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Furtos de fontes de radiação e seus impactos: aplicação de conceitos de radioquímica/química nuclear e seus desdobramentos para a sociedade Stolen radiation sources and their impacts: application of radiochemistry/nuclear chemistry concepts and their developments for society |
Hector H. S. MedradoI,II,* I. Unidade de Concentração de Urânio, Indústrias Nucleares do Brasil, Fazenda Cachoeira, 46400-000 Caetité - BA, Brasil Recebido: 27/07/2024 *e-mail: hector@inb.gov.br Terms such as alpha and beta particles, positrons, activity and dose are covered in Nuclear Chemistry and Radiochemistry and are not normally part of the curricula of undergraduate chemistry courses in Brazil. The main types of nuclear radiation consist of the emission of alpha, beta particles and gamma rays, and these radiations depend on the charge, mass and kinetic energy. Quantities such as activity, half-life and specific activity are used to describe radioactive sources meanwhile absorbed dose, effective dose and coefficient dose are important for measuring the radiation damage. In this paper, these concepts were applied to build up the radionuclide-activity-exposure triad, a systematic tool to evaluate stolen radiation sources events occurred in Brazil. The accident with Cs-137 occurred in Goiânia in 1987 was classified as serious because it is a β- and γ-emitting radionuclide with a low half-life and moderate specific activity, a source with high activity and exposure occurred through ingestion and inhalation. The incidents occurred in Rio de Janeiro (RJ), Nazareno (MG) and São Paulo (SP) did not result in casualties because the activities of the sources were low and the shields were not breached, which did not result in exposures through inhalation or ingestion. INTRODUÇÃO Fontes de radiação fazem parte do nosso cotidiano de uma forma muito mais frequente que o cidadão comum imagina. Presentes em instalações industriais de grandes centros urbanos, são amplamente utilizadas na indústria cervejeira e de papel para a medida do nível das bebidas em garrafas e a mensuração das espessuras de folhas de papel. Além do setor industrial, os materiais radioativos encontram aplicação direta no bem-estar social no âmbito da saúde humana (Figura 1). Apesar da ampla gama de benefícios, as fontes de radiação estão também sujeitas às adversidades da vida moderna, como a violência urbana. Assim, ocasionalmente, são noticiados furtos desses materiais.
Fontes de radiação são equipamentos ou materiais que emitem ou são capazes de emitir radiação ionizante ou de liberar substâncias ou materiais radioativos.1 Com exceção dos equipamentos que geram radiação apenas quando ligados a uma fonte externa de energia (como os equipamentos de radiodiagnóstico por raios X), as fontes radioativas possuem, no mínimo, um radionuclídeo. Radionuclídeo é um átomo que emite radiação de origem nuclear, devido às instabilidades energéticas no núcleo atômico. Para classificar e mensurar a radiação nuclear, são utilizados termos como partículas alfa e beta, raios gama, pósitrons e grandezas como constante de decaimento, atividade e dose.2 Esses termos normalmente são abordados em livros textos de química nuclear e radioquímica,2-4 disciplinas que normalmente não fazem parte dos currículos dos cursos de graduação em Química do Brasil.5,6 Embora química nuclear e radioquímica apareçam como uma especialidade da subárea físico-química na Tabela de Áreas do Conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),7 a comunidade química nacional, habituada às áreas mais tradicionais dessa ciência, como a química inorgânica, química orgânica, química analítica e até mesmo da físico-química, desconhecem a química e as propriedades dos átomos emissores de radiação nuclear. Quando ocorrem eventos de furtos de fontes como aqueles em Goiânia (GO) em 1987, em Nazareno (MG) em 2023 e em São Paulo (SP) em 2024, há um certo "apagão" sobre os detalhes e as consequências deste tipo de acontecimento pelos químicos em geral. Notadamente, apenas a pequena parcela desses profissionais, que se dedicaram ao estudo de física das radiações, química nuclear e radioquímica8-12 se aventuram em comentar as situações. Neste sentido, este artigo tem como objetivo auxiliar os profissionais da Química com informações científicas, abordando de forma básica conceitos de física das radiações, de modo que possa fomentar discussões sobre casos de acidentes radiológicos, assim como a busca por fontes confiáveis de informação.
A NATUREZA DA RADIAÇÃO NUCLEAR As reações químicas, objeto alvo da Química, envolvem elétrons (em especial, os de valência), partículas subatômicas que se encontram na eletrosfera do átomo. Os elétrons estão submetidos a forças eletrostáticas de atração e de repulsão, que são normalmente utilizadas como base para explicar reações químicas e interações intermoleculares.13 Por outro lado, o núcleo atômico é composto por prótons e nêutrons. Para explicar como o núcleo atômico permanece existindo mesmo com a forte repulsão eletrostática entre prótons, foi proposta a existência da força nuclear (em específico, a Força Nuclear Forte), que é uma força de atração (Figura 2).14,15
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A configuração do núcleo (distribuição de prótons e nêutrons) ocorre de forma semelhante àquela da eletrosfera, também na forma de orbitais, mas estes não estão relacionados a regiões espaciais (como ocorre com os elétrons). Enquanto na eletrosfera a energia dos orbitais advém da combinação de forças eletromagnéticas de atração núcleo-elétron e de repulsão elétron-elétron, os orbitais do núcleo descrevem os níveis de energia dos prótons e nêutrons, submetidas a campos de forças intensas e de curto alcance (Força Nuclear Forte). Assim, devido às diferentes naturezas das forças envolvidas, o valor médio da energia de ligação dos núcleos é em torno de 7,5 MeV, muito maior que a energia de ligação dos elétrons.14 Experimentalmente, constata-se que núcleos com número de massa iguais a 2, 8, 20, 28, 50 e 82 não são propensos à emissão de radiação. Essa distribuição de prótons e nêutrons nos orbitais do núcleo atômico segue um padrão também semelhante ao da eletrosfera, com números prefixados para cada nível de energia e são amplamente conhecidos como "números mágicos" na literatura nuclear.4,14-17 O incremento de prótons no núcleo (e, consequentemente, mudança do elemento químico) leva ao aumento das forças eletrostáticas repulsivas. Em certo ponto, a Força Nuclear Forte não é mais capaz de compensar as forças eletrostáticas repulsivas e manter os prótons e nêutrons unidos. Para diminuir esse excesso de energia no núcleo atômico, há então a emissão de radiação na forma corpuscular (partículas), normalmente acompanhada de liberação de ondas eletromagnéticas.14 Porém, mesmo a emissão inicial de uma partícula seguida de uma onda eletromagnética não é suficiente para alcançar a configura estável do núcleo, que seria aquela de um dos "números mágicos" citados anteriormente. Dessa forma, é comum que os novos núcleos filhos também emitam radiação até chegarem a uma configuração estável (Figura 3).4
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OS TIPOS DE RADIAÇÃO NUCLEAR Partículas alfa (α) Existem, basicamente, três principais modos como os núcleos instáveis emitem radiação. Dois destes modos são na forma de partículas. Em núcleos pesados, ocorre a emissão de partículas alfa (α), formada por um núcleo com dois prótons e dois nêutrons e, portanto, carga relativa de 2+. A partícula alfa equivale a um núcleo de He-4, isótopo do hélio mais abundante na natureza e que não é radioativo. O núcleo filho, gerado a partir da emissão da partícula α, possui uma diferença de dois prótons e dois nêutrons em relação ao núcleo que o deu origem, diminuindo quatro unidades de massa atômica.4,14 Isso posto, um elemento, ao emitir uma partícula α, terá, como filho, o elemento com número atómico menor em duas unidades (Equação 1). ![]() Vale frisar que a massa atômica que aparece na tabela periódica corresponde à média ponderada, considerando as proporções relativas na natureza, dos números de massa dos isótopos de cada elemento. Assim, ao buscar na tabela periódica o elemento U (urânio), sua massa atômica é informada como 238 amu e não 234. Isso significa que a média ponderada dos números de massa dos isótopos do U, que inclui o U-234, é igual a 238. Por este resultado, presume-se que outros isótopos do U sejam mais abundantes na natureza do que o U-234, o que confirma pela seguinte proporção U-238 = 99,3%, U-235 = 0,72% e U-234 = 0,006%.18 Partículas beta (β) O decaimento beta (β) ocorre com a emissão de radiação na forma de partículas beta, que podem ser de dois tipos: β- e β+. A partícula β- possui uma carga relativa negativa (1-) e massa desprezível, igual a 1/1.800 da massa do próton. Partículas subatômicas com tais características são conhecidas dos livros de Química Geral12 e equivalem às propriedades do elétron. De fato, a partícula β- é um elétron ejetado do núcleo atômico instável.4,14 À primeira vista, parece incoerente que um elétron, comumente encontrado na eletrosfera, seja emitido da região de carga positiva do átomo. Porém, o mecanismo que gera a partícula β explica habilmente tal natureza.2,4,14 Em núcleos com excesso de nêutrons em relação ao número de prótons (seguindo o modelo dos "números mágicos" da configuração nuclear), um nêutron transmuta-se em:
Neste processo, a massa do núcleo não é alterada, uma vez que prótons e nêutrons têm massa relativa iguais. A conservação da carga é obtida pela desintegração de uma partícula neutra (o nêutron) em três partículas, sendo duas delas de cargas opostas: o próton com carga relativa 1+ e o elétron (partícula beta) 1-. O elétron, altamente energético, é expelido do núcleo na forma de radiação β- (Figura 4).
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A situação oposta (excesso de prótons em relação ao número de nêutrons) leva à ocorrência de um fenômeno semelhante: decaimento β+. Neste caso, um próton transmuta-se em:4,14
Semelhante ao que ocorre no decaimento β-, a massa do núcleo não é alterada, uma vez que prótons e nêutrons têm massa relativa iguais. A conservação da carga é obtida pela desintegração de uma partícula de carga positiva (o próton) em três partículas, sendo uma delas portadora de carga: o pósitron (β+) com carga relativa 1+, um nêutron e um neutrino (ambos com carga igual a zero). O pósitron, altamente energético, é expelido do núcleo na forma de radiação β+ (Figura 5) e, após transferir sua energia cinética adicional ao meio material, interage com um elétron, formando o positrônio (sistema constituído pelo elétron e sua antipartícula, o pósitron), que posteriormente se aniquila, gerando dois raios gama com energia 0,511 MeV cada, emitidos em sentidos opostos.14
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O pósitron é a antipartícula do elétron, possui mesmo número de massa, porém carga oposta. Situação semelhante ocorre com o neutrino e o antineutrino, embora possuam carga e massa iguais a zero.14 Portanto, a emissão de uma partícula β- (Equação 2) leva ao avanço de uma unidade no número atômico na tabela periódica, enquanto a β+ (Equação 3) corresponde à redução de uma unidade no número atômico. ![]() Nos dois tipos de decaimento beta, embora não ocorra alteração do número de massa do núcleo, há a alteração da proporção entre prótons e nêutrons. Ao deixar de existir, o nêutron (ou o próton) que dá origem a um próton (ou a um nêutron) faz o núcleo se aproximar do número mágico mais próximo, aumentando a sua estabilidade. Raios gama (γ) O decaimento gama (γ) se dá pela emissão de ondas eletromagnéticas (e, por isso, não é utilizado o termo "partícula gama") pelos núcleos atômicos quase que imediatamente após a emissão de partículas α, β- ou β+. O intervalo de tempo entre um decaimento α ou β e a emissão de um raio γ normalmente é da ordem de 10-16 a 10-12 s. Porém, alguns núcleos podem continuar em estados excitados e a emissão de raios γ ocorre após períodos longos,4 como é o caso do Mo-99, que decai emitindo uma partícula β-, formando o Tc-99m, no qual o "m" indica que se trata de um isótopo metaestável, cuja meia-vida é em torno de 6 h.19 Por se tratar de ondas, os raios γ possuem massa desprezível e carga elétrica nula,14 não alterando o núcleo atômico em termos de número de prótons ou nêutrons. Assim, não há mudança de elemento químico quando da sua emissão. Muito semelhantes em natureza aos raios γ são os raios X, inclusive, com mesma faixa de energia. Entretanto, os raios X são ondas eletromagnéticas que têm origem na eletrosfera, enquanto os raios γ são provenientes do núcleo atômico.4
INTERAÇÃO DA RADIAÇÃO COM A MATÉRIA A radiação nuclear é conhecida como radiação ionizante, uma vez que ela possui energia suficiente para remover elétrons dos diversos tipos de materiais, causando o fenômeno de ionização. As propriedades eletrônicas (carga), energéticas (energia cinética) e inerciais (massa) das radiações são os principais fatores que influenciam na sua interação com a matéria. Pode-se fazer o seguinte raciocínio:
Na Tabela 1, estão apresentadas as características dos tipos de radiação.
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A radiação pode interagir com a matéria por meio de três mecanismos básicos: excitação, ionização e ativação. Na excitação, os elétrons do material que interagiram com a radiação passam a ocupar orbitais de mais alta energia e, posteriormente, retornam para o estado fundamental. Neste processo, não há ionização. Para ocorrer a ionização, a energia transferida da radiação para o material é suficiente para ultrapassar a energia de ligação entre os átomos, de modo que há formação de íons, elétrons e/ou radicais livres. Dessa forma, a ionização é um processo que ocorre na eletrosfera dos átomos (com os elétrons de ligação). Já o processo de ativação envolve energia mais altas pelo choque de partículas diretamente com o núcleo atômico, levando-o a uma situação energética mais elevada que irá propiciar a subsequente emissão de radiação.14 O efeito da radiação sobre os organismos vivos reside sobre as consequências do poder de ionização dos diversos tipos de radiação (α, β e γ), em nível molecular, com os constituintes (átomos, moléculas e íons) das diversas estruturas celulares. Se o constituinte alterado possuir um papel crítico para o funcionamento da célula (como é o caso do material genético), ela pode ser alterada (célula mutante) ou sofrer apoptose (morte celular). A reposição celular faz parte de sua operação normal da célula, mas quando o organismo não consegue sobrepor este efeito, ocorre o dano.14 As partículas α possuem a maior carga, maior massa relativa e as mais altas energias quando comparadas aos demais tipos de radiação. Devido a sua massa relativamente elevada, seu poder de penetração é baixo no meio material. Assim, essas partículas são rapidamente blindadas por poucos centímetros de ar atmosférico, por uma folha de papel ou pela primeira camada de células mortas sobre a pele humana. Por outro lado, as partículas α possuem alta carga e energia cinética. Tais características conferem um alto poder de ionização, removendo elétrons das eletrosferas, por meio de um forte campo elétrico, dos materiais com os quais elas interagem. Para fins de comparação, a faixa de energia das partículas alfa vai de 4 a 10 MeV,20 e são bem mais altas quando comparadas as energias de ligações covalentes, que alcançam apenas 11 eV.21 Por esse motivo, caso um radionuclídeo emissor α seja ingerido ou inalado, não haverá a proteção da camada de células já mortas e as partículas α atingirão, com seu alto poder ionizante, diretamente tecidos vivos, podendo causar efeitos deletérios em organelas e no material genético. As partículas β (β- ou β+) são menos pesadas (menor massa) que as partículas α, o que lhes confere maior alcance. Como sua carga elétrica (em módulo) e as energias também são menores, seu poder de ionização também é menor, quando comparado às partículas α. Portanto, as partículas β não são blindadas pelo papel, embora uma pequena folha de madeira seja suficiente para que elas não sejam detectadas na face oposta.14 Seus efeitos na ionização do material genético são menos expressivos que aqueles causados pelas partículas α. Por fim, a radiação γ, cuja massa é desprezível, atravessa longas distâncias em meios materiais e seu poder ionizante é baixo, uma vez que não possui carga. É importante ressaltar que raios γ de origem cosmogênica, gerados em eventos estelares ou semelhantes, podem alcançar até 100 TeV.22 Os raios γ são blindados apenas por materiais de alta densidade, como o chumbo, que aumenta a probabilidade de interação com essa radiação eletromagnética. Entretanto, raios γ possuem o menor poder de ionização e seus efeitos são menos significativos no meio celular. Tecidos e órgãos possuem resistência diferentes à radiação. Normalmente, tecidos nos quais a divisão celular possui frequência elevada (como as células sanguíneas e da pele) são mais sensíveis à radiação, enquanto os tecidos ósseos e neurais, cuja divisão celular é praticamente nula, sofrem menos efeitos danosos da radiação. Essa propriedade reside no fato de que células de baixa taxa de divisão celular são capazes de armazenar defeitos do material genético e de outras estruturas celulares sem comprometer as funções do órgão ou do tecido que constituem. Por outro lado, as células de alta taxa de divisão celular, quando alteradas pela radiação, têm dificuldade de se dividir e, quando conseguem, transmitem para as células filhas defeitos críticos nos seus funcionamentos que, normalmente, levam à apoptose.14
GRANDEZAS RADIOMÉTRICAS E DOSIMÉTRICAS A Agência Internacional de Energia Atômica (International Atomic Energy Agency, IAEA) é o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) considerado como o centro mundial de cooperação no campo nuclear. Foi criada como a organização mundial e trabalha com os Estados-Membros e vários parceiros da ONU em todo o mundo para promover o uso seguro e pacífico de tecnologias nucleares.23 Ainda no cenário internacional, a Comissão Internacional de Proteção Radiológica (International Comission on Radiological Protection, ICRP) também figura como instituição cuja missão é promover, para o benefício público, a ciência da proteção radiológica, em particular fornecendo recomendações, diretrizes e orientações sobre todos os aspectos contra a radiação ionizante.24 As duas instituições trabalham muitas vezes em parceria para promover a atuação segura do setor nuclear, por diversos meios, incluindo a emissão de documentos técnicos de caráter orientativo, buscando o uso seguro da radiação ionizante para as diversas atividades humanas. Nesses documentos, são definidas as grandezas a serem utilizadas, assim como os seus limites para o uso seguro da radiação. No Brasil, o setor nuclear é regulado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que busca garantir o uso seguro e pacífico da energia nuclear, desenvolver e disponibilizar tecnologias nuclear e correlatas, visando ao bem-estar da população brasileira e desenvolver a política nacional de energia nuclear. A CNEN estabelece normas e regulamentos em proteção radiológica e segurança nuclear e é responsável por regular, licenciar e fiscalizar a produção e o uso da energia nuclear no Brasil.25 Como Estado-Membro da ONU, a CNEN normalmente emite documentos normativos, com força de Lei, baseados naqueles disponibilizados pela IAEA e pelo ICRP. Atividade (A) Para avaliar a "quantidade de radiação" de um material, cientistas da área lançam mão da própria taxa de emissão de radiação, ou seja, a quantidade de desintegrações de núcleos atômicos por unidade de tempo que uma amostra radioativa possui. Essa grandeza é chamada de atividade e pode ser expressa em Bq (Becquerel), que corresponde a uma desintegração nuclear por segundo, ou Ci (Curie), que corresponde ao número de desintegrações por segundo de uma amostra de 1 g de Ra-226 (1 Ci = 3,7 × 1010 Bq). Para radionuclídeos artificiais, cujas atividades são altas por interesse humano, usa-se Ci ou seus submúltiplos (mCi, µCi, etc.). Constante de decaimento (λ) e meia-vida (t1/2) Uma amostra radioativa não emite toda a sua radiação em apenas um evento de desintegração. Na verdade, ela está, a todo momento, emitindo radiação. Embora não seja possível prever quando um único núcleo emitirá radiação (por se tratar de um evento quântico e, portanto, probabilístico), é possível realizar essa previsão quando há uma quantidade macroscópica dessa amostra. Quanto maior a quantidade da amostra, maior será a probabilidade de ocorrerem decaimentos, o que significa que a taxa de decaimento, por átomo, é constante no tempo. Essa probabilidade é conhecida como constante de decaimento (λ), e a unidade é o segundo recíproco (s-1).4,14 A constante de decaimento λ é a constante de proporcionalidade que indica que uma amostra radioativa terá um decréscimo exponencial da sua atividade (A) em relação àquela inicial (A0), decorrido um intervalo de tempo t, por meio da relação expressa na Equação 4. ![]() A diminuição da atividade significa que a quantidade de núcleos instáveis diminui com o tempo. No limite, após um tempo consideravelmente longo, todos os átomos radioativos terão decaído e apenas restarão núcleos estáveis. Embora os valores de λ sejam bem conhecidos, costuma-se convertê-los para o intervalo de tempo no qual metade dos átomos radioativos terão sofrido decaimento.14 Esse intervalo de tempo é conhecido como meia-vida e é obtido diretamente a partir do valor de λ (Equação 5). ![]() Ao conhecer a meia-vida de certo radionuclídeo, é possível prever se aquela amostra continuará sendo radioativa por muito tempo ou não. A meia-vida do U-238 é aproximadamente 4,5 × 109 anos, enquanto a meia-vida do Ra-226 é 1.600 anos,19 o que significa que uma amostra do segundo deixará de ser radioativa muito antes do primeiro, considerando atividades iniciais iguais. Dessa forma, quanto maior a meia-vida, mais tempo levará para que um material deixe de ser radioativo, o que explica porque os cadernos de laboratório da Marie Curie, contaminados com Ra-226, somente poderão ser acessados daqui um milênio e meio. Atividade específica (AE) Cada radionuclídeo possui uma atividade específica, que corresponde a sua atividade por unidade de massa. As atividades específicas (AE) dependem da meia-vida do radionuclídeo (t1/2), assim como da sua massa molar (M) e podem ser obtidas por meio da Equação 6, na qual NA representa a constante de Avogadro (≈ 6,02 × 1023). ![]() Dos termos da Equação 6, o produto (ln 2 × NA) representa uma constante. As duas variáveis são, portanto, M e t1/2. M varia, no máximo, duas ordens de grandeza para todos os radionuclídeos conhecidos. Por outro lado, as meias-vida possuem uma ampla faixa, indo de nanossegundos a bilhões de anos. Assim, esta é a variável de maior peso para determinar se um radionuclídeo é muito radioativo ou não. Devido à relação inversamente proporcional, verifica-se claramente que os radionuclídeos de meia-vida curta são mais radioativos que aqueles de meia-vida longa, como indica o senso comum e demonstrado nos dados da Tabela 2.
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Dose absorvida (D) e dose efetiva (E) O dano causado por um material radioativo a um ser vivo não é avaliado apenas pela atividade. Devem ser considerados também a qualidade da radiação emitida, assim como o meio material que sofrerá os danos dessa radiação. Dessa forma, o dano causado pela radiação é avaliado por meio da grandeza dose. A dose absorvida é igual à quantidade de energia (em J) depositada pela radiação por massa (em kg) do meio material receptor e sua unidade é o Gray (Gy).14 A dose efetiva é obtida pela ponderação relativa ao tipo de radiação incidente (alfa, beta ou gama) e ao tecido ou órgão receptor (olhos, cérebro, pele, gônadas etc.), cujos fatores são adimensionais. Como há uma ponderação, a dose efetiva passa a ser expressa em Sievert (Sv) ou seus submúltiplos, como o mSv ou µSv. A Equação 8 apresenta a expressão para obtenção da dose efetiva E,26 em função da dose absorvida D, do fator de peso do tipo de radiação wR e do fator de peso do tecido ou órgão wT: ![]() A expressão de E corresponde ao somatório dos efeitos da radiação em todos os tecidos e órgãos do corpo. Os fatores de qualidade da radiação wR estão apresentados na Tabela 3 e os fatores de peso de tecidos e órgãos wT na Tabela 4.
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Quando grandes quantidades de radiação são liberadas, a exemplo dos acidentes nucleares de Chernobyl27,28 e Fukushima,29,30 as doses recebidas por aqueles muito próximos do local são medidas em dose absorvida, já que a quantidade de radiação foi tão grande que não há diferença para qual tipo de radiação foi emitida ou qual órgão foi atingido (corpo todo). Coeficiente de dose efetiva (e) Em vários cenários de exposição à radiação, a dose efetiva pode ser diretamente obtida por meio da atividade do radionuclídeo e pelo coeficiente de dose efetiva para o tipo de exposição considerado (inalação, ingestão, exposição ao campo de radiação gama). Esses coeficientes estão disponíveis na literatura31 e se tornam uma maneira simples de se obter o dado de dose equivalente tendo como dados primários as atividades (ou concentrações de atividade) dos radionuclídeos presentes (Tabela 5).
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Na Tabela 5, foi utilizado o recurso matemático do cologaritmo [px = -log(x)], uma vez que os coeficientes de dose estão em ordens de grandeza muito menores que a unidade. Quanto menor o p(e), maior o coeficiente de dose efetiva (e). Para fins de comparação, foram apresentados os coeficientes de dose do Pu-239, radionuclídeo utilizado em armamentos nucleares e que proporciona grandes danos devido a sua radiação. Pode-se visualizar a grande diferença dos coeficientes de dose do Pu-239 e do Tc-99m, atingindo até sete ordens de grandeza [p(eingestão)]. Tríade RAE (radionuclídeo-atividade-exposição) Os conceitos anteriores podem ser sistematicamente organizados no intuito de avaliar incidentes e/ou acidentes que envolvam a emissão inadvertida de radiação ou a liberação descontrolada de material radioativo. A seguir, é proposto o uso da tríade RAE (radionuclídeo-atividade-exposição) e como ela pode ser utilizada como método preliminar para avaliar tais tipos de evento (Figura 6).
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Primeiramente, é importante considerar a natureza da radiação envolvida, ou seja, o tipo (ou mais comumente, os tipos) da radiação emitida pelo determinado radionuclídeo. A partir dessa avaliação, é possível avaliar o grau de dano que pode ser causado em determinado meio físico, a exemplo do organismo humano. Como comentado anteriormente, cada tipo de radiação, quer seja na forma corpuscular ou de ondas, possui um grau de efeito deletério nos organismos vivos. Em um segundo momento, a atividade da fonte deve ser conhecida ou, ao menos, estimada. Essa grandeza fornece o dado do quão radioativo é a massa de material envolvida. Embora em termos de massa essa quantidade possa parecer pequena, em termos de atividade, ela pode ser consideravelmente perigosa. Por fim, a exposição possui papel crucial na avaliação geral do cenário. Este último tripé considera tanto o estado físico da fonte (que indica seu grau de dispersão e alcance espacial), assim como a presença de sistema intrínseco de segurança (como a blindagem e o encapsulamento) e os coeficientes de dose para cada tipo de exposição (ingestão, inalação, irradiação, etc.). Assim, a partir dessa tríade, na sessão seguinte foram avaliados alguns furtos de fontes radioativas ocorridas no Brasil, cujas informações foram coletadas em sítios eletrônicos de reportagem e/ou da CNEN.
FURTOS DE FONTES RADIOATIVAS NO BRASIL Goiânia (GO), 1987 - Cs-137 No ano de 1987, o interesse por material metálico de grande peso (e, portanto, alto valor financeiro), conhecido como "ferro-velho", levou um grupo de pessoas a manusear, de forma incorreta e completamente inconsciente dos riscos, um equipamento de radioterapia desativado, que fora usado no Instituto Goiano de Radioterapia.32 O equipamento de radioterapia operava utilizando uma fonte de Cs-137. Considerado o maior acidente radiológico do mundo, levou à morte de quatro pessoas e outras mil foram contaminadas.33,34 O acidente foi o responsável pela geração de 6 mil toneladas de rejeito radioativo, que incluíram vestuário, solo, resíduos de construção civil de casas que foram demolidas, automóveis, utensílios domésticos, árvores e até animais sacrificados. Cabe, ainda, dizer que há uma diferença entre acidente radiológico e acidente nuclear, sendo que o primeiro decorre da liberação de material radioativo, enquanto o segundo está restrito às consequências advindas de materiais nucleares, normalmente encontrados em instalações onde haja elementos combustíveis para utilização em reatores nucleares.1 Vale mencionar que "material nuclear" é aquele formado por elementos nucleares (aqueles que podem ser utilizado na liberação de energia em reatores nucleares ou que possa dar origem a elementos químicos que possam ser utilizados para este propósito) ou seus subprodutos (como os elementos transurânicos e o U-235). Por outro lado, o termo "material radioativo" é mais amplo, se referindo a material emissor de qualquer radiação eletromagnética ou corpuscular, direta ou indiretamente ionizante.1 O Cs-137 é um emissor β- e γ e possui meia-vida de 30 anos.19 A fonte era composta de CsCl, sal altamente dispersível e solúvel em água, e detinha uma atividade de 50,9 TBq, correspondente a 1.375 Ci.35,36 A meia-vida considerável para a escala de tempo humana (t1/2 = 30 anos) indica que a atividade do material demandará ao menos oito meias-vidas para alcançar 1% da atividade inicial. Mesmo 1% de 50,9 TBq ainda é uma atividade extremamente alta. Ainda assim, a atividade específica do Cs-137 é alta (3,2 × 1012 Bq g-1), ou seja, cada grama de Cs-137 emite 3,2 × 1012 partículas beta e raios gama por segundo. A massa total de CsCl foi de pouco menos de 20 g,36 o que, considerando a relação isotópica neste material, foi capaz de gerar grandes prejuízos. Como emissor beta e gama, espera-se que seu poder de penetração não seja muito elevado. Também não se espera ionização elevada, pois as partículas β- e raios γ gama não possuem potencial para tal. Mesmo para essas condições, devido à atividade considerável da amostra, a exposição externa aos campos de radiação de gama também seria significativa. De forma ainda mais preponderante, houve também exposições por conta da ingestão e inalação do material altamente dispersível, fazendo com que as partículas β- e raios γ atingissem células vivas em órgãos vitais. A dose de radiação foi tão elevada que algumas pessoas tiveram sintomas da Síndrome Aguda da Radiação (SAR), como náuseas, vômitos, diarreia, sangramentos e coma.14,37 A SAR é um conjunto de sintomas que surgem nas primeiras 24 h logo após a exposição a grandes doses, quando o limiar de 1 a 2 Gy é ultrapassado. Existe uma relação dose-resposta tanto para o início como para a gravidade dos sintomas, com doses menores resultando em efeitos no trato gastrointestinal (náuseas e vômitos) e sintomas relacionados ao sistema hematopoiético (queda de plaquetas e diminuição da resposta imunológica a infecções). Quando a exposição ocorre a maiores doses, iniciam-se os efeitos no sistema neurológico encaminhando-se até o óbito.38-40 A Figura 7 resume a avaliação do acidente radiológico de Goiânia com Cs-137.
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Rio de Janeiro (RJ), 2012 - Se-75 Um carro, que continha uma fonte encapsulada de Se-75, foi roubado em abril de 2012 no Rio de Janeiro.41 A fonte era selada e não foi disponibilizada a sua atividade. A empresa responsável utilizava o Se-75 para radiografia por raios gama (gamagrafia) em serviços de inspeção e manutenção de soldas industriais. A fonte foi encontrada três dias após o roubo,42 com o encapsulamento e a blindagem intactos, o que não provocou dispersão do material. É importante mencionar que o encapsulamento e a blindagem, muitas vezes utilizados em conjunto em fontes de radiação, são barreiras de segurança diferentes. Enquanto o primeiro tem a função de evitar a dispersão do material radioativo, o segundo tem como objetivo a atenuação dos campos de radiação emitidos pela fonte. O Se-75 possui um tipo de decaimento particular, conhecido como captura eletrônica. Neste fenômeno, o intenso campo elétrico do núcleo atômico captura um elétron da camada K do átomo, convertendo um próton em um nêutron e emitindo um neutrino. A vacância deixada pelo elétron capturado pelo núcleo é preenchida por outro elétron de camadas mais externas que, nessa transição, emitem raios X.4,14 No fim do processo, o radionuclídeo filho tem um próton a menos que o seu pai, resultado semelhante ao decaimento β+. Após o decaimento, também são emitidos raios γ. No Se-75, as radiações emitidas pelo núcleo atômico são os raios γ e, na eletrosfera, raios X. Assim, a dose devido ao Se-75 equivale apenas a ondas eletromagnéticas. Como mencionado anteriormente, os raios γ (e os raios X) possuem alto poder de penetração e baixo poder de ionização. Assim, esperava-se que os efeitos deletérios sobre a matéria viva seriam poucos pronunciados, caso o encapsulamento e a blindagem não fossem avariados e o material exposto. Por outro lado, mesmo para essas condições, caso a atividade do material (desconhecida) fosse suficientemente alta, a exposição externa aos campos de radiação de gama também poderia ser considerável. A meia-vida do Se-75 é de 120 dias, um intervalo pequeno para a escala de tempo humano. Tal meia-vida, embora leve a uma atividade específica alta, também contribui para que uma amostra desse radionuclídeo deixe de ser radioativa em um tempo menor e se torne inofensiva do ponto de vista radiológico. A Figura 8 resume a avaliação do furto da fonte de Se-75 no Rio de Janeiro em 2012.
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Nazareno (MG), 2023 - Cs-137 Em 2023, um novo furto de fontes de Cs-137 acionou o sinal de alerta, em especial, devido aos impactos significativos do evento de 1987. O furto ocorreu numa mineradora no estado de Minas Gerais, que utilizava as fontes de Cs-137 de atividade individual de 185 MBq (5 mCi)43 como medidores de densidade, uma aplicação na indústria como medidores nucleares.44 Diferentemente do evento de 1987, na qual o Cs-137 encontrava-se dispersível, as fontes roubadas foram confeccionadas com encapsulamento em material cerâmico, revestidas com aço inoxidável e resistente ao impacto.45 As fontes foram encontradas após 11 dias do furto, a 432 km do local do furto, já no estado de São Paulo. Não foram identificadas vítimas ou contaminação do meio ambiente.46 Nessa nova situação, o mesmo radionuclídeo estava presente em relação ao acidente de Goiânia. Ou seja, as propriedades das radiações emitidas e a atividade específica do material eram idênticas. Por outro lado, alguns atenuantes foram os responsáveis pela menor escala do acidente radiológico: atividade quase 300 mil vezes menor e encapsulamento do material, o que faria com que, mesmo que a blindagem de aço inox fosse violada, não haveria dispersão da fonte. Assim, como não houve dispersão, também não existiram cenários de exposição ou contaminação. Em caso contrário, a dose recebida por quem manipulasse o material poderia ser considerável. A Figura 9 resume a avaliação do furto de fonte de Cs-137 em Nazareno, em 2023.
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São Paulo, 2024 - Ge-68/Ga-68 A última notícia nacional de roubo de fonte radioativa ocorreu em 2024. Uma fonte de Ge-68/Ga-68 (que corresponde a uma mistura dos isótopos destes dois elementos químicos, em equilíbrio secular) e quatro de Mo-99/Tc-99m exauridas estavam dentro de um veículo que havia sido furtado em São Paulo.47 O gerador de Mo-99/Tc-99m é o responsável pela geração do Tc-99m (emissor beta e gama, t1/2 = 65,9 h),19 um dos radiofármacos mais utilizados na área de medicina nuclear48 para a obtenção de imagens49 de órgãos críticos como cérebro, pulmão e coração,50 enquanto o Ga-68 (emissor de pósitron, t1/2 = 67,7 min),19 proveniente do gerador Ge-68/Ga-68, é amplamente usado na tomografia por emissão de pósitrons (PET), uma poderosa ferramenta que cria imagens tridimensionais com alta sensibilidade de processos bioquímicos e fluxos sanguíneos em indivíduos vivos.51 O gerador de Mo-99/Tc-99m estava exaurido, o que significa que ele não mais era uma fonte radioativa. Por outro lado, o gerador de Ge-68/Ga-68 ainda estava ativo e possuía uma atividade de 1,1 GBq (30 mCi), contida em uma cápsula. A fonte foi encontrada íntegra oito dias após o furto, em um ferro-velho. As blindagens de chumbo do gerador de Mo-99/Tc-99m, que despertam o interesse financeiro, foram achadas em outro local dias antes. Não foram identificadas vítimas ou contaminação do meio ambiente. O Ge-68 decai por captura eletrônica, emitindo raios X (não há emissão de radiação γ). O Ga-68 decai por dois processos concorrentes: emissão de β+ (pósitron) e captura eletrônica. Neste último caso, há emissão de radiação γ e raios X devido à vacância da última camada deixada pelo elétron capturado.19 Entretanto, é o decaimento por aniquilação de pares (elétron-pósitton) que faz o Ga-68 tão útil para a PET. A aniquilação de pares ocorre quando duas antipartículas colidem, aniquilando-se e liberando dois raios γ em direções opostas. Esse fenômeno ocorre após a ejeção de pósitrons do núcleo de Ga-68 que se chocam com os elétrons do meio material, como tecidos vivos, e liberam radiação gama.14 Devido à sua semelhança de massa e carga (em módulo) com o elétron, os pósitrons têm alcance intermediário, assim como poder de penetração. As atividades específicas do Ge-68 e do Ga-68 são, respectivamente, 2,6 × 1014 e 1,5 × 1018 Bq g-1, sendo a última consideravelmente alta, em função da sua meia-vida curta (pouco mais de 1 h). Especialmente, a meia-vida do Ga-68 é muito curta, o que o torna adequado para o uso como radiofármaco. Nesse tratamento comum da Medicina Nuclear, é administrado um fármaco contendo um radionuclídeo com um objetivo específico, quer seja para radiodiagnóstico, quer seja para algum tipo de terapia. Para não comprometer o paciente, esse material radioativo deve decair em um tempo adequado à função desempenhada pelo radiofármaco, mas que seja curto para que a radiação não cause danos. A atividade do gerador de Ge-68/Ga-68 não era muito alta (ordem de grandeza de mCi) e o material foi encontrado ainda contido no encapsulamento, o que impediu qualquer dispersão, contaminação, ingestão ou inalação. Embora sem gravidade real, o risco potencial novamente existiu, pois, caso o encapsulamento fosse avariado, a dose recebida por quem manipulasse o material poderia ser considerável. A Figura 10 resume a avaliação do furto do gerador de Ge-68/Ga-68 em São Paulo, em 2024.
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CONCLUSÕES Conceitos de radioquímica e química nuclear não fazem parte da base curricular dos cursos de graduação em Química no Brasil. A ausência de tais conteúdos cria uma lacuna nessa área do conhecimento para os profissionais da Química. O furto de fontes radioativas sempre ganha destaque na mídia nacional, principalmente devido ao maior acidente radiológico mundial, ocorrido em Goiânia em 1987. Para melhor entender a gravidade e as consequências de eventos radiológicos, é necessário um conhecimento básico de diversos fenômenos nucleares, as grandezas que modelam suas ocorrências e os seus efeitos nos diversos meios materiais, incluindo o corpo humano. Portanto, é importante a compreensão dos tipos mais comuns de radiação (α, β e γ) e suas propriedades eletrônicas, inerciais e energéticas. Ademais, deve-se ter domínio sobre os conceitos de atividade, constante de decaimento, meia-vida, atividade específica, dose e coeficientes de dose efetiva. Estes conceitos foram aplicados na elaboração da tríade RAE, um método de avaliação preliminar que considera o tipo da radiação envolvida, a atividade da fonte e o cenário de exposição de eventos envolvendo furtos deste tipo de material. A partir da tríade, foi possível avaliar quatro furtos de fontes radioativas ocorridos no Brasil. O célebre caso do Cs-137 de Goiânia levou a consequências críticas, devido à alta atividade e estado do material (dispersível e solúvel em água), meia-vida relativamente longa para os padrões humanos, e atividade específica considerável. Os demais furtos não tiveram consequências sobre pessoas ou ao meio ambiente, devido à não violação em especial dos encapsulamentos. Além disso, as meia-vidas baixas do Se-75 e do Ga-68 e as baixas atividades das fontes foram relevantes para o nível pouco expressivo de exposição das três fontes furtadas. Este trabalho mostrou a necessidade de se discutir os conceitos básicos de radioquímica e química nuclear em cursos de graduação em Química para que os profissionais dessa área tenham base suficiente para avaliar situações envolvendo materiais nucleares e/ou radioativos. Tais profissionais, como conhecedores da matéria e suas propriedades, são aqueles formadores de opinião e multiplicadores de informação correta e confiável.
DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS Todos os dados estão disponíveis no texto.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao professor Dr. S. D. Cunha pela iniciativa em sugerir o tema de relevância para a comunidade química nacional.
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