avalia se uma distribuição é semelhante a uma distribuição normal. Todos os testes estatísticos foram realizados considerando α = 0,05. Foram empregadas análises multivariadas de componentes principais (PCA) com o objetivo de verificar a distribuição espaço-temporal dos estrógenos nas amostras de água superficial e MPS.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise cromatográfica e curvas analíticas

A separação cromatográfica apresentou boa resolução (> 1,5) entre todos os pares de picos (Figura 2). Embora o último pico (E1) tenha eluído em 4,4 min, a corrida cromatográfica foi estendida até 10 min, a fim de garantir que não houvesse contaminação entre uma corrida e outra, visto a complexidade das matrizes face a presença de possíveis interferentes. Após aplicação do teste C de Cochran (α = 0,05) e da análise dos gráficos de resíduos, observou-se que o método apresentou linearidade entre 0,05 e 100 µg L-1 para E2, E3 e EE2 e entre 0,05 e 100 mg L-1 para E1, com coeficientes de correlação maiores que 0,99. No entanto, a faixa de trabalho foi subdividida em duas: uma baixa, com cinco níveis de concentração (de 0,05 a 1 µg L-1 para E2, E3 e EE2 e de 0,05 a 1 mg L-1 para E1) e uma alta, com sete níveis de concentração (de 5 a 100 µg L-1 para E2, E3 e EE2 e de 5 a 100 mg L-1 para E1), ambas com coeficiente de correlação adequados (> 0,99). Essa subdivisão se fez necessária para que se atendesse aos requisitos de homoscedasticidade e de aleatoriedade dos resíduos. O limite de quantificação do instrumento (LOQ) foi estabelecido como o primeiro ponto da curva analítica: LOQ de 0,05 µg L-1 para E2, EE2 e E3 e de 50 µg L-1 para a E1. O limite de detecção do instrumento (LOD), obtido pela relação sinal/ruído (3:1), foi de 0,01 µg L-1 para E2, EE2 e E3, e de 10 µg L-1 para E1. Tanto o LOQ quanto o LOD foram maiores para E1 pois este composto apresenta fluorescência inferior aos demais compostos.56

 

 

Validação dos métodos de extração e avaliação de efeito matriz

As amostras testemunha de MPS e de água superficial apresentaram-se livres de interferentes, mostrando que os métodos são seletivos (Figura 3). A seletividade obtida pode ser atribuída à etapa de limpeza do cartucho SPE com metanol:água (5:95, v/v), fazendo com que interferentes da amostra fossem eliminados e, também, à especificidade do detector de fluorescência, resultando em cromatogramas mais "limpos". As porcentagens de recuperação em MPS situaram-se entre 48 e 87% para E2, E3 e EE2, com CV entre 3 e 24%. Para E1, a recuperação se deu na faixa de 79 a 81%, com CV entre 3 e 13%. Em água superficial, a porcentagem de recuperação para E1 variou de 91 a 107%, com CV de 9 a 39%. Para E2, EE2 e E3, as porcentagens de recuperação variaram de 64 a 97%, com CV entre 4 e 42% (Tabela 2). O limite de quantificação do método (MQL) foi definido como o menor valor de concentração da substância estudada, que ao ser fortificada na matriz, apresentasse valores de recuperação médios entre 40 e 120%, considerados aceitáveis para os níveis de concentração estudados,54 e com valor de CV menor que 45%.57 Assim, o MQL foi de: 50 µg g-1 em MPS e 2 µg L-1 em água superficial para E1; 250 ng g-1 em MPS e 0,05 µg L-1 em água superficial para E2; 250 ng g-1 em MPS e 0,01 µg L-1 em água superficial para E3 e EE2. A pré-concentração das amostras de água superficial utilizando SPE resultou em um fator de 1000 para o enriquecimento teórico, pois foi empregado o volume inicial de 500 mL de amostra de água superficial e finalizado com 0,5 mL. Já o fator de enriquecimento real, que considera as porcentagens de recuperação, variou de 640 a 1070.

 

 

 

 

Os dois métodos de extração (para MPS e água superficial) otimizados neste trabalho foram considerados exatos, pois as porcentagens de recuperação estão inseridas no intervalo de 40 a 120%, valores estabelecidos como aceitáveis pela Association of Official Analytical Chemists (AOAC)54 nos níveis de concentração estudados para E1, E2, EE2 e E3 (ng g-1 e µg L-1) e de 80 a 110% para E1 (µg g-1). De acordo com a equação de Horwitz,57 para as concentrações avaliadas neste trabalho, pode-se aceitar valores de CV de até 45%. Desse modo, os métodos de extração podem ser considerados relativamente precisos, uma vez que o CV máximo obtido foi de 24% para MPS e de 42% para água superficial.

Houve efeito matriz em MPS apenas para o composto EE2 e no segundo nível de fortificação (667 ng g-1) (Tabela 2). Por outro lado, o efeito de matriz em água superficial foi mais pronunciado, com E2, E3 e EE2 apresentando porcentagens de recuperação estatisticamente diferentes em pelo menos um nível de fortificação (Tabela 2). Assim, as quantificações das amostras foram realizadas utilizando as curvas analíticas das soluções padrão dos estrógenos preparadas no extrato das amostras testemunhas de MPS e de água superficial, que representam melhor a resposta cromatográfica. Essa metodologia buscou atender ao sugerido por Bienvenu et al.58 que citam que o efeito de matriz na quantificação de um analito pode ser significativo e que não deve ser negligenciado durante o desenvolvimento e validação de um método analítico.

O método validado neste trabalho apresentou os principais parâmetros de desempenho analítico para uma análise quantitativa,54,55 tais como exatidão, precisão, limite de quantificação do método, faixa de trabalho e seletividade, similares aos encontrados na literatura12,13 para as mesmas matrizes de água superficial e material particulado em suspensão. No geral, os métodos utilizam SPE para análise de água superficial, variando o volume de amostra na etapa de pré-concentração, o tipo e massa de fase estacionária dos cartuchos e a técnica analítica instrumental. O volume de amostra utilizado neste trabalho (500 mL) é menor do que o adotado pela maioria dos estudos13,20,23,31 que empregam 200 mg de fase estacionária, que é de um litro de amostra, e foi baseado em estudos pretéritos do mesmo grupo de pesquisa,52,53 que apresentaram resultados robustos. Esse parâmetro é importante, pois volumes grandes de líquido tornam-se um problema logístico, além de resultar em uma etapa de pré-concentração mais lenta e trabalhosa. Quanto à fase estacionária, muitos estudos20,23,31 utilizam cartuchos de SPE da marca Waters (Oasis, HLB, 500 mg) que apresentam algumas vantagens sobre outras marcas, como a alta capacidade de reter compostos hidrofílicos e hidrofóbicos, compatíveis com uma ampla gama de compostos de natureza ácida, básica e neutra e a capacidade de remover umidade após o carregamento da amostra. Entretanto, esses cartuchos têm um maior custo comparado aos utilizados neste estudo (Phenomenex, Strata®-X, fase reversa polimérica, 200 mg), que se mostraram eficientes para determinação dos estrógenos E1, E2, EE2 e E3. Ademais, não há muitos estudos publicados sobre a análise destes contaminantes em MPS, quando comparados a matrizes de águas superficiais,16,17 residuárias33 e de sedimentos.14 Assim, o método de extração de estrógenos em MPS validado neste estudo pode ser aplicado para a avaliação da ocorrência, distribuição e perfil destes compostos na coluna d'água.

Para detecção destes compostos em amostras ambientais, a técnica instrumental usada no presente estudo, a cromatografia líquida com detector de fluorescência (LC-FLD), é menos utilizada do que a cromatografia a gás acoplada à espectrometria de massas (GC-MS)15 e, especialmente, a cromatografia a líquido acoplada à espectrometria de massas (LC-MS).15 Essas técnicas alternativas têm boa sensibilidade, com valores de LOD e LOQ variando na ordem de ng L-1 a µg L-1. Entretanto, a aquisição, operação e manutenção de instrumentos de LC-MS e GC-MS são mais dispendiosas do que as de equipamentos usados na técnica de LC-FLD, que além do menor custo, tem operação mais simples e não necessita de derivação dos estrógenos, assim como a GC-MS, para atingir bons limites de detecção.

Ocorrência dos estrógenos no ambiente aquático

Água superficial

Nas amostras de água superficial, somente o estrógeno EE2 foi detectado em concentrações quantificáveis. Ele esteve presente na campanha de verão de 2020, nos pontos P12 (89 ng L-1), P10 (98 ng L-1) e P11 (177 ng L-1), nas porções norte e leste da baía, próximas à sua desembocadura e, em menores concentrações, na campanha de primavera de 2020, quando atingiu um valor máximo de 79 ng L-1 nos pontos P1, P2, P3 e P5, nas porções oeste e central da baía, e se manteve < MQL nos demais pontos. Nas campanhas amostrais de verão e inverno de 2019, nenhum dos estrógenos investigados foi detectado nas amostras de água superficial.

A detecção de EE2 em águas superficiais da Baía de Guaratuba (79 a 177 ng L-1) pode estar relacionada à entrada de esgoto no estuário, assim como ocorre em outras localidades. Montagner et al.15 por exemplo, corroboraram essa hipótese ao reportar que em diversas localidades do Brasil, principalmente nas regiões mais densamente urbanizadas e industrializadas, os níveis de EE2 variaram entre não detectáveis até 100 ng L-1 em esgoto tratado, e de 0,56 a 3180 ng L-1 em esgoto bruto, enquanto em águas superficiais as concentrações variaram de 0,3 a 249,0 ng L-1. Notavelmente, na Baía de Guaratuba, os níveis de esgoto historicamente relacionados à flutuação sazonal na população parecem ter influenciado diretamente no padrão de distribuição espaço-temporal das concentrações de EE2 ao longo do período investigado. Assim, conforme ilustrado em uma análise de componentes principais (PCA) (Figura 4), os níveis deste estrógeno foram mais elevados na porção mais externa do estuário (P10-P12) no verão, quando a elevada população de turistas se concentra nestas regiões mais próximas às praias. Do contrário, na primavera e inverno, os níveis mais elevados de EE2 na porção mais interna do estuário (P1-P5) sugerem que as maiores fontes no período de baixa densidade populacional podem ser os rios que deságuam nesta região. Neste contexto, destaca-se o potencial papel do Rio São João, que drena uma porção do planalto onde está estabelecida a cidade de Curitiba, município com população de 1,8 milhões de habitantes.40 As medições feitas na água superficial dos pontos localizados na porção intermediária do estuário (P6-P9) se situaram próximas à origem dos eixos na PCA, indicando um menor grau de explicação pelo modelo multivariado de distribuição espaço-temporal (Figura 4), provavelmente pela mistura de águas de origens distintas nesta região.

 

 

Recentemente, a União Europeia estabeleceu uma lista de vigilância de substâncias que devem ser monitoradas em águas superficiais, nos termos da Decisão de Execução 2018/840,59 propondo limites máximos de detecção de 0,035 ng L-1 para EE2 e 0,40 ng L-1 para E1 e E2. Desta forma, a exemplo de outros países como França, Alemanha, Itália, Suécia e Estados Unidos, onde a concentração de EE2 tem variado de 0,9 a 150 ng L-1,17 os níveis deste estrógeno encontrados em águas superficiais no Brasil, de 0,3 a 249 ng L-1,15 alertam para um potencial risco ao ambiente aquático. Um cenário extremamente mais preocupante foi descrito na China, cujas concentrações de EE2 em águas superficiais foram muitos superiores, atingindo o patamar de 17,112 ng L-1.17

Material particulado em suspensão

No MPS, as maiores concentrações dos estrógenos E2, E3 e EE2 na Baía de Guaratuba ocorreram principalmente nos pontos de P1 a P6, localizados nas porções oeste e central do estuário, predominantemente na estação de verão, comparada ao inverno e à primavera. Ainda, o padrão de variação espacial nas concentrações de estrógenos foi ligeiramente distinto entre os dois anos amostrados. Na campanha de verão de 2019, as maiores concentrações de estrógenos foram medidas nos pontos amostrais P2 a P5: até 392 ng g-1 para E3, de 466 a 560 ng g-1 para EE2, e de 2470 a 3080 ng g-1 para E2. No inverno do mesmo ano, as concentrações variaram de níveis não detectáveis até 436 ng g-1 para EE2 em P4 e P6, e entre 337 e 660 ng g-1 para E2 em P2 e P3. Já no ano de 2020, o estrógeno EE2 foi quantificado nos 12 pontos amostrados em ambas as campanhas amostrais, com concentrações variando de 535 a 4108 ng g-1 no verão e entre 386 e 3542 ng g-1 na primavera. Conforme destacado em uma PCA (Figura 5), as concentrações de EE2 estiveram fortemente correlacionadas (r = 0,56; p < 0,05) com os períodos de coletas do verão de 2020 (V20) e da primavera de 2020 (PR20). De maneira geral, os pontos mais internos no estuário (P1 a P4) tiveram relação positiva no modelo da PCA (i.e., estão à direita do eixo vertical), sendo a relação inversa para os demais pontos amostrais, fato que esteve diretamente relacionado à tendência de diminuição das concentrações de EE2 no MPS das regiões mais internas em direção à desembocadura da baía no verão de 2020 (Figura 6). Por fim, o estrógeno E2 apresentou concentração abaixo do MQL nos pontos P1, P2, P10 e P11, assim como o E3 no ponto P1, durante a primavera de 2020.

 

 

 

 

A maior frequência de detecção dos estrógenos no verão pode estar associada ao aumento populacional que ocorre nas praias da região da Baía de Guaratuba. Esses resultados corroboram aos obtidos por Dauner e Martins42 que detectaram maiores concentrações de hidrocarbonetos alifáticos e alquilbenzenos lineares durante o verão no MPS da mesma baía, destacando a importância do aumento da influência humana durante esta época do ano. Ainda, as maiores concentrações de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos na Baía de Guaratuba também foram verificadas no período de verão, estando relacionadas ao turismo, a um maior fluxo de veículos e embarcações e ao aumento populacional nas praias.39

Na região oeste da baía (pontos P1 a P6), onde foram detectados os maiores níveis de estrógenos no MPS, há uma grande contribuição de água doce proveniente dos rios da região, os quais podem servir de fonte destes compostos. De forma similar, Combi et al.43 avaliaram a distribuição espacial de pesticidas organoclorados e bifenilas policloradas em amostras de sedimentos superficiais, sugerindo que as fontes desses contaminantes estão relacionadas às atividades humanas nas margens e na bacia de drenagem dos dois principais rios que desaguam na região (rios São João e Cubatão). Por fim, Cabral et al.38 mostraram que os níveis de coprostanol, um esterol de origem fecal excretado por animais superiores e associado a contaminação por esgoto, em MPS na Baía de Guaratuba foi relativamente maior do que aqueles sugeridos na literatura12,13,30 para sedimentos, indicando um potencial de contaminação por esgotos na baía.

A solubilidade em água (SW) e o coeficiente de partição octanol-água (log KOW) são parâmetros importantes para avaliação da sorção de compostos orgânicos.60 Com relação aos compostos aqui avaliados, EE2 (SW = 4,8 mg L-1, log KOW = 4,14) tem um menor SW e maior log KOW que E1 (SW = 13 mg L-1, log KOW = 3,43), E2 (SW = 13 mg L-1, log KOW = 2,94) e E3 (SW = 13 mg L-1, log KOW = 2,81).44 Valores de log KOW > 4 caracterizam moléculas hidrofóbicas que tendem a se associar aos materiais sólidos, tais como sedimento, solo e MPS, enquanto moléculas hidrofílicas caracterizadas por um baixo log KOW (< 2,5) têm menor potencial de sorção.44 Diversos fatores podem influenciar as concentrações de contaminantes em matrizes aquáticas, como demonstrado por Gong et al.61 que avaliaram os perfis verticais e distribuição de E1 e de outros contaminantes emergentes em diferentes matrizes do Pearl River na China, bem como a influência de fatores ambientais. Os autores observaram que o oxigênio dissolvido, a temperatura da água e pH foram correlacionados negativamente com as concentrações dos contaminantes estudados, além de também terem obtido relação negativa entre os valores de oxigênio dissolvido e coeficiente de distribuição (Kd) para 4-t-octilfenol e 4-nonilfenol. Os autores afirmaram, ainda, que esses parâmetros ambientais foram os principais responsáveis pela distribuição vertical dos contaminantes e partição água-MPS nos rios estudados. Relações positivas também foram encontradas, tais como a relação entre clorofila e os contaminantes na fase particulada, assim como os valores de Kd para sistema algas/água em reservatórios que foram comparáveis aos valores de Kd para sistemas MPS/água e sedimento/água dos rios estudados. Estes resultados sugerem que as algas podem desempenhar um papel importante na distribuição de contaminantes emergentes em águas superficiais.61 Vale ressaltar, também, que o EE2 é o mais persistente dentre os estrógenos estudados neste trabalho, com um tempo de meia-vida na água de aproximadamente 17 dias, condizente com sua baixa taxa de fotodegradação.48 Além disso, a atividade estrogênica do EE2 chega a ser 1,2 vezes maior que os hormônios naturais estudados neste trabalho, indicando seu forte potencial para induzir efeito estrogênico em seres humanos e na vida selvagem.62

Embora a investigação da presença de estrógenos em MPS seja importante para se compreender as rotas de transporte destes compostos em sistemas complexos como os estuários, poucos estudos acerca deste tema estão disponíveis na literatura. Nie et al.13 investigaram a ocorrência, distribuição e a atividade estrogênica de E1, E2, E3 e EE2 em MPS, sedimento e água superficial ao longo do estuário do Yangtze, na China. Os autores detectaram EE2 em MPS (até 39,9 ng g-1) e sedimento (até 22,9 ng g-1), sendo que E2 e EE2 contribuíram mais para a atividade estrogênica em comparação com os outros estrógenos, tanto em águas superficiais quanto em sedimentos. Yan et al.12 mostraram que as concentrações de estrógenos no sedimento da bacia noroeste do Lago Taihu, China, foram amplamente afetadas pelo transporte e destino do MPS. Neste típico sistema flúvio-lagunar de planície, com grave poluição associada às intensas atividades antrópicas, as cargas de EE2 transportadas pelo MPS foram 2,6 vezes superiores àquelas carreadas na água. Assim, o MPS pode desempenhar um papel vital no transporte e no destino de estrógenos em ambientes aquáticos complexos como rios, lagos e baías.

A matéria orgânica e os minerais constituintes do MPS são os principais componentes responsáveis pela adsorção de estrógenos e outros desreguladores endócrinos.63 Assim, uma importante preocupação ambiental é que a ingestão de MPS pelos organismos possa resultar em alterações ecotoxicológicas pouco conhecidas. O estrógeno sintético EE2, predominantemente encontrado neste estudo na Baía de Guaratuba é o principal componente de contraceptivos orais e um dos medicamentos mais consumidos do mundo,2 causando grande preocupação no meio científico, pois tem sido apontado como o principal composto responsável por provocar alterações endócrinas nos organismos. Entre as alterações mais frequentes e preocupantes está o processo de feminilização de peixes machos,4,64,65 que é o desenvolvimento de características sexuais femininas, comprometendo o ciclo reprodutivo dos organismos e desencadeando o desequilíbrio do ecossistema no qual se insere.66-68

A Baía de Guaratuba continha níveis detectáveis de EE2 em 56% das amostras de MPS, com concentrações de até 4108 ng g-1, o que representa valores até 100 vezes maiores do que em outras baías do planeta, tal como encontrado por Yan et al.12 na China. Por fim, o fato da Baía de Guaratuba estar inserida e rodeada por unidades de conservação ambiental demonstra a importância do desenvolvimento de métodos analíticos confiáveis e relativamente simples, como o descrito no presente estudo, para o monitoramento destes contaminantes em ambientes aquáticos. Ferramentas como essas são aliadas valiosas em futuras ações de conservação ambiental que busquem mitigar possíveis efeitos deletérios de poluentes emergentes.

 

CONCLUSÕES

Os métodos analíticos validados atenderam às normas internacionais quanto aos parâmetros de validação para a determinação de compostos em matrizes ambientais, com destaque para a verificação do efeito de matriz. Desta forma, podem ser utilizados para fins de monitoramento das concentrações de E1, E2, E3 e EE2 nas matrizes estudadas na Baía de Guaratuba e, possivelmente, em outros estuários.

O estrógeno sintético EE2 foi quantificado no material particulado em suspensão na maioria dos pontos de coleta, mostrando uma tendência de maiores concentrações nos pontos localizados nas regiões oeste e central do estuário, diminuindo em direção à desembocadura do estuário. Além disso, as maiores concentrações dos estrógenos ocorreram no verão, devido ao aumento populacional oriundo do turismo das praias. Já nas épocas de menor densidade populacional no litoral (primavera e inverno), as maiores concentrações de EE2 na água superficial ocorreram nas porções mais internas da baía, associadas ao aporte de rios que drenam grandes cidades no planalto do estado, incluindo a capital Curitiba.

A presença de EE2 na Baía de Guaratuba causa preocupação uma vez que estudos mostram que este contaminante emergente pode induzir efeitos estrogênicos em peixes, mesmo em concentrações da ordem de ng L-1, potencialmente comprometendo a sustentabilidade do meio aquático. Alguns países europeus e os Estados Unidos contam com programas de monitoramento de EE2 em algumas matrizes ambientais, tais como água de rio, com a finalidade de avaliar a sua inclusão em legislações ambientais a partir das concentrações e frequência de detecção encontradas. No Brasil, entretanto, não há um programa governamental voltado para determinação analítica deste estrógeno sintético em matrizes ambientais. Deste modo, os dados gerados na presente investigação são bastante relevantes para as pesquisas em ciências ambientais, com importantes implicações num contexto de desenvolvimento socioeconômico e de conservação ambiental desta e outras regiões costeiras no país.

 

MATERIAL SUPLEMENTAR

As Tabelas 1S e 2S, que apresentam todos os valores de tcalculado e ttabelado utilizados para a avaliação do efeito de matriz nos três níveis de fortificação, estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br no formato pdf, com livre acesso.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de pesquisa e pelo suporte financeiro (processo 406130/2016-7).

 

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Editor Associado responsável pelo artigo: Cassiana C. Montagner

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